Rio Grande do Sul

MOBILIZAÇÃO

"O arrasto destruiu nosso litoral, muitos foram à falência", diz pescador gaúcho

Desabafo é de dono de barco pesqueiro, feito em ato público pela manutenção do limite à pesca de arrasto no RS, em Imbé

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Mobilização reuniu setor pesqueiro gaúcho em defesa da restrição aprovada em 2018
Mobilização reuniu setor pesqueiro gaúcho em defesa da restrição aprovada em 2018 - Foto: Ivan de Andrade

A mobilização gaúcha pela manutenção da Lei Estadual 15.223, que limita a pesca de arrasto a 12 milhas náuticas (22 Km) da Costa do Rio Grande do Sul teve seu ponto alto neste sábado (17), quando centenas de pessoas participaram de um ato público às margens do Rio Tramandaí, em Imbé. Entre manifestações de lideranças políticas e do setor pesqueiro, o desabafo de um pescador artesanal da região chamou a atenção.

O pescador Amauri Ezequiel de Souza herdou a profissão, que exerce há mais de 40 anos, do pai e passou para os filhos. Durante o ato público, ele afirmou que há dez anos havia aproximadamente 20 barcos pesqueiros na Barra do Rio Tramandaí. Segundo Amauri, atualmente apenas dois estão em operação: o dele, Daniel III, e o de um dos filhos.

Amauri tem 40 anos de profissão de pescador / Foto: Litoral na Rede 

“O arrasto destruiu o nosso Litoral. Muitos pescadores donos de barcos foram à falência. Aqui devia de ter uns 20 barcos, hoje só tem dois. Os donos faliram. De um ano pra cá, depois que essa medida (a Lei 15.223) foi tomada, melhorou, mas ainda não é suficiente. O peixe está vindo mais pra costa, o pescador está vivendo melhor. Está ganhando mais dinheiro”, afirmou o pescador.

Amauri destacou ainda que cada barco pesqueiro garante o sustento de sete a oito famílias do Litoral Gaúcho. Segundo ele, mesmo com a nova lei, que entrou em vigor em 2018, algumas embarcações de outros estados, especialmente de Santa Catarina, segue descumprindo o limite para a prática do arrasto devido à falta de fiscalização.

“Nós somos teimosos, nós só sabemos fazer isso, nós não sabemos fazer outra coisa. Se nós não pescarmos, nós vamos ter que trabalhar de servente ou morrer de fome. Por isso que nós estamos insistindo, insistindo, insistindo. Graças a Deus, de um ano pra cá, melhorou a nossa pescaria”, afirmou o pescador em entrevista à reportagem do Litoral na Rede.

Ato público reuniu lideranças de todo o Estado

Lideranças e centenas de pescadores estiveram presentes / Foto: Litoral na Rede 

A manifestação deste sábado em Imbé reuniu os prefeitos de Imbé, Pierre Emerim, de Tramandaí, Luiz Carlos Gauto, de Arroio do Sal, Affonso Angst (Bolão), e de Rio Grande, no Litoral Sul, Alexandre Lindenmeyer. Também participaram secretários de Pesca de diversas cidades gaúchas, deputados estaduais e federais, vereadores e representantes de Colônias de Pescadores e Fóruns da Pesca de diversas regiões do Estado.

Muitos pescadores viajaram durante toda madrugada do Litoral Sul para participar da mobilização no Litoral Norte. Cartazes, faixas e camisetas salientando a importância da legislação que limita a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul dominaram o cenário. A maioria trazia escrito #arrastonão.

O prefeito de Imbé, Pierre Emerim, afirmou que esta é uma mobilização de toda a sociedade, pensando não só no presente, mas também no futuro. “Esta é uma luta, uma causa que eu julgo como sendo não só dos pescadores, mas de toda a sociedade. O que nós estamos lutando é por mais peixe, mas também por uma pesca sustentável. Porque aqui o RS está dando exemplo para todo o país”, afirmou ao Litoral na Rede.

Ele garante que seguirá apoiando a articulação junto ao Governo Federal e ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o Partido Liberal (PL) ingressou com ação questionando a constitucionalidade da Lei 15.223. “Os resultados estão aí. Neste ano, tivemos a maior safra dos últimos 30 anos. A safra de tainha foi espetacular. O pescador não pode viver pescando pra comer. Ele tem que melhorar de vida”, defendeu Pierre Emerim.

O prefeito de Tramandaí, Luiz Carlos Gauto, defende a manutenção da lei para proteger os pescadores profissionais da região e o meio ambiente. “O nosso ecossistema está sendo vilipendiado há muitos anos. Os pescadores das grandes traineiras, das grandes embarcações, já ultrapassavam as três milhas, que até então era permitido, e ali faziam uma grande devassa em todos os nossos pescados e descartavam aquilo que não era de interesse da indústria”, disse Gauto ao Portal de Notícias.

Gauto salientou  ainda que a tentativa de derrubar a legislação gaúcha está ligada aos interesses das grandes empresas pesqueiras de Santa Catarina e lembrou que outros estados, como São Paulo e Pará, também possuem limites à pesca de arrasto.

“Eu tenho certeza que o governo do Estado e a nossa Assembleia Legislativa não vão ceder a essa pressão de Santa Catarina e do secretário nacional da Pesca (Jorge Seif Jr.), que tem o seu interesse, porque ele é de uma família de armadores e defende os interesses dos grandes armadores”, disse o prefeito de Tramandaí.

O prefeito de Arroio do Sal, Affonso Angst (Bolão), disse que o município tem aproximadamente 40 famílias que dependem da pesca artesanal e que está engajando na manutenção da restrição ao arrasto. “Estamos imbuídos nessa grande participação pública de todo o Litoral Norte. Podem contar com a gente, do município de Arroio do Sal”, garantiu ao lembrar que recentemente foi inaugurada na cidade uma agroindústria para beneficiamento de pescados.

Pescadores gaúchos seguem mobilizados

Mobilização aconteceu margens do Rio Tramandaí, em Imbé / Foto: Ivan de Andrade 

A mobilização do setor pesqueiro do Rio Grande do Sul contra a tentativa de derrubar o limite imposto à pesca de arrasto na costa do Estado será mantida. O presidente do Fórum da Pesca do Litoral Norte, Leandro Miranda, destacou que o ato deste sábado foi marcado por uma grande representação pluripartidária e pela pressão popular.

Ele destacou que mais de 20 entidades do setor pesqueiro estavam presentes. “A provocação foi feita pelo setor do Estado do Rio Grande do Sul, aqui representados pelas lideranças, pelas entidades, pelas federações. Movimentos que são legitimados dentro do processo da própria constituição da lei”, avaliou.

Leandro Miranda destacou que na próxima semana haverá reuniões da Frente Parlamentar da Pesca da Assembleia Legislativa e com a Federação da Associações dos Municípios (FAMURS) para tratar do assunto. Também informou que está sendo preparado um ato em Rio Grande, que deve contar com a participação das lideranças do Litoral Norte.

“Chegou o momento de trazer essa discussão de quanto é importante esta sustentabilidade da pesca, a subsistência e manutenção da atividade pesqueira do Rio Grande do Sul. (É preciso) caminhar em torno de subsistência e renda e o desenvolvimento de cada família”, defende o presidente do Fórum da Pesca do Litoral Norte.

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Entenda o impasse

No segundo semestre de 2018, entrou em vigor no Rio Grande do Sul a Lei 15.223, que entre outros regramentos, proibiu a pesca de arrasto a menos de 12 milhas náuticas da costa gaúcha. A indústria pesqueira catarinense, que adota esta modalidade, reagiu e procurou as autoridades gaúchas e o governo federal, alegando prejuízos econômicos, na tentativa de que a legislação fosse revogada.

O movimento provocou reação imediata do setor pesqueiro do Rio Grande do Sul, que foi recebido no mês de julho pelo governador Eduardo Leite, no Palácio Piratini. Nessa terça-feira (13), o senador Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, anunciou que impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar e lei que limita a pesca de arrasto no RS.

O secretário nacional da Pesca, Jorge Seif Jr, proprietário de barcos industriais no Estado vizinho, também se manifestou diversas vezes contra a legislação em vigor no Rio Grande do Sul. Uma delas durante uma transmissão ao vivo pelo Facebook junto com o presidente Jair Bolsonaro, que também questionou o limite imposto pelo RS ao arrasto.

Em sua mais recente manifestação sobre o assunto, na quinta-feira (15), após reunião de lideranças gaúchas com a presença da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em Brasília, o secretário mudou o tom.  Em outra transmissão ao vivo junto com o presidente Jair Bolsonaro, Seif disse que foi montando um grupo de trabalho e que em 45 dias será buscada uma solução pacífica para não prejudicar nem o pescador artesanal do Rio Grande do Sul, nem o pescador industrial do restante do Brasil que pesca na costa gaúcha.

“Fechamos um acordo de paz, porque amamos o Rio Grande do Sul, amamos o restante da Federação, não queremos briga e, junto com a FURG (Universidade Federal de Rio Grande), a FAO (Organização da Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e Secretaria de Pesca, vamos iniciar um trabalho", disse Seif. Bolsonaro não voltou a se manifestar.

Como já há uma ação de inconstitucionalidade contra a Lei 15.223 no STF, lideranças do Rio Grande do Sul planejam levar uma comitiva até Brasília para apresentar os argumentos favoráveis à limitação da pesca de arrasto ao ministro Celso de Mello, que é o relator do caso.

 

Edição: Litoral na Rede