Rio de Janeiro

LAVA JATO

Para juíza, seletividade da Lava Jato é anterior as revelações do The Intercept

Valdete Severo, presidente da AJD, cobra resposta de instituições depois da exposição de diálogos de Moro e Dallagnol

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Prática de Moro pode configurar em crime de prevaricação, ou seja, quando um agente público tem uma conduta visando interesse pessoal
Prática de Moro pode configurar em crime de prevaricação, ou seja, quando um agente público tem uma conduta visando interesse pessoal - Lula Marques

O ex-juiz e atual ministro da justiça, Sérgio Moro, compareceu nesta semana à Câmara dos Deputados em Brasília para prestar depoimento e esclarecer os diálogos divulgados pelo site The Intecept Brasil que colocam em xeque a sua imparcialidade à frente da operação Lava Jato. 

A presidente da Associação de Juízes pela Democracia (AJD), Valdete Severo, participou do programa Brasil de Fato e falou como a organização vê os vazamentos da Lava Jato. Para ela, a seletividade da operação é anterior à revelação das conversas. “A seletividade da Lava Jato já estava muito evidente antes mesmo das denúncias do The Intercept Brasil e já vinham sendo denunciadas pela nossa associação. Claro que agora, com essas notícias e com o vazamento dessas conversas dentre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores, eles não têm mais como negar que houve essa seletividade”, afirmou a juíza.

A situação no entanto é complicada não só pelo seu conteúdo, mas também pela tentativa de explicação do atual ministro da justiça. “Não é só essa mudança de postura do hoje ministro Sérgio Moro, mas sobretudo o fato de ele tentar passar uma imagem de que é normal juízes conversarem com procuradores ou advogados daquela forma como eles conversaram. O que significa inverter completamente a ordem democrática”, conta perplexa. 

Segundo a magistrada, juízes e partes (acusação e defesa) podem conversar, porém através dos autos do processo ou no gabinete do juiz quando ambas as partes estão presentes e em horário de expediente. O papel de um juiz está descrito na lei orgânica da magistratura brasileira, que está na Constituição Federal, e o dever da imparcialidade faz parte do centro da função. A juíza descarta a hipótese de que as conversas seriam uma orientação.

“Eu posso considerar que é uma orientação se o juiz dissesse à parte ‘junte tal documento em tantos dias’, isso é o que o juiz tem que fazer para direcionar o processo. O que o The Intercept noticiou são conversa de whatsapp depois das 22h, sequer são trocas de informações. O que a notícia dá conta é que o juiz da causa, naqueles casos da operação Lava Jato, indicou para o Ministério Público as provas que tinham que ser produzidas, sugeriu a inversão da oitiva de testemunhas, sugeriu como tratar a imprensa depois da entrevista que foi dada pelo ex-presidente Lula. Quer dizer, isso não é nada normal. Não existe”, explicou Severo.

Ela chama atenção para o crime de prevaricação, previsto de forma expressa no código penal, quando um agente público participa de um processo de modo a obter vantagens pessoais. “Quando a gente olha todo o panorama agora e verifica que quem exercia a função de juiz e tinha o dever de imparcialidade, que está na lei orgânica da magistratura, que está na Constituição Federal, e agiu claramente auxiliando a acusação e depois obtém com isso o cargo de ministro da justiça do novo governo. Não dá pra afirmar, mas se começa a cogitar que mais do que falta de imparcialidade, nós estaríamos diante de uma prática criminosa. Há uma previsão expressa no código penal de que é crime agir num processo para obter vantagem pessoal”, explica.

Segundo a presidente da AJD, a crise em que o judiciário brasileiro é jogado com as revelações da Vaza Jato são graves e podem se estender por anos, especialmente depois que a Policia Federal declarou que vai investigar a vida do jornalista que revelou as conversas, Glenn Greenwald. “Se nós tivermos uma polícia federal que se preste a esse tipo de ação, se não tivermos um Ministério Público que arquiva, como arquivou a denúncia contra o Dallagnol numa velocidade impar, se nós tivermos um STF que não tem coragem de julgar um habeas corpus de uma pessoa que está presa dentro de um processo viciado na origem e está mais do que demonstrado que está viciado, nós não temos mais instituições que nos garantam”.

A AJD lançou uma nota pedindo o afastamento de Sérgio Moro do Ministério da Justiça depois das denúncias. “Nós não aceitamos que o poder judiciário seja confundido com práticas espúrias como essa que foi evidenciada pela operação Lava Jato”, a juíza do trabalho ainda afirma que a maioria dos juízes não incorrem nesse tipo de erro.

Edição: Jaqueline Deister | Redação: Flora Castro | Entrevista: Denise Viola