CRÍTICA AO PRESIDENTE

Entidades rebatem fala elogiosa de Jair Bolsonaro ao trabalho infantil

Nota conjunta afirma que proteção infância não pode ser um compromisso aleatório

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
" A criança precisa vivenciar a infância plenamente para que se constitua como um adulto saudável", diz um trecho da nota
" A criança precisa vivenciar a infância plenamente para que se constitua como um adulto saudável", diz um trecho da nota - Renato Araújo / Agência Brasil

Diversas entidades criticaram a fala do presidente da república, Jair Bolsonaro, ao afirmar que o trabalho infantil não prejudica as crianças, realizada durante uma live no Facebook, na última quinta-feira (5).

No vídeo, Bolsonaro diz: “não fui prejudicado em nada. Quando algum moleque de nove, dez anos, vai trabalhar em algum lugar, está cheio de gente falando que é trabalho escravo, não sei o quê. Agora quando está fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada. Então o trabalho não atrapalha a vida de ninguém”

O Ministério Público do Trabalho (MPT), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETi) divulgaram nota conjunta para rebater a fala de Bolsonaro, salientando que “a proteção da infância contra o trabalho infantil não é um compromisso aleatório, sem motivações. Estudos e estatísticas diversos demonstram o quão nocivo o trabalho infantil é para a infância e para a adolescência”.

Segundo dados do MPT, entre 2014 e 2018, o órgão registrou mais 21 mil denúncias de trabalho infantil no país.

Confira a nota conjunta na íntegra:

Combater o trabalho infantil é meta prioritária do Estado brasileiro, compromisso assumido não apenas perante o conjunto de seus cidadãos, mas também perante a comunidade internacional. Esse compromisso se estabeleceu desde 1988, com a Constituição Federal, que proibiu o trabalho de crianças e adolescentes e garantiu a eles proteção integral, absoluta e prioritária (artigos 7º, XXXIII e 227 do Texto Constitucional). No mesmo sentido, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda no plano internacional e no âmbito laboral, surgem as Convenções 138 e 182 da OIT, que proíbem o trabalho infantil e alertam para seus diversos malefícios, tendo sido tais instrumentos ratificados pelo Brasil, compondo, assim, seu ordenamento jurídico interno.

A proteção da infância contra o trabalho infantil não é um compromisso aleatório, sem motivações. Estudos e estatísticas diversos demonstram o quão nocivo o trabalho infantil é para a infância e para a adolescência. Entre outros prejuízos, é inegável que: provoca acidentes e adoecimentos, não raras vezes com mutilações e mortes; leva a baixo rendimento e consequente evasão escolar; colabora para a perda da autoestima; afasta a criança do lazer, da brincadeira e do descanso; provoca inversão de papéis com consequências diversas, como uso de drogas, alcoolismo, gravidez precoce e violência; rouba oportunidades; em suma, macula e mata a infância.

Todo ambiente de trabalho, por mais singelo que seja, apresenta diferentes e importantes graus de risco à saúde psicológica e física do trabalhador. Estes riscos são ainda mais pungentes quando se trata de crianças e adolescentes, sujeitos cuja compleição física e psicológica encontra-se em formação. Essa condição precisa ser respeitada, sob pena de sofrerem, por vezes para toda a vida, as consequências gravíssimas decorrentes da exposição precoce ao trabalho. Ainda, a psicologia é uníssona em afirmar que a criança precisa vivenciar a infância plenamente para que se constitua como um adulto saudável, com todas as suas potencialidades desenvolvidas. O trabalho precoce, seja o proibido ou quando desprotegido, indubitavelmente afasta a criança e o adolescente dessa vivência plena.

O fato de haver exemplos de pessoas que foram submetidas a tais práticas sem que consequências diretas ou perceptíveis se apresentem, não elimina a constatação empírica, fática, de que o trabalho antes da idade permitida traz prejuízos de diversas naturezas, não podendo o trabalho nessas condições, em nenhuma medida, ser naturalizado, tolerado ou estimulado.

A comunidade internacional ressoa essas constatações, tanto que o recente acordo firmado entre União Europeia e Mercosul prevê, expressamente, o compromisso de combate ao trabalho infantil. Ainda, a exploração constatada de mão-de-obra infantil afasta o consumidor consciente, que cada vez mais dita as regras tanto no mercado de consumo interno como externo.​​​​​​​

Por todas as razões expostas, as instituições abaixo firmadas repudiam quaisquer afirmações que contrariem o intenso trabalho feito pelo Estado brasileiro e suas diversas instituições para proteger a infância contra o trabalho infantil. Pugnam, ainda, por mais abrangente reflexão a respeito do problema, que leve em conta a proteção integral e prioritária garantida a todas as crianças e os adolescentes brasileiros, considerando o seu absoluto direito de serem plenamente respeitados nessa condição especial que ostentam.​​​​​​​

Edição: Guilherme Henrique