Amazônia

Feira expõe diversidade cultural dos povos do médio Xingu

Evento reuniu produção artesanal de 11 etnias; com trabalhos feitos predominantemente por mulheres indígenas

Brasil de Fato | Altamira (PA) |

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"A gente ama o que faz, mas recebe pouco por isso", afirma a xicrin Lucivânia
"A gente ama o que faz, mas recebe pouco por isso", afirma a xicrin Lucivânia - Fotos: Catarina Barbosa

Cerca de 5 mil pessoas passaram pela Concha Acústica da Orla de Altamira, sudeste do Pará, no último fim de semana. No local, aconteceu a terceira edição da Feira dos Povos do Médio Xingu. O evento, realizado a cada dois anos, reuniu diversas etnias indígenas, além de ribeirinhos e moradores das reservas extrativistas do Iriri, do Riozinho do Anfrisio e do Rio Xingu.

Estiveram presentes representantes de 11 terras indígenas: Xipaya; Kuruaya; Cachoeira Seca Arara; Kararaô; Arara da Volta Grande; Paquiçamba; Koatinemo; Apyterawa; Arawaté - Igarapé Ipixuna; e Trincheira Bacajá; além de uma área indígena Juruna do KM17

O espaço abrigou uma amostra da variedade cultural de todos estes povos. De bancos de madeira com grafismos indígenas a redes, cestos, colares, brincos e tipoias – suporte de pano para que a mãe se locomova com o filho preso ao corpo.

xxxxxxxxxOs bancos de madeira com grafismos. Foto: Catarina Barbosa.

“É uma maneira de mostrar o nosso grafismo, a nossa pintura. Isso tem uma grande importância para todos nós que vivemos lá [na aldeia]. É parte da nossa vida, é parte da nossa cultura”, resumiu Laurilea Juruna, de 33 anos, da Aldeia Muratu, terra indígena Paquiçamba.

A juruna conta que, entre os principais problemas enfrentados por seu povo estão a caça e a pesca ilegais, a grilagem de terras e a paralisação das homologações. As últimas homologações de terras indígenas que perduram são de maio de 2016, ainda no governo Dilma Rousseff (PT). 

Das duas terras indígenas homologadas no governo Michel Temer (MDB) uma foi suspensa e a outra foi atingida pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) devido a uma ação contra os indígenas que foi movida por produtores locais e pecuaristas. Dessa forma, em 14 de dezembro, o juiz federal Leão Aparecido Alves, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, suspendeu em decisão liminar a demarcação.

A situação em relação aos impactos da Usina de Belo Monte também piorou nos últimos anos, primeiro com o impeachment de Dilma e, agora, com o governo Bolsonaro (PSL).

“Antes de implantar [a usina] era tudo mais fácil. Quando eles estavam construindo era mais fácil até mesmo de conversar com eles. Hoje em dia é muito mais difícil. Agora, com esse novo governo, se tornou mais difícil ainda”, lamenta.

Mas ela garante: “Nós indígenas somos mais conhecidos por sermos guerreiros. Então, nós jamais vamos deixar de lutar”.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxArtesã desenha motivos indígenas em braço de frequentador da Feira. Foto: Catarina Barbosa

O intercâmbio cultural

Para Renata de Melo Valente, funcionária da Fundação Nacional do Índio (Funai) que atuou na realização do evento, a Feira é uma grande promotora de intercâmbio entre os povos indígenas que vive nas reservas e a população mestiça local.

“Eles têm uma rica diversidade cultural e nossa intenção com a Feira é justamente essa: trazer isso para a cidade, para que a população urbana também tenha conhecimento dessa riqueza, com informações sobre essas áreas. Não é só chegar, olhar e comprar o artesanato. A intenção objetiva é que haja esse conhecimento”.

Essa mistura de povos foi estampada em uma exposição fotográfica que contava com registro de moradores de Altamira.

Xinguzinho e as crianças indígenas

Para participar da feira ou até mesmo nas atividades cotidianas, as mulheres indígenas andam com seus filhos próximos. Por isso a Funai preparou um espaço intitulado "Xinguzinho", onde crianças, em geral menores de quatro anos, podem pintar e depois expor suas obras enquanto as mães atuam na venda dos produtos.

Nas aldeias, o artesanato é desenvolvido principalmente pelas mulheres.

"Elas vêm para cá e é da cultura delas trazer os filhos, que são filhos de colo. Então elas vêm acompanhadas, vem a família inteira. E a ideia é justamente essa: os voluntários ficam ali, responsáveis por desenvolver atividades lúdicas, normalmente relacionadas com pintura e desenho. E no final eles expõe isso”, explica a integrante da Funai.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxCrianças desenvolvem pinturas no espaço Xinguzinho. Foto: Catarina Barbosa

Renata afirma ainda que fora da realização de eventos, escoar a produção indígena é algo ainda complexo.

“Existem algumas terras indígenas que já estão um pouco mais organizadas através de suas associações. Mas ainda está caminhando. Muitas vezes a comercialização acontece quando eles vêm à cidade. Alguns já têm contato com outras instituições e empresas. O que a gente busca é essa valorização, a feira também tem esse caráter de fazer com que a população conheça [a produção das aldeias]”, afirma.

Preços

Uma das questões relativa à valorização do artesanato indígena é disparidade de preços entre o local de produção e os pontos de revenda nos grandes centros urbanos

“A gente recebe pouco benefício do governo e aqueles que às vezes se aproximam da gente é para se aproveitar, se aproveitar do nosso trabalho. Se você observar os nossos produtos estão sendo vendidos e comercializados baratos. Para fora é que eles têm um valor. Você viaja pra fora e nossos produtos são caros, aqui muitas vezes não paga nem a mão de obra", conta a xikrin Lucivânia da Silva Oliveira, que vendia brincos feitos com miçangas, sementes e penas de araras.

Segundo ela, a confecção de cada peça leva de dois a cinco dias. Moradora da Aldeia Patacu, na terra indígena Trincheira Bacajá, Lucivânia levou mais de 15 horas para chegar ao local do evento, tendo que pernoitar em aldeias vizinhas e fazer deslocamento por rio e estrada.

“A gente ama o que faz. A gente vive disso e não consegue viver sem a pintura, sem os nossos produtos, porque a gente ama a natureza, ama tudo. O nosso medo é de tirarem isso da gente. Eu tenho orgulho de ser indígena. Se fosse pra eu nascer de novo, eu nasceria indígena”, fala.

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Tenda com trabalhos da etnia Parakanã. Foto: Catarina Barbosa.

Wenatoa, da aldeia Pitereo, etnia Parakanã compartilha o mesmo sentimento. Ela aprendeu artesanato com a mãe, como quase todos na aldeia - onde residem apenas 23 famílias. A redução se deu em função dos impactos da hidrelétrica. "Com esse crescimento de Belo Monte, as pessoas foram se dividindo. Ficaram poucos", resume.

Para ela, produzir artesanato e perpetuar a cultura indígena é motivo grande alegria.

“Não é uma máquina que faz pra gente. É a nossa mão que faz. É a nossa sabedoria, o nosso saber. A gente faz com todo o carinho e amor para mostrar o que a gente tem”, finaliza.

Edição: João Paulo Soares