Educação

Movimentos lançam manifesto contra retirada de direitos de crianças e adolescentes

“Em 35 anos, a questão da educação e da infância sempre esteve presente em nossas ocupações”, diz João Paulo Rodrigues

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST
João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST - Foto: Yuri Simeon

Movimentos e organizações sociais lançaram, na noite da última segunda-feira (1), no Centro Cultural Maria Antônia, em São Paulo, o “Manifesto em Defesa dos Direitos da Infância e da Adolescência”. As entidades criticam o avanço do governo federal contra os direitos de crianças e adolescentes.

O manifesto foi lançado por Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), União de Núcleos de Educação Popular para Negras e Negros (Uneafro), Centro de Defesa da Criança e Adolescente (Cedeca), Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e o Movimento Nacional de Meninas e Meninos de Rua.

De acordo com o documento, há uma projeto do governo Bolsonaro para suprimir os direitos de crianças e adolescentes no país.

“Através da Reforma da Previdência e Seguridade Social, da Reforma do Ensino Médio, da reformulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e dos cortes no financiamento da educação está em curso um processo de privatização da educação no Brasil. Estes são apenas alguns exemplos de nossa história recente, que afetam diretamente os cotidianos da infância e da adolescência brasileira, e colocam em xeque o futuro de crianças e adolescentes negros, pobres, do campo e das periferias das cidades”, explicam as entidades.

João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, lembrou que a elaboração do manifesto e o desejo de criar uma frente de defesa da infância e adolescência surgiu após a tentativa da TV Record em criminalizar os sem terrinhas.

“Durante muitos anos, nós sonhamos em fazer nosso encontro nacional dos sem terrinhas. Por muitos motivos, mas dentre eles porque é um setor muito importante na luta pela terra e reforma agrária. Ao longo dos 35 anos, a questão da educação e da infância sempre esteve presente em nossas ocupações, acampamentos e nas nossas escolas”, relembra o dirigente.

“Se passa alguns dias, fomos surpreendidos por uma matéria ridícula na Record denunciando nosso encontro. A gráfica que imprimiu nossas cartilhas, vazou, sem querer, mas querendo, a nossa cartilha para o senhor Eduardo Bolsonaro, que também fez um escracho público, dizendo que íamos levar à brasília centenas de sem terrinhas para ensinar o ‘guevarismo’ para eles.”

Desde então, uma ampla articulação foi construída para garantir os direitos de crianças e adolescentes no país. Para Marco Antônio, do Movimento Meninos e Meninas de Rua, há uma tentativa do governo de emplacar leis que podem atacar esse setor da população.

“Quem trabalha com criança, precisa entrar na luta contra a redução da maioridade penal. A aprovação da redução maioridade penal fará com que nossas crianças aumentem mais as prisões que já estão lotadas de jovens negros. Ainda existem crianças que são invisíveis para a sociedade. Nosso país é o terceiro país que mais encarcera; são presos, em sua maioria, por crimes ligados ao patrimônio, que impacta mais as famílias pobres”, finaliza Marco Antônio.

A professora Lisete Arelaro, candidata a governadora de São Paulo pelo Psol em 2018,  manifestou apoio ao MST e explicou que as entidades seguirão em contato e construindo a articulação para a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. “O MST é um exemplo para todos nós, com uma proposta de formação de suas crianças e jovens que servem de exemplo para todos nós. Daqui para frente, formaremos, sem dúvida, um grande movimento de resistência.”

Confira a íntegra do manifesto:

MANIFESTO EM DEFESA DOS DIREITOS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA

Quero a utopia, quero tudo e mais...
Quero nossa cidade sempre ensolarada
Os meninos e o povo no poder, eu quero ver! (Coração Civil – Milton Nascimento)

Neste momento de avanço do capitalismo e das forças conservadoras e reacionárias sobre os direitos sociais conquistados através da luta dos trabalhadores e das trabalhadoras, o projeto político e econômico das elites brasileiras aprofunda e escancara as desigualdades sociais, que, desde a colonização, foram sustentadas pelo racismo, machismo e pela exploração.

As propostas do governo apresentadas ao Congresso Nacional, respaldadas no golpe de 2016 e na Emenda Constitucional nº 95, que congelou os gastos por 20 anos com políticas de educação, saúde e assistência social expressam a determinação deste governo em destruir direitos históricos inscritos na Constituição Federal de 1988.

Através da Reforma da Previdência e Seguridade Social, da Reforma do Ensino Médio, da reformulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e dos cortes no financiamento da educação está em curso um processo de privatização da educação no Brasil. Estes são apenas alguns exemplos de nossa história recente, que afetam diretamente os cotidianos da infância e da adolescência brasileira, e colocam em xeque o futuro de crianças e adolescentes negros, pobres, do campo e das periferias das cidades.

Os Conselhos de participação social tem sido duramente atacados e esvaziados. Além disso, há um ataque frontal ao ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), questionado em artigos que atingem diretamente as crianças mais pobres, em medidas de redução da maioridade penal e de apreensão de crianças em situação de rua, mesmo que não haja suspeita de delito praticado.

Ao lado das propostas de destruição das políticas públicas, encontram-se a criminalização da docência, dos movimentos sociais e populares, da atuação sindical e de entidades não governamentais ou qualquer tendência política associada à defesa de Direitos Humanos.

Trata-se de uma articulação ideológica contra o conhecimento científico, a formação crítica e integral dos sujeitos, bem como da participação popular nos rumos da sociedade, baseadas nas propostas do Programa Escola “Sem” Partido e de movimentos “anti-gênero” e contrários à diversidade sexual.

Crianças e adolescentes têm seus direitos violados pelo Estado e pela mídia, em função de sua identidade e participação enquanto sujeitos de um movimento popular que luta pela Reforma Agrária, como foi o caso das crianças Sem Terrinha, recentemente; ou das periferias das cidades, que também sofrem as consequências da destruição da educação pública, as políticas públicas assistenciais e culturais, além do genocídio da população negra e pobre realizado por grupos de extermínio.

Por isso, conclamamos ao povo brasileiro a permanecer construindo e fortalecendo a luta unitária em defesa da educação pública e de acesso às políticas públicas assistenciais e culturais, contra o genocídio negro e as diversas formas de violência promovidas pelo Estado para com crianças, adolescentes do campo, florestas e nas cidades e suas famílias. Pela construção de uma sociedade brasileira justa, igualitária, livre e democrática, em que a infância e a adolescência tenham o seu lugar assegurado e valorizado 

Edição: João Paulo Soares