Saúde da Família

Atendimento médico em comunidade vulnerável de Fortaleza é prejudicado por burocracia

Enquanto posto de saúde da Goiabeiras não é entregue, população quer continuidade da assistência em associação.

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São realizados aproximadamente 100 atendimentos por semana a pacientes crônicos, idosos, recém-nascidos e gestantes.
São realizados aproximadamente 100 atendimentos por semana a pacientes crônicos, idosos, recém-nascidos e gestantes. - Foto: Arquivo Associação

Uma das quatro equipes da Unidade Básica de Saúde (UBS) Lineu Jucá, na Barra do Ceará, em Fortaleza, que vem oferece há mais de 13 anos atendimento à comunidade Goiabeiras, numa sala reformada da Associação Pequeno Cidadão, vem enfrentando problemas de ordem administrativa por parte da Secretaria Municipal de Saúde. De acordo com moradores, trabalhadores e políticos, a Coordenadoria de Saúde determinou que fosse suspenso o atendimento na associação em razão da ausência de ponto eletrônico na entidade.

A prefeitura assinou em abril passado a ordem de serviço autorizando a construção de um novo posto de saúde em Fortaleza, que funcionará na comunidade Goiabeiras. O equipamento tem previsão de entrega para 2020 e visa desafogar o atendimento de outros serviços como o posto na Barra do Ceará, zona Oeste de Fortaleza.

Negligência

Roberto Ribeiro Maranhão, que é médico desde 2013 da equipe amarela de Estratégia Saúde da Família (ESF) na UBS Lineu Jucá, e responsável por acompanhar a comunidade Goiabeiras, explica que se trata de um território negligenciado pelo Poder Público. Segundo ele, a comunidade reivindica a implantação de uma nova unidade, enquanto isso não ocorre, a assistência e o acolhimento a 3 mil pessoas do Goiabeiras ocorre na Associação Pequeno Cidadão.

“Somente na Associação fazemos em torno de 100 atendimentos por semana, das mais diversas questões. São pacientes crônicos, idosos, recém-nascidos, gestantes, às pessoas de uma maneira geral”, diz o médico da equipe que atua no local.

Francisco Hildon Carlos Pereira, presidente da Associação Pequeno Cidadão, onde funciona a sala de assistência da equipe de saúde, explica que a assistência à população ocorre às segundas, terças e quintas, das 8h às 12h, e mesmo sem uma parceria formal entre a administração municipal e a entidade, o atendimento foi interrompido somente em junho, após a comunicação da coordenadora de saúde de que o ponto eletrônico dos funcionários em atendimento na associação não seria mais abonado.

"A parceria da saúde não é documentada com a Coordenadoria [de Saúde] e é por isso que estou achando que há esse impasse”.

Pereira se refere à reativação da assistência na associação, prometida pela Coordenadoria de Saúde da Secretaria Municipal, após a entrega de abaixo-assinado em junho pelos moradores.

Para que não sofram penalizações posteriores, como falta ou desconto de salário, a equipe reivindicou um documento da Coordenadoria de Saúde para respaldar o atendimento na sala da entidade, sem ter descontos no salário ou penalizações futuras. “Ou ainda um ponto eletrônico no posto em construção, que é mais próximo”, sugere o médico de família. No entanto, até o dia 3 de julho este documento não foi enviado pela pasta.

Apesar de neste momento o atendimento ter voltado em função do ponto eletrônico na UBS Lineu Jucá estar com problemas, o líder comunitário disse que os moradores estão chateados com o impasse.

“Tem muita gente idosa [na comunidade], pessoas com mobilidade reduzida. Eu sou um que tenho problema físico e aqui eu posso me locomover com cadeira de rodas, o atendimento é melhor, tem mais espaço do que o posto de saúde. O atendimento é mais humano e organizado”.

O transporte entre a comunidade e o posto de saúde, abastecido por uma única linha, demora 40 minutos, segundo o médico de família e comunidade da UBS Lineu Jucá, Roberto Ribeiro Maranhão, da equipe amarela, responsável pelo território da Goiabeiras, onde estão cadastrados mais de 3 mil pessoas.

A Agente Comunitária de Saúde (ACS) da equipe, Maria Atatian Pereira dos Santos, que atua no atendimento reforça as dificuldades.

“Atendemos aqui na Associação Pequeno Cidadão devido o nosso posto [de Saúde] ser muito longe de nossa comunidade. A Associação nos cedeu uma sala, que a comunidade junto com a equipe [de saúde] conseguiu reformar para deixar em condições de atendimento, que fazemos três dias na semana, segunda-feira é o grupo de puericultura [crianças], na terça-feira o grupo de hipertensos e diabéticos e na quinta-feira, grupo de gestantes”, conta.

Segundo ela, as condições de trabalho na entidade para oferta de assistência são melhores do que no posto de saúde. “Nosso posto [Lineu Jucá] não tem estrutura para todas as [sete] equipes ficarem atendendo. Para ter uma ideia, nesses 16 anos que a nossa equipe está aqui [Associação Pequeno Cidadão] desafoga o posto Lineu Jucá. Os pacientes da equipe amarela vão ao posto para fazer exame, receber remédios ou fazer prevenção, o que agora não está fazendo porque a sala está sem condições”, conta Atatian.

Funcionários da equipe amarela da UBS Lineu Jucá contam ainda que médicos e enfermeiros têm, em algumas ocasiões, que esperar vagar uma sala para atender aos pacientes na UBS.

Histórico

UBS Lineu Jucá, na Barra do Ceará, tem 30 mil cadastrados e prevê 7 equipes de Estratégia Saúde da Família, mas atualmente três delas estão sem médicos, conforme o relato de funcionários. Por ser uma unidade que concentra uma população numerosa, sem espaço físico para assegurar a assistência adequada, a comunidade Goiabeira, uma das mais vulneráveis na zona Oeste de Fortaleza criou sua própria alternativa.

Com uma forte participação popular, segundo o médico e a ACS da equipe, a população reivindicou uma equipe da UBS Lineu Jucá e assim o atendimento passou a ser feito três manhãs por semana na sede da Associação Pequeno Cidadão.

O presidente da Associação Pequeno Cidadão conta que a entidade até o início de 2017 recebia apoio do Poder Público para oferecer oficinas de cidadania e direitos humanos para crianças e adolescentes, em razão do local protagonizar altos índices de homicídios de jovens. Lá funcionavam oficinas de surf, capoeira, dança e música, mas em razão da suspensão do apoio institucional, há dois anos a sede da entidade passou a oferecer somente os grupos de estímulo ao autocuidado, autoestima, promoção de saúde e prevenção de doenças das ACSs com os idosos, além das consultas três vezes por semana.

Atatian conta que é a comunidade que tem defendido a atuação no local. “Os grandes fiscais desse trabalho é a própria comunidade. Tu achas que se a comunidade não visse a equipe trabalhando, ali de segunda terça e quinta trabalhando, dando o seu melhor, eles iriam defender?”, questiona.

Atuam no território quatro agentes comunitárias de Saúde, um médico e um enfermeiro para cobrir cinco microáreas. Ou seja, além do atendimento nas manhãs de segunda, terça e quinta, na comunidade Goiabeiras, a equipe atende a população de outras áreas na unidade básica de saúde.

Atualização:

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Fortaleza informou, por meio de nota enviada um dia após o fechamento da reportagem, que a comunidade das Goiabeiras, atendida pela Unidade de Atenção Primária à Saúde Dr. Lineu Jucá "continua sendo atendida por equipe do Programa Saúde da Família".

A SMS esclareceu também que "o atendimento extensivo da UAPS se realiza por meio de acordo entre a própria equipe do PSF e a Associação Pequeno Cidadão e que a suspensão temporária dos serviços de saúde naquele local se deu por resistência da equipe em cumprir a determinação administrativa de adesão ao Sistema de Controle de Frequência, ferramenta de gestão implantada pela Prefeitura de Fortaleza que permite maior transparência e qualidade no atendimento dos serviços públicos municipais".

De acordo com a pasta, "após rodada de reuniões entre a SMS e os profissionais de saúde estes retomaram às atividades realizadas na Associação". 

(Notícia atualizada às 17h20 de 4/07/2019)

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira