Paraná

IMPERIALISMO

Crônica | Uma festa em homenagem aos gringos

"Porém, o que mais chamou a atenção foram as fotos de uma festa organizada em homenagem aos Estados Unidos"

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
A família de meus antigos vizinhos cultuava, na verdade, uma ideia inexistente e impossível de país
A família de meus antigos vizinhos cultuava, na verdade, uma ideia inexistente e impossível de país - Kevin Lamarque / Reuters

Há algum tempo, resolvi conferir nas redes por onde andava um grupo de amigos da infância. Na linguagem de hoje, o chamado stalkear, impulsionado por algum sentimento de nostalgia, ou algo assim. Era uma família grande, de vários irmãos, que vivia ao lado de casa, num conjunto de classe média, no bairro do São Brás, em Curitiba.

Fiquei assustado. Com certo sentimento, entre o trágico e a vergonha alheia. De alguma maneira, não apenas pelo fato de eu ter verificado que eles participaram dos atos pelo golpe de 2016 contra a presidenta Dilma -- com o semblante feliz de quem era inocente útil de mais uma revolução colorida.

Porém, o que mais chamou a atenção foram as fotos de uma festa organizada em homenagem aos Estados Unidos. Amigas de infância, primos conhecidos de amigos, todos estavam ali sorridentes. Pasmem, vestidos de Capitão América, de azul, vermelho e branco. Antes mesmo do bolsonarismo chegar ao governo, divertiam-se numa festa com exaltação à bandeira americana e, claro, com pilhas de hambúrgueres servidos aos presentes.

Não tenho nada contra apreciar algum aspecto da cultura estadunidense (americanos somos todos nós, lembremos sempre). Polo mais avançado do capitalismo mundial, inevitável também ter produzido coisas importantes no campo cultural, ao mesmo tempo, é fato, em que também produziu guerras e invasões no norte da África, América Latina e Oriente Médio.

Ok, admito, eu mesmo amo Bob Dylan, rock, jazz e blues, minha poeta preferida é uma estadunidense do século 18, Emily Dickinson, e acho a prosa do século vinte insuperável com Hemingway, Steinbeck, Philip Roth, Paul Auster, Jim Lewis, Kerouac, entre tantos outros grandes autores.

Mas o que a família de meus antigos vizinhos cultuava na verdade era uma ideia inexistente e impossível de país. E era também uma espécie de ideia-força para justificar seu desprezo ao nosso próprio território e à nossa gente. Não é difícil imaginar os diálogos que deram vida para aquela festança: nos EUA não há corrupção, o Brasil não dá certo, nos EUA não há estado nem impostos, lá se defende a democracia e a liberdade, e essa série de clichês que aprendemos, impulsionados pela elite nacional e consumidos por outras classes sociais.

Na década de 90, quando nos criamos, esse discurso era fortíssimo. E é justamente o que, de forma trágica e cômica, Bozo e seus filhos e o Astrólogo de Carvalho tentam reavivar. Uma política e concepção de país subalterna, importadora e sem indústria nacional, sem tecnologia própria, no sonho de que toda a América fosse de fato uma Cuba, cassino dos EUA nos anos anteriores a 1959.

Mas é ao menos um discurso que desmorona agora, no olhar assustado dos yuppies Moro e Deltan, que justificaram a operação Lava Jato com muitas dessas premissas e agora mostram o quanto foram hipócritas. A mais recente denúncia revela justamente a corrupção e o projeto de lucro pessoal detrás de Deltan e Moro. Na próxima denúncia do The Intercept, só falta agora descobrirmos que a dupla dinâmica da perseguição política, assim como meus vizinhos, estavam dançando em alguma festa em homenagem aos gringos.

Edição: Frédi Vasconcellos