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Iacitatá: mais que um restaurante, um ponto de cultura alimentar

Um espaço que fortalece a agroecologia e culinária local amazônica

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Pyra (peixe filhote) com tacacarana, lundu e salada com verduras da época
Pyra (peixe filhote) com tacacarana, lundu e salada com verduras da época - Vitor Taveira
Um espaço que fortalece a agroecologia e culinária local amazônica

É manhã de sábado em Belém do Pará e as pessoas circulam o entorno do Iacitatá. Do lado de fora, uma pequena feira com alimentos agroecológicos e algumas cadeiras onde pode-se tomar não um café colonial mas um café-da-manhã descolonial, que pode incluir iguarias locais como beiju, tucupi, pesto de jambu e doce de cupuaçu.

Mais tarde, no horário do almoço e no espaço aconchegante dentro da casa, localizada no bairro Cidade Velha, no centro de Belém, há refeições com comida baseada na culinária local, servida na cuia, conforme a forma tradicional de alimentação nas comunidades amazônicas.

Mas o Iacitatá não é apenas um restaurante, é um ponto de cultura alimentar. Uma das responsáveis pelo espaço é a atriz e ativista Tainá Marajoara, descendente de indígenas da Ilha de Marajó, que participou diretamente dos debates e articulação para que a comida fosse considerada como cultura no Brasil, por meio de lei de 2013.

"Considerando que a cultura alimentar é o saber fazer os ritos, a ancestralidade, a territorialidade, essa relação sensível com alimento, seja ele na produção, no preparo, na plantação, na transmissão dessa memória alimentar, na identidade."

Carlos Ruffeil é o chef da casa, que enxerga de forma crítica como alguns cozinheiros e consumidores gourmetizam e exotizam a culinária amazônica.

"A nosso ver não existe exótico porque isso é do meu dia a dia. Então isso não é exótico pra mim. Isso é o meu cotidiano. Exótico é para outra pessoa, para mim não".

Comprar e cozinhar a partir do local e da proximidade com o produtor é chave. O ponto de cultura alimentar trabalha com uma rede formada por 55 comunidades da região amazônica e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, todos com produção de base agroecológica. Carlos conta que sabe de onde vem cada alimento que cozinha."A gente sempre diz, aqui é o único lugar onde a comida tem nome, sobrenome e endereço."

A advogada Maria Lúcia Miranda Álvares é uma das frequentadoras assíduas do local. "É um espaço que é a cara de Belém. Para mim, traz a nossa comida, mostra de uma forma bem paraense e com esse propósito de fomentar a atividade daquelas pessoas que produzem alimentos. Começamos a ter contato com produtores, ver de onde vem essa comida, e isso faz bem para a gente."

Há três anos em funcionamento em um espaço físico que hoje pode receber cerca de 40 pessoas, o projeto começou há 10 anos com uma pesquisa sobre a alimentação na região, que já resultou no mapeamento de mais de 750 itens da cultura alimentar amazônica.

Além disso, o local também possui um pequeno empório onde comercializa esta produção local e outros produtos da agroindústria de assentamentos da reforma agrária de vários estados do Brasil. O Iacitatá serve também como ponto de encontro para discussões e articulações para fortalecimento da agroecologia e enfrentamento do modelo do agronegócio. Ali se realizam debates, exibição de filmes e palestras com mestres do saber popular.

"Com esse projeto a gente vai falar sobre alimentação, mas especialmente sobre aquilo que não se come. Porque a comida não chega sozinha no prato. Para se fazer aquela comida, diversas vezes teve conflito de terra, outras vezes são povos aniquilados, são mulheres estupradas, são crianças exploradas e é um assassinato em série de nossas culturas alimentares", explica Tainá.

O Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá ainda faz parte de atividades como a campanha Agrotóxico Mata, o movimento Slow Food e serve de sede para o Gruca, Grupo de Consumo Agroecológico, que promove a relação direta entre produtores e consumidores.

 

Edição: Michele Carvalho