Hip-Hop

Em Natal, batalhas de rap retratam o cotidiano das periferias por meio da arte de rua

Protagonizada por jovens estudantes e trabalhadores, a cena urbana ainda carece de incentivos e enfrenta preconceitos

Brasil de Fato | Natal (RN) |
Juventude se mobiliza em diferentes pontos da cidade em torno da cultura Hip Hop
Juventude se mobiliza em diferentes pontos da cidade em torno da cultura Hip Hop - Batalha da Esperança / Divulgação

A cultura hip-hop, em que está inserido o rap, relaciona-se a fatores econômicos, sociopolíticos e culturais da sociedade norte-americana dos anos 1970. No Brasil, essa manifestação cultural surge em meados da década de 1980, em São Paulo, na estação São Bento, de onde saíram nomes precursores da cena nacional.
Em Natal (RN), a situação não é tão diferente. Veterano da cena urbana natalense, Kleiton Morais, mais conhecido como “Poeta”, afirma que a origem das batalhas de rap no RN foi espontânea, e, por isso, é difícil dizer como de fato começou. “Quando comecei a rimar em meados de 2006, esses eventos eram constantes manifestações da população periférica contra o poder vigente. As batalhas de freestyle, como costumávamos chamar, eram espontâneas”, conta. 
Atualmente, existem batalhas do rap em todas as zonas de Natal. Esses espaços têm funcionado para reunir a juventude, disposta a se expressar sobre assuntos, que vão desde brincadeiras e temas cotidianos a elementos da política, direitos e a realidade das periferias da cidade. 
Dentre as referências que inspiram o movimento, os participantes citam Racionais Mc's, Sabotagem, Emicida, Yung Buda, Djonga, o norte-americano Russ e os rappers DK e Lord, conhecidos como ADL MC’s.
O MC New, 19,  conta que conheceu o movimento através da internet e, hoje, participa de três batalhas na cidade. Ele explica que MC é um acrônimo para "Mestre de Cerimônias", como são chamados os praticantes de rap. Ainda segundo New, o rap é um dos quatro elementos que compõem o movimento hip-hop. Os outros três são o grafite, o break e o disco-jóquei (popularmente conhecido pela sigla DJ). 
As batalhas funcionam da seguinte maneira: dois MC's batalham entre si em dois “rounds”, como são chamados os combates. No final de cada round, ocorre uma votação da plateia – ou, se for o caso, dos jurados – para decidir quem “levou” o turno e ganhou a disputa. Caso haja um empate, pode ocorrer um terceiro round para decidir o vencedor.
Para participar, basta ter disposição de começar. A maioria das batalhas não cobra inscrição, basta entrar em contato com a equipe de organização, no dia da disputa, e informar o nome e o MC que escolhe enfrentar.
Desafios
Para Yara Costa, 23, militante do movimento estudantil e MC, a cidade do Natal ainda não dá valor a sua arte de rua. “É preciso reconhecer a cultura hip-hop enquanto movimento e não como um espaço de marginais”, protesta. Ela reclama que o poder público não apresenta incentivos para essa forma de cultura popular e, sequer, garante a estrutura mínima para as realizações das batalhas, como iluminação pública. 
Yara relembra, inclusive, que já aconteceram casos em que forças policiais interromperam as atividades, situação que ela vê como um reflexo da criminalização sofrida pelo movimento, sobretudo por se tratar de uma expressão artística própria dos jovens da periferia.
Como forma de melhor estruturar a cena potiguar, foi criada a Cooperativa das Batalhas do RN – núcleo formado por MC’s, organizadores e apoiadores do movimento hip-hop do estado – organização que vem trabalhando no objetivo de aumentar o alcance do movimento.
O assistente administrativo e integrante da Cooperativa, Daniel Victor, 21, mais conhecido como DZ6, explica que a ideia surgiu a partir de uma necessidade de chamar mais atenção e, de alguma forma, incentivar os MC’s do estado: “ajudá-los no que precisassem para ir ao Duelo de MC's Nacional e sempre tentando fazer as batalhas acontecerem de uma forma mais democrática e que ninguém fosse sobrecarregado”, frisa.
Arte e política
Para o estudante Huorge, 23, se tornar um MC é uma forma de protesto, porque permite o desenvolvimento de um olhar mais crítico sobre a sociedade. Ele é um dos organizadores da batalha do Coliseu, que acontece na UFRN, e defende que o rap esteja mais politizado e não reproduza, em seu discurso, formas de opressão social. “Na batalha do Coliseu, eu bato na tecla sempre de fazer batalhas que não tenham discurso de ódio, homofobia, racismo ou machismo”, explica. Para ele, a batalha de rap é um processo de troca de conhecimentos e ideologias. 
“Já fizemos uma batalha temática sobre consciência negra, abordando temas que a plateia foi citando. Dentro da batalha do Coliseu, percebemos uma constante evolução, se aprofundando mais em assuntos como política, o que se torna gritante no cenário brasileiro atual”, avalia Huorge.
O veterano Poeta se diz preocupado com alguns novos rimadores. Ele fala sobre a existência de grupos que prezam mais sobre a qualidade estética do que sobre as implicações das rimas no cotidiano do público, que é formado por uma juventude periférica, e que “já alvejada pela realidade de suas comunidades, passa pelo risco de se deslumbrar por músicas de conteúdo questionável”. 
“Logicamente há um leque vasto de rimadores que equilibram estética e ética com mensagens que enriqueçam mentes, aumentem a autoestima e fazem a juventude da periferia vislumbrar um futuro e infinitas possibilidades. Pois, no fim das contas, isto que é o Rap: a capacidade de sonhar na batida da realidade”, conclui.

Batalhas de Rap em Natal:
Segunda-feira: Batalha da Cívica (Petrópolis)
Terça-feira: Batalha do Coliseu (UFRN)
Quarta-feira: Batalha do 69 (Santa Catarina/Potengi)
Quinta-feira: Batalha da Esperança (Cidade da Esperança)
Sexta-feira: Batalha do DED (Candelária) e Batalha do Transtorno (Parque dos Coqueiros)
Sábado: Batalha do Vinho (Área de Lazer do Gramoré/Zona Norte) e Batalha do C4 (Estacionamento do Carrefour/Zona Sul

Edição: Kennet Anderson