Patrimônio

Com processos em aberto, destino do Hotel Reis Magos em Natal (RN) segue indefinido

Estrutura arquitetônica do prédio é reconhecida por especialistas como símbolo do movimento modernista 

Brasil de Fato | Natal (RN) |
Hotel está sob risco de demolição
Hotel está sob risco de demolição - Reprodução

Inaugurado em 1965, o Hotel Reis Magos foi responsável por impulsionar o turismo e o desenvolvimento econômico da região da Praia do Meio, mudando a realidade da capital potiguar. Reconhecido por especialistas como símbolo da arquitetura moderna e de um momento histórico vivido no cotidiano da cidade, o hotel foi adquirido em concorrência pública pela empresa Hotéis Pernambuco S/A, em 1977.  
Abandonado desde 1995, o grupo proprietário passou quase duas décadas alegando que se tratava de um fechamento provisório, chegando a dar entrada em duas reformas junto à Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal. Em 2013, foi anunciada a demolição do edifício, gerando reação imediata na sociedade civil, que se organizou em defesa da preservação do patrimônio histórico e cultural.
Como resposta, o Instituto de Amigos do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e da Cidadania (Iaphacc) iniciou três pedidos de tombamento, em processos administrativos junto ao município de Natal, ao estado e à União. Até o momento, todos os três processos se encontram em aberto e ainda não existe qualquer decisão final quanto à demolição ou ao tombamento da estrutura. 
Nos últimos dias, se tornaram públicos posicionamentos do Conselho Municipal de Turismo e do Conselho Municipal de Cultura, ambos favoráveis à demolição do imóvel. A decisão do Conselho de Cultura foi oposta à emitida em 2014, quando foi apresentado um parecer pelo tombamento total. 
De acordo com Luciano Falcão, advogado popular que acompanha o processo, após o parecer municipal favorável à preservação, a Secretaria Municipal de Cultura engavetou o processo até 2017, quando o então vereador Sandro Pimentel (Psol) retomou o caso. “Quando a gente provoca a restauração de um procedimento administrativo que tem por objeto o tombamento de um bem, quem analisa tem que verificar se esse requerimento é procedente e fundamentar. O objeto é o tombamento do hotel, não a demolição”, afirma.
Ainda segundo Luciano, em paralelo, existe um interesse dos donos do hotel na especulação imobiliária, que tem pressionado na Justiça pela demolição o edifício. “Quando teve a decisão do Conselho Municipal [de Cultura] arquivando o processo, entramos com um pedido de reconsideração, mas, ao invés de analisarem nosso requerimento, o conselho se reuniu e opinou pela demolição”, completa o advogado. 
Para Ricardo Tersuliano, presidente do Iaphacc, a decisão mostra que o Conselho Municipal de Cultura está “na contramão de suas atribuições e desrespeita órgãos, entidades e a sociedade no que fiz respeito à preservação do patrimônio histórico”. 
Estado e União
No âmbito estadual, quem tem acompanhado o pedido de tombamento é Marjorie Madruga, procuradora do Patrimônio e Defesa Ambiental do RN. De acordo com Marjorie, após a apresentação de estudos apresentados por especialistas em Arquitetura e História da UFRN, que atestam a relevância do Hotel e justificam sua preservação, a Procuradoria emitiu parecer favorável ao tombamento parcial do imóvel. “O tombamento parcial determina que seja preservada a parte estrutural do hotel, pela sua volumetria e pela sua fachada, porque isso é o que é representante da arquitetura modernista brasileira” afirma a procuradora.
Ainda segundo ela, com esse tombamento parcial, se busca conciliar dois interesses: o da preservação do patrimônio cultural e a viabilidade econômica para o proprietário. Ela também justifica que foi verificado o potencial construtivo da área e que o hotel ocupa apenas 20% do terreno de aproximadamente 9.500 m². “Ou seja, significa que ele ainda pode acrescer 60% de área construída hoje, pelas prescrições urbanísticas atuais. Então, todo o discurso de que não é possível fazer nada com o hotel, ele não procede”, reitera. 
Ela relembra, ainda, que pesquisadores da UFRN fizeram estudos com propostas de anexos que poderiam ser construídos. “Existe uma plasticidade muito grande no prédio, que dá para adaptar vários projetos, além de todo um espaço livre de construção”, reforça. O Conselho Estadual de Cultura do RN se posicionou favorável à demolição, no entanto, como esclarece a procuradora, trata-se de uma instância de caráter meramente opinativo, sem poder deliberativo.
Atualmente, o processo administrativo estadual aguarda parecer do poder estadual quanto ao tombamento. O secretário de Educação e Cultura do RN têm realizado reuniões com representantes da Universidade e movimentos sociais. O secretário irá remeter a discussão para o Conselho de Gerenciamento de Patrimônio. Após a decisão, ainda caberá recurso e o parecer final ficará a cargo da Governadora Fátima Bezerra. 
Na instância nacional, o processo tramita no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O Iphan RN fez um estudo aprofundado quanto à relevância do hotel, que foi encaminhado para o Iphan Brasília, onde se entendeu pelo arquivamento do processo, sem se posicionar quanto ao tombamento ou demolição. 
Diante dessa decisão, o Iaphacc apresentou recurso ao Iphan, mostrando incongruências dos fundamentos da decisão, e o Iphan reabriu o processo de tombamento e encaminhou para uma Câmara de Arquitetura e Urbanismo. Atualmente, o processo está parado nesta Câmara para apreciação. 
Processo judicial
Além dos três processos administrativos, há um processo de tombamento judicial no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5). A procuradora Marjorie Madruga explica que, embora existisse o tombamento provisório, o proprietário pediu a demolição, o que levou o Iaphacc e a Procuradoria a entrarem com um pedido de proteção judicial. Nesse processo, também foi pedido que fosse reconhecido o tombamento pela via judicial. 
“O que nós perdemos no TRF5, em maio deste ano, que foi divulgado como uma autorização para demolição, na verdade, em decisão divergente, foi que o TRF5 entendeu que o tombamento deveria ser administrativo, não judicial”, explica Marjorie. Ela ressalta, ainda, que o parecer adverte que a decisão de não tombar judicialmente não significa a autorização para demolição. 
Não são ruínas
Outra questão que a procuradora esclarece é que tem sido utilizado como fundamento para justificar a demolição o fato do hotel estar em ruínas. No entanto, Marjorie discorda desse argumento: “Ruína é um fragmento, é o que restou de alguma coisa. Esse é o conceito técnico de ruína. O hotel, você olhando visualmente, ele está deteriorado, mas está inteiro. As pessoas estão utilizando uma concepção meramente popular para caracterizar algo que, tecnicamente, não é uma ruína”. 
Arquitetura moderna
Outros edifícios brasileiros, como o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Pedregulho, localizado no Complexo Alemão, no Rio Janeiro, e o Edifício Copan, em São Paulo, são exemplos de construções que simbolizam o estilo arquitetônico moderno e que são reconhecidos como patrimônio tombado. “Já há uma tradição de tombamento da arquitetura moderna, o reconhecimento do Hotel Reis Magos não seria um ato inaugural”, frisa a procuradora. 
Marjorie cita, por exemplo, que o Pedregulho está sendo alvo de intensa visitação de turistas nacionais e internacionais, por seu valor arquitetônico. Ela acredita que o Hotel Reis Magos teria o mesmo potencial para o impulsionar o turismo em Natal, caso tivesse o reconhecimento devido. “[A recuperação do] Hotel Reis Magos poderia requalificar toda aquela região abandonada pelo poder público. Então, acho que seria importantíssima a preservação, também para o turismo”, defende.

Edição: Isadora Morena