Bahia

DESASSISTÊNCIA

Deslizamentos em Salvador e o descaso do Estado

Neste ano, entre as regiões atingidas estão Valéria, Pau da Lima, Subúrbio, Cajazeiras e Beiru.

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Deslizamentos não se tratam de acidentes, já que coincidem com períodos de chuva.
Deslizamentos não se tratam de acidentes, já que coincidem com períodos de chuva. - Anaíra Lobo

Na madrugada do dia 08 de julho, houve o desabamento de uma casa na comunidade da Gamboa, no Centro de Salvador, em decorrência de deslizamento de terra após forte chuva. A moradora Gleide Santos felizmente não estava no local naquele momento. A presidente da Associação da Gamboa, Ana Cristina Caminha, conta que, após o ocorrido, órgãos como Codesal e Conder visitaram o local, mas nenhuma intervenção foi feita para resolver efetivamente os problemas decorrentes do deslizamento. Além das casas do entorno, ameaçadas pelos escombros, uma cratera abriu-se nas proximidades do Forte São Paulo na Gamboa de Baixo. Ana relata que o deslizamento do caminho aconteceu por conta das obras de esgotamento sanitário malfeitas, o que já havia sido denunciado pelos moradores. “Estamos denunciando este descaso com as obras realizadas porque entendemos que isso é proposital. Nunca tivemos nada simplesmente pelo entendimento dos órgãos de que é um direito da comunidade, tudo é fruto de muita luta”, completa Ana. 
Reportados como acidentes naturais ou de responsabilidade da população, os deslizamentos e suas consequências insistem em acontecer, ano após ano, nos períodos de forte chuva em Salvador, afetando as áreas onde há maior ausência do Estado.  “Não é incrível que essa chuva que desabriga e mata escolha os mais pobres e em sua maioria os pretos? Os estudos que temos feito mostram que a temporada de deslizamentos de massa em Salvador coincide com o período mais chuvoso, o que certamente não corrobora com a versão de que são acidentes. São fenômenos altamente conhecidos da população e do poder público”, aponta Paulo César Zangalli, professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador sobre o tema da vulnerabilidade e deslizamentos em Salvador.
Somente no dia 29 de julho, de acordo com boletim da Defesa Civil de Salvador (Codesal), foram notificados 16 deslizamentos; entre os bairros e regiões atingidas estão Valéria, Pau da Lima, Subúrbio, Cajazeiras e Beiru. “Em Salvador, esses deslizamentos historicamente se localizam na falha geológica que divide a cidade alta e baixa e no que conhecemos como Miolo de Salvador. Verificamos que nas áreas com alto padrão de renda como o Corredor da Vitória, pouco ou nada sofrem com os problemas, mesmo localizando-se próximas à falha geológica com as mesmas características físicas que a Gamboa de Baixo, por exemplo”, explica o professor.
Em sua página oficial, a Codesal aponta que a ocupação urbana “de forma irregular e desordenada nas áreas de encostas” é o principal problema a ser enfrentado, e não a falta de assistência. Zangalli considera que a classificação de áreas de risco pode contribuir para a definição de ações e áreas prioritárias onde deverão ser investidos recursos a fim de impedir que essas comunidades continuem sofrendo os impactos dessa relação entre fenômenos naturais e produção desigual da cidade. “Se quisermos enfrentar o risco aos deslizamentos de massa em Salvador precisamos de políticas de habitação, de distribuição de renda, de combate ao racismo e de entendimento das características ambientais da cidade”, afirma. No entanto, o entendimento da prefeitura sobre a questão vai em outra direção. Em março deste ano, foi anunciado o investimento de R$70 milhões em ações com a finalidade de minimizar os efeitos das chuvas, como contenção de encostas, implantação de geomantas, macro e microdrenagem, investimento em tecnologia no sistema de alerta e alarme, entre outras. 
Para Apoena Ferreira, urbanista e assessora popular que atua junto a comunidades do Centro Antigo, a negação da garantia de uma permanência digna nesses territórios tem relação direta com a questão do racismo estrutural. “O processo de genocídio do povo negro empreendido pelo Estado brasileiro se reverbera de muitas formas e afeta todas as dimensões da vida humana. O descaso e negligência do Estado intensificam estratégias de consolidação desse processo que viola os direitos humanos à vida, à cidade e ao território”, enfatiza.

Edição: Elen Carvalho