anos de chumbo

Operação Condor: Justiça da Itália condena mais 24 à prisão perpétua

Ex-militares estão ligados a assassinato, torturas e desaparecimento de italianos no Chile, Peru, Uruguai e Bolívia

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O ex-tenente uruguaio Néstor Troccoli (centro) foi um dos condenados pela Justiça italiana
O ex-tenente uruguaio Néstor Troccoli (centro) foi um dos condenados pela Justiça italiana - Reprodução

A Corte de Apelação de Roma condenou à prisão perpétua nesta segunda-feira (8) 24 ex-militares de Bolívia, Chile, Peru e Uruguai pelo homicídio doloso com múltiplos agravantes de 25 italianos na chamada Operação Condor.

A Condor foi uma aliança entre ditaduras sul-americanas dos anos 1970 e 1980 que permitia a troca de informações e prisioneiros e tinha como objetivo perseguir, torturar e assassinar dissidentes políticos, sem qualquer hesitação.

A sentença reverte a dada durante a primeira instância, em 17 de janeiro de 2017, que havia condenado oito dos acusados (os que pertenciam às cúpulas dos governos) e absolvido 19. Já a desta segunda, apelação proferida pela presidente da Corte, a juíza Agatella Giuffrida, também condenou o segundo escalão, considerando-os coautores dos crimes.

A Corte declarou culpados os chilenos Hernán Jerónimo Ramírez, Rafael Ahumada Valderrama, Pedro Octavio Espinoza Bravo, Daniel Aguirre Mora, Carlos Luco Astroza, Orlando Moreno Vásquez e Manuel Abraham Vásquez Chauan, os peruanos Francisco Morales Bermúdez, Germán Ruiz Figuero e Martín Martínez Garay e o boliviano Luis Arce Gómez.

Já os uruguaios são José Gavazzo Pereira, Juan Carlos Blanco, José Ricardo Arab Fernández, Juan Carlos Larcebeau, Pedro Antonio Mato Narbondo (escondido no Brasil), Luis Alfredo Maurente, Ricardo José Medina Blanco, Ernesto Avelino Ramas Pereira, José Sande Lima, Jorge Alberto Silveira, Ernesto Soca, Néstor Troccoli, Gilberto Vázquez Bissio e Ricardo Eliseo Chávez.

A íntegra da sentença, com as justificativas, será publicada em 90 dias, mas, ao que tudo indica, a Corte aceitou um dos principais argumentos defendidos tanto pela advocacia do Estado da Itália, quanto pelo Ministério Público, isto é, que os sequestros cometidos por ex-militares e agentes de serviços de inteligência eram finalizados com a morte das vítimas.

“Tinha certeza desse resultado. Essa era uma Corte de mulheres sérias que conhecem a lei e entenderam que este não era um processo que buscava a vingança, mas sim justiça”, disse Luca Ventrella, advogado do Estado italiano. Já Tiziana Cugini, procuradora responsável, disse que, “após um longo percurso que durou dez anos, hoje obtivemos a verdade, o conhecimento e justiça para as vítimas, para nossa história e para todos nós.”

Néstor Troccoli

Houve comemoração no momento em que a juíza leu as condenações, em especial no caso do ex-tenente uruguaio Néstor Troccoli. Ele era responsável pelo Serviço de Inteligência da Marinha do Uruguai (Fusna) e acusado de ser responsável direto por mortes e torturas durante a ditadura no país (1973-1985).

“Finalmente foi feita justiça”, disse Aurora Meloni, viúva de Daniel Banfi, sequestrado no Uruguai e assassinado pelos militares na Argentina nos anos 70. 

Já para Cristina Mihura, que teve o marido preso em Buenos Aires e até hoje continua desaparecido, “essa sentença colocou nos trilhos o trem que a primeira instância havia feito descarrilhar. Mas precisamos continuar lutando por justiça. Penso sobretudo nos familiares das vítimas de Troccoli que nunca haviam tido justiça”.

“Ninguém esperava uma sentença dessas, que mudasse completamente as condenações do primeiro grau” declarou Francesco Guzzo, advogado de Troccoli. Guzzo afirmou que o uruguaio ficou irritado com a decisão. “Obviamente, vamos apelar para a cassação”, alegou Guzzo.

Prisão de Pinochet

Era fim dos anos 1990 quando Giancarlo Capaldo, promotor italiano responsável pelo caso, recebeu uma denúncia ligada aos assassinatos de italianos ocorridos no âmbito da Operação Condor. A denúncia tinha sido feita por algumas mães e familiares de desaparecidos uruguaios e argentinos que se inspiraram na investigação conduzida pelo juiz espanhol Baltasar Garzón, que levou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet à prisão domiciliar em Londres por crimes contra a humanidade.

O processo Condor iniciou em fevereiro de 2015. Após anos de investigação que envolveu vários países e colaboradores, Capaldo pretendia levar para o banco dos réus todos os 140 denunciados, mas, devido ao número de réus mortos durante o caso, e inúmeros problemas burocráticos com alguns países, o número de acusados foi reduzido.

Este é o primeiro processo na Europa a reconhecer a existência da Operação Condor e a condenar os responsáveis por crimes cometidos durante os anos de atuação da operação.

Andrea Speranzoni, advogado de defesa do Estado do Uruguai, teve um papel fundamental para o resultado, segundo os representantes do país. “Esta sentença serve como alarme mesmo para os crimes cometidos agora, porque a justiça tarda, mas um dia ela chega”.

 

Edição: João Paulo Soares