violência no campo

Caso Dezinho: condenação de latifundiário não encerra luta de familiares por justiça

Fazendeiro foi condenado pelo assassinato de sindicalista no Pará, mas segue em liberdade até que se esgotem os recursos

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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Viúva do sindicalista abraça o promotor Franklin Lobato Prado após a sentença
Viúva do sindicalista abraça o promotor Franklin Lobato Prado após a sentença - Catarina Barbosa

Décio José Barroso Nunes, um dos maiores fazendeiros do Sudeste do Pará, foi condenado nesta quarta-feira (14) a cumprir 12 anos de prisão em regime fechado pela morte do sindicalista José Dutra da Costa, conhecido como Dezinho, no dia 21 de novembro de 2000, em Rondon do Pará, a 500 quilômetros da capital paraense. O fazendeiro, considerado o mandante do crime, segue em liberdade até o esgotamento dos recursos.

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Relatos de testemunhas indicam que o sindicalista foi morto por denunciar grilagem de terras, desmatamento e trabalho escravo na região.

A sentença foi proferida pela juíza Ângela Alice Alves Tuma às 16h30 no Fórum Criminal de Belém, bairro da Cidade Velha, após 18 horas de apresentações de provas e debates entre defesa e acusação. A defesa do réu garantiu que, "no tempo da lei", irá recorrer novamente da sentença.

O julgamento do fazendeiro foi marcado por tensões. Na última terça (13), o advogado dele, Antônio Freitas Leite, chegou a intimidar a viúva da vítima, que hoje preside o Sindicado de Produtores Rurais de Rondon do Pará, Maria Joel Dias da Costa, conhecida como Joelma. O magistrado chamou a sindicalista de mentirosa no plenário. Depois, pediu desculpas.

Nesta quarta, o advogado dedicou-se a tentar criminalização o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), chamando seus integrantes de invasores. "Só quem fala que o fazendeiro não é um cidadão de bem são militantes do MST de Rondon do Pará", disse.

Em sua declaração final, Leite pediu que os integrantes do júri emitissem a sentença sem se sentirem pressionados a repetir a condenação feita pelo júri anterior, em 2014. Na ocasião, a sentença acabou anulada porque a juíza entendeu que o júri não seguiu as provas dos autos para tomar sua decisão.

 

Filho da vítima diz que morosidade da justiça favorece a impunidade. (Foto: Catarina Barbosa)

Para o filho do sindicalista, Joelson Dias da Costa, de 35 anos, "finalmente a justiça foi feita, mesmo que ela tenha demorado a chegar".

“A gente já esperava há muito tempo que houvesse justiça. É uma pena que tenha demorado tanto tempo, porque a justiça muitas vezes é muito lenta e, por isso, prevalece a impunidade”, analisa.

“Clamando por justiça há 19 anos”

 

Joelma Pereira afirma que trabalhadores rurais vão continuar lutando por seus direitos. (Foto: Catarina Barbosa)

Para a filha do sindicalista, Joelma Costa Pereira, de 36 anos, a pena foi pequena diante do dano que o fazendeiro causou para a família. Entretanto, ela diz que "o que mais dói é saber que, apesar de condenado, o fazendeiro continuará em liberdade".

Desde o crime, Nunes ficou preso por 13 dias, quando teve a prisão preventiva decretada pelo juiz da Comarca de Rondon do Pará. Ele foi solto em seguida, por uma decisão em segunda instância. Desde então, responde ao processo em liberdade.

“Nós, enquanto família, vamos continuar presos, sofrendo ameaças e acho que agora vai se intensificar. E a luta continua. Vamos continuar lutando pelo direito dos trabalhadores”, disse a filha.

Em liberdade

O promotor de justiça Franklin Lobato Prado pediu, antes que a sentença fosse lida, que o réu saísse do júri com a prisão cautelar decretada, sob alegação de ameaça de testemunhas. A promotoria também argumentou que o réu durante 18 anos respondeu ao processo em liberdade e já havia sido condenado em um júri anterior. Porém, o requerimento foi indeferido pela juíza Ângela Alice Alves Tuma. O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) declarou em seguida que recorrerá da decisão.

"O nosso entendimento é que, uma vez condenado, nesse caso condenado pela segunda vez pelo tribunal do júri, há necessidade de cumprimento dessa sentença que o condenou a 12 anos de prisão em regime fechado. Então, por que não decretar logo essa prisão, para que ele cumpra a pena?”, questiona Prado. “Como a gente entende que ele está ameaçando duas testemunhas que estão em situação de perigo, nós vamos fazer de tudo para que ele cumpra essa pena. Afinal, já fazem quase 20 anos que estamos tentando combater essa impunidade”.

Julgamentos, condenações e absolvições

Décio José Barroso Nunes é o quarto réu julgado no crime do sindicalista. Em 2013, dois acusados de envolvimento no crime foram julgados e absolvidos: o fazendeiro Lourival de Souza Costa e o capataz dele, Domício Souza Neto, ex-funcionário de Lourival. O pistoleiro Wellington de Jesus da Silva, autor dos três disparos que mataram o sindicalista, foi condenado a 27 anos de prisão em regime fechado em 2006, mas fugiu em saída temporária no feriado de Natal. Ele está foragido.

No julgamento de 2014, Nunes chegou a ser condenado a 12 anos de prisão, mas recorreu e teve o júri anulado.

Um novo júri marcado para 31 de outubro de 2018 foi suspenso, porque o promotor de justiça José Maria Gomes dos Santos, designado para atuar no caso, abandonou a tribuna por requerer a leitura do depoimento de uma testemunha que não estava presente.

Na última terça-feira (13), foram ouvidos cinco depoimentos, entre eles do delegado que atuou no caso, Valter Rezende; da viúva da vítima Maria Joel Dias da Costa; de Francisco Martins Filho, ex-funcionário do réu; de Cláudio Marinho; do ex-comandante da Polícia Militar de Rondon, Damião Rocha Lima; e do fazendeiro Alberto Nogueira. Os dois últimos foram levados pela defesa do acusado.

 


Sindicalista foi morto por denunciar grilagem de terra, desmatamento e trabalho escravo no sudeste do Pará. (Foto: Arquivo pessoal)

O caso e o conflito

Segundo dados divulgados em 2018 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Pará liderou o ranking nacional de 2017 com 21 pessoas assassinadas, seguido pelo estado de Rondônia, com 17, e pela Bahia, com 10 assassinatos.

No julgamento, ficou claro que o poder econômico do réu. O promotor ressaltou, inclusive, que os honorários gastos com o atual advogado chagaram a R$ 500 mil. Em contrapartida, Dezinho militava pelos direitos os produtores rurais de Rondon do Pará, submetidos a condições degradantes de trabalho e vítimas da grilagem de terras e do desmatamento.

Segundo testemunhas, no julgamento, o que acirrou o conflito entre Nunes e Dezinho foi a participação da vítima na ocupação da fazenda Tulipa Negra, junto ao MST.

Edição: Rodrigo Chagas