Amapá

Indígenas criticam conduta da PF em caso que apura ataque em território waiãpi

Lideranças relatam que agentes não teriam feito busca detalhada para localizar invasores

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Lideranças indígenas que acompanham os desdobramentos do ataque sofrido por moradores da Terra Indígena Waiãpi (TIW), no Amapá, na semana passada, estão em estado de alerta diante das investigações. Eles se queixam da conduta da Polícia Federal (PF), que abriu inquérito no último domingo (28) para apurar os fatos. Na terça (30), em nota divulgada à imprensa, o órgão afirmou que não localizou, durante as diligências, “invasores ou vestígios da presença de não índios nos locais apontados pelos denunciantes”.

A presença dos agentes da PF na área se deu após contato feito por indígenas, que acionaram também a Funai durante o último final de semana para denunciar a presença de homens armados vistos pela comunidade em pontos do território na sexta (26).  

Em um memorando produzido no sábado (27), representantes regionais da Funai oficiaram a presidência e outros departamentos do órgão para informar sobre a morte do cacique Emyra Wãiapi, de 68 anos, cujo corpo havia sido encontrado pela comunidade na terça (23). No documento, os agentes da Funai fizeram referência à presença de não indígenas no local.

“Com base nas informações coletadas pela equipe em campo, podemos concluir que a presença de invasores é real e que o clima de tensão e exaltação na região é alto”, aponta a correspondência.     

Na nota oficial publicada, a PF afirmou que “policiais federais percorreram uma grande área, realizando vistoria em conjunto com os policiais da COE/PM/AP [Companhia de Comandos e Operações Especiais da PM do estado], que são referência no estado em rastreamento e combate em áreas de mata, e nada foi encontrado”. O caso continua sob investigação do órgão por meio de um inquérito policial que investiga a morte do cacique e a suspeita de invasão.  

A versão da PF é contestada pelas comunidades locais, segundo as quais as diligências não teriam contado com uma busca detalhada na mata do território. É o que afirma também Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileria (Coiab), que acompanha o caso.

“Eles não acharam vestígios de invasão porque não foram fazer uma investigação séria, com responsabilidade. Foram fazer uma andança só lá na aldeia, e os homens não estão aparecendo nas aldeias, e sim em regiões de igarapés, aonde a Polícia Federal e o Exército não foram”, aponta o líder.

O discurso da PF também foi encampado pelo Ministério Público Federal (MPF), que investiga o caso por meio de dois inquéritos. Em coletiva de imprensa na última segunda (29), o procurador da República Rodolfo Lopes antecipou a manifestação da PF, que ainda não havia se pronunciado oficialmente sobre o caso, afirmando que não teriam sido encontrados indícios de garimpo nem da presença de não indígenas.  

“Nessa área, não há registro de conflito. Não há resquícios de pegadas, marcas de fogueira ou restos deixados”, acrescentou Lopes, num discurso que foi recebido com preocupação pelas comunidades. Como resultado, nesta sexta (2), indígenas e entidades da sociedade civil organizaram um protesto em frente à sede do MPF em Macapá (AP).

“É [para] reforçar a importância de fazer uma investigação um pouco mais aprofundada, detalhada e que busque, de fato, os verdadeiros indícios relacionados à invasão, porque os indígenas estão relatando quase que diariamente que veem invasores. A gente está junto com o Ministério Público, mas que ele cumpra o seu papel de intermediador nesse processo e que cobre dos órgãos de responsabilidade, da segurança pública pra fazerem essa investigação com mais profundidade e seriedade”, afirmou Kleber Karipuna.

Por estar vinculada ao Ministério da Justiça, a Polícia Federal está sob a batuta de Sérgio Moro. O caso dos waiãpi vem sendo acompanhado por diferentes atores, entre eles o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Em entrevista ao Brasil de Fato, o parlamentar criticou a conduta do governo no caso.

“Eu tenho que acreditar em alguma instituição e não acredito na conduta por parte do Poder Executivo. Se eu não acreditar que pelo menos o MPF vai ter uma conduta mais isenta e cumprir o seu papel institucional de apoio ao povo indígena, não restará mais ninguém. Eu tenho esperança de que eles [procuradores] possam dar uma condução de esclarecimento dos fatos”, acrescentou.

Comunidade

Diante da continuidade dos relatos de moradores do TIW sobre a presença de invasores na área ao longo desta semana, os integrantes do território têm cobrado, em diferentes notas públicas, a presença permanente de agentes da PF no local para garantir a seguranças dos indígenas.

O último documento, assinado pelo Conselho das Aldeias Wajãpi-Apina na quinta (1º), narra também as dificuldades que os indígenas têm tido diante do caso. A TIW tem 47 aldeias e reúne cerca de 1.300 pessoas.   

“Quando amanheceu no dia 27 de julho, nossos parentes abandonaram a aldeia Yvytõtõ e foram para a aldeia Kanikani para se juntar com outras famílias. Até agora, algumas comunidades da região do Mariry estão deixando suas aldeias para se juntar com outras para se protegerem e as mulheres estão com medo de ir para as roças. Nossos guerreiros estão fazendo equipes para buscar rastros dos invasores e por isso não estão saindo para caçar. Isso está prejudicando muito a nossa vida”, relata o Conselho.

O Brasil de Fato tentou ouvir a Polícia Federal, mas o órgão informou que não iria se manifestar. A reportagem também procurou o MPF no Amapá para tratar do protesto desta sexta-feira, mas a assessoria de imprensa da instituição não atendeu as ligações. Já a Funai informou apenas que continua acompanhando o caso.

Edição: Rafael Tatemoto