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Artigo | Defender a produção de sal no RN é defender a soberania nacional

Governo Bolsonaro prioriza capital internacional e põe em risco a produção de sal potiguar

Brasil de Fato | Natal (RN) |
95% de toda a produção de sal do país sai do Rio Grande do Norte
95% de toda a produção de sal do país sai do Rio Grande do Norte - Reprodução YouTube

A prática de dumping pode ser definida como a venda de produtos a preços bastante inferiores à média do mercado. Mais frequente no comércio internacional, costuma ser usada para se livrar de produções excedentes ou mesmo para inviabilizar concorrências.
Em 2011, foi constatado que o preço do sal chileno exportado para o Brasil estava gerando consideráveis prejuízos à indústria local. Foram, assim, instituídas medidas que obrigaram os chilenos a elevar o preço final do produto. Uma ação antidumping, voltada à proteção da produção nacional contra investidas do capital estrangeiro.
A medida, iniciada no governo Dilma, durou até julho de 2018, quando foi suspensa por Temer. Em julho deste ano, Bolsonaro prorrogou a suspensão.
Em fevereiro, o Conselho Regional de Economia do RN (CORECON) lançou nota afirmando que a indústria salineira do estado estava perdendo a disputa comercial contra o sal importado do Chile. FIERN e SEBRAE se somaram ao CORECON na defesa dos produtores locais, identificando os danos que vinham sofrendo em virtude do baixo preço do sal chileno.
Para termos uma ideia da importância do sal para a economia do estado, 95% de toda a produção do país sai do Rio Grande do Norte. Dados divulgados pelo Sindicato da Indústria de Sal do RN em 2015 apontaram que mais de 500 mil toneladas partem todos os anos para países como Canadá, Estados Unidos, Polônia e Nigéria, fazendo com que Brasil seja o quinto maior produtor do mundo.
Proteger o sal local vai muito além da proteção dos interesses empresariais e imediatos da indústria salineira. O artigo 219 da Constituição Federal prevê que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a soberania tecnológica do país. Ampará-lo contra medidas desleais do mercado externo, portanto, diz respeito a uma questão de soberania.
As mencionadas suspensões da medida antidumping se fundamentaram numa suposta defesa do interesse público. Resta perguntar: seria mesmo público tal interesse? O artigo 3º, II e III da Constituição de 1988 elege como objetivos fundamentais da República a garantia do desenvolvimento regional, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades regionais. Os diagnósticos tanto do CORECON como do SEBRAE e da FIERN demonstram que as consequências da prorrogação vão exatamente em sentido oposto.
Assim, o favorecimento à indústria salineira chilena corresponde a uma escolha política que, ao invés de proteger o mercado interno, um patrimônio nacional, acaba por prestigiar o capital internacional, contribuindo diretamente para o aprofundamento das desigualdades regionais e da pobreza – em especial no Rio Grande do Norte, cuja economia se sustenta em grande parte no comércio e na produção de sal.
Não é a primeira vez que o governo Bolsonaro demonstra seu desprezo por qualquer coisa que se relacione com o tema da soberania nacional. Nesse sentido, o mandatário poderia se informar um pouco mais sobre a história do país para cuja bandeira, em um constrangedor ato de subserviência e viralatismo, já chegou a prestar continência ainda em 2017.
Na nota de cinquenta dólares está a imagem de Ulisses Grant, herói da Guerra da Secessão que veio a se tornar presidente dos Estados Unidos. Resistindo à pressão inglesa para que os EUA abrissem mão de políticas intervencionistas e abraçassem o livre comércio, ele afirmou: “daqui a duzentos anos, depois que a América tiver extraído da proteção tudo o que esta pode oferecer, ela também adotará o livre comércio”. O prazo expira em 2075.
Embora a tradição protecionista venha sendo mantida com entusiasmo por Trump, Bolsonaro prefere imitá-lo somente em sua verborragia tosca, petulante e estúpida, fazendo questão de expor, com orgulho, seu papel de vassalo inveterado do presidente dos EUA. Da América do Sul à América do Norte, a involução do Brasil ao status de república bananeira parece trazer benefícios comerciais a todos. Menos a nós.
*Gustavo Freire Barbosa é advogado e mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
 

Edição: Marcos Barbosa