Coluna

40 anos da Lei de Anistia e as continuidades do autoritarismo

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Famílias de mortos e desaparecidos pedem anistia para presos políticos
Famílias de mortos e desaparecidos pedem anistia para presos políticos - Arquivo
os crimes da ditadura continuam a manter sua atualidade, bem como sua impunidade

Por Pádua Fernandes*
 

Em 28 de agosto de 1979, a lei no 6683, a chamada Lei de Anistia, foi sancionada pelo General Figueiredo. Seu projeto nasceu de uma reação da ditadura militar à crescente mobilização social pela anistia dos presos políticos, pelo retorno dos exilados e a responsabilização dos agentes da repressão. O governo impôs ao Congresso Nacional uma norma que deixava de fora a maior parte dos atingidos pelas medidas de repressão e buscou, de forma envergonhada, estender os efeitos da anistia aos carrascos e torturadores com a expressão “crimes conexos”.

Quatro décadas depois, com iniciativa do movimento dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, ocorrerá o “Seminário Internacional 40 anos da Anistia e o legado das ditaduras na América Latina” no Centro Universitário Maria Antônia, de 26 a 28 de agosto, em São Paulo, organizado pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp) e o Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado (IEVE).

O momento pede este tipo de reflexão, pois o atual governo federal, com sua recuperação simbólica e prática da ditadura militar, tem atacado as poucas medidas e instituições de direito à memória e verdade e de justiça de transição. A nova Comissão de Anistia tem indeferido todos os pedidos, salvo quando tem que cumprir determinação judicial. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMDP) foi também atingida, tendo perdido sua presidenta, Eugênia Augusta Gonzaga, e mais três de seus membros, trocados por militares e integrantes do partido de Jair Bolsonaro, que havia enxovalhado a memória do desaparecido político Fernando Santa Cruz de Oliveira depois de a Comissão ter certificado que ele foi vítima da ditadura.

Neste contexto, os crimes da ditadura continuam a manter sua atualidade, bem como sua impunidade, como chacinas, torturas, desaparecimentos forçados e o genocídio dos povos indígenas.

Com coordenação de Ana Maria Camargo (USP), Janaína Teles (IEA-USP), Edson Teles (Unifesp) e Pádua Fernandes (IPDMS), o Seminário surge como uma reação ao contexto de ataque frontal do Estado brasileiro às instituições democráticas, bem como à memória social.

Ele tratará da memória, do trauma e legado das ditaduras no Cone Sul e das disputas por essa memória na América Latina. No tocante ao Brasil, haverá um balanço dos 40 anos da Lei de Anistia e uma análise do conflito entre as decisões do Supremo Tribunal Federal (favoráveis aos agentes da repressão, condizentes com o histórico pró-tortura do Judiciário brasileiro) e as do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que vedam a autoanistia dos regimes autoritários, bem como a comparação com tribunais de outros Estados do Cone Sul.

Outras pendências da redemocratização serão abordadas, como os “não sujeitos da anistia”, os grupos sociais que não foram incluídos na lei de 1979; a Vala de Perus, local em São Paulo onde foram clandestinamente enterradas cerca de mil e quinhentas ossadas anônimas, entre elas as de desaparecidos políticos, cuja identificação ainda não terminou, e que talvez seja suspensa com a intervenção de Bolsonaro na CEMDP; os atuais ataques ao direito à memória e à verdade no Brasil.

No evento, haverá ainda uma mesa com homenagem a Inês Etienne Romeu, a única sobrevivente Casa da Morte de Petrópolis, que foi um dos centros de tortura e execução extrajudicial da ditadura, bem como uma exposição de fotos e documentos da época, escolhidos pela Equipe do Arquivo Público do Estado de São Paulo, por este autor e Joana Brasileiro.

Este Seminário, um exemplo de esforço conjunto de militantes, movimentos e da academia, procurará, portanto, entender a relação das graves violações de direito humano cometidas durante a ditadura militar com as continuidades autoritárias do presente, que hoje ameaçam a democracia e os movimentos sociais.

*Pádua Fernandes é doutor em Direito pela USP e membro do GT Direito, Memória e Justiça de Transição do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).

Edição: João Paulo Soares