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Fórum Patriótico do Haiti exige deposição imediata de Jovenel Moïse

Declaração de participantes de conferência nacional pede também o estabelecimento de um governo de transição

Brasil de Fato | São Paulo |

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Fórum Patriótico do Haiti reuniu mais de 250 participantes na Escola de Formação de Quadros Camponeses do Movimento Camponês de Papay
Fórum Patriótico do Haiti reuniu mais de 250 participantes na Escola de Formação de Quadros Camponeses do Movimento Camponês de Papay - MST

A deposição imediata do presidente haitiano Jovenel Moïse, que é apoiado pelo governo dos Estados Unidos e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma das resoluções que constam da Declaração de Papaye, documento aprovado durante o Fórum Patriótico do Haiti. O evento, que ocorreu de 27 a 31 de agosto na cidade de Papaye, no Haiti, analisou a atual crise política do país e debateu as estratégias necessárias para superá-la. Contou com a presença de 250 pessoas, entre integrantes de partidos políticos progressistas do país caribenho, organizações sociais e de direitos humanos, movimentos populares, feministas e camponeses.

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“Estabelecer um governo de transição, por um período de três anos, para fazer frente às urgências de fome, miséria e o desemprego que atingem mais de 80% da população, e reformar as instituições do Estado em função das necessidades da população” é outra das principais resoluções aprovadas pelos participantes do Fórum.

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Confira a seguir a Declaração de Papaye na íntegra:

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DECLARAÇÃO DE PAPAYE
Resoluções do Fórum Patriótico do Haiti


1. Introdução

De 27 a 31 de agosto de 2019, a partir de uma iniciativa da plataforma 4G Kontre, que agrupa as organizações camponesas MPNKP, Tèt Kole, KROSE e MPP, diversas organizações da sociedade civil, o movimento sindical, o movimento estudantil, organizações camponesas, de mulheres, de direitos humanos, operárias, de bairros populares e partidos políticos se reuniram no Centro Lakay, em Papaye, para discutir sobre os grandes problemas que afetam o país.

2. Considerações e problemas em nível internacional

Essa grande assembleia permitiu a cada ator analisar a realidade estrutural e conjuntural em nível internacional e nacional. 

As reflexões mostram que o sistema capitalista, no lugar de oferecer soluções duradouras aos danos que provoca ao planeta, não deixa de afundar a humanidade em desesperança. O capitalismo significa guerra e violência por todo lugar. Significa tomar todos os recursos naturais para si. Significa fome e miséria para as grandes maiorias, e desperdício de comida por parte de uns poucos privilegiados. O capitalismo é o responsável pela fuga em massa de jovens de seu país para tentar deixar para trás a seca, as inundações, o desemprego, a marginalidade e todo tipo de humilhações. Estas situações ampliam as diferenças sociais e geram desigualdade.

Hoje em dia, intelectuais e dirigentes apontam que o sistema capitalista debilita o país e bloqueia as possibilidades de que o Haiti conquiste sua autonomia, o convertendo em um destino de consumo para a comida de péssima qualidade que é produzida em nível internacional. Nesta sociedade se multiplicam as doenças que ameaçam a saúde da humanidade e a existência da vida sobre o planeta.

3. Considerações e problemas em nível nacional

Em nível nacional, acontece exatamente o mesmo. Nosso país é dependente, a democracia inexistente e a corrupção generalizada. A fraude eleitoral e a ingerência das grandes embaixadas nos impõem presidentes, governos incompetentes e parlamentos servis. O governo mercenário do PHTK é o único beneficiário da dominação imperialista. É esta casta política que, associada a todo tipo de bandidos e criminosos, rouba as riquezas do Haiti e semeia a morte.

Hoje em dia, para uma família haitiana se alimentar é quase um milagre. Deslocar-se de uma comunidade a outra é quase impossível pela ausência de infraestrutura de vias. O partido PHTK converteu o país em um inferno, como se vivêssemos em uma situação de guerra.

O Fórum Patriótico alerta para uma inflação que aumenta e que já chega a 19%, enquanto o crescimento econômico é de apenas 0,4%. Em troca, os grandes bancos e a burguesia comercial seguem obtendo imensos benefícios. A moeda nacional haitiana, o gourde, perdeu todo o seu valor. 

O Fórum Patriótico denuncia o mal-estar da população, sobretudo dos setores mais pobres e vulneráveis. Isso faz com que jovens, operários e operárias, profissionais, mães e pais de família se vejam obrigados a abandonar seus filhos e suas comunidades para migrar até a cidade. Outros acabam o fazendo em direção ao exterior, escapando da carestia da vida, da insegurança, da miséria, do desemprego, dos baixos salários da exploração e da exclusão.

A situação dos e das operárias que sofrem a exploração de seus patrões é inaceitável. Sobre esta base, o Fórum Patriótico se compromete não somente em denunciar esta situação, mas em reunir forças para enfrentar estes desequilíbrios criminosos.

Estas considerações globais, que estão unidas às reivindicações das forças populares, mostram com clareza que só a mobilização do povo haitiano contra o sistema colonial e contra o regime do PHTK poderá por fim a esta situação. É assim que, nos últimos anos, as mobilizações se tornaram cada vez mais massivas e intensas contra o governo do presidente Jovenel Moïse e seu método para conduzir o país. É evidente que seu único interesse é o das grandes potências estrangeiras. São estes os mesmos criminosos que apoiaram os fundos da Comissão Interministerial para a Reconstrução do Haiti (CIRH). Como se fosse pouco, este grupo de bandidos roubou fundos multimilionários do tesouro público que chegaram ao país no marco dos acordos da Petrocaribe.

Em resumo, o governo de Jovenel Moïse e de seus aliados carece da capacidade e da vontade para produzir mudanças reais no país e colocá-lo no caminho do desenvolvimento sustentável. O país carece de direção. O presidente não tem nenhuma legitimidade popular nem a possibilidade de garantir a soberania do país. A palavra do presidente nada significa para os diversos setores da sociedade que ainda que se mobilizam, são completamente ignorados. Jovenel Moïse ainda não compreendeu que a intensidade das mobilizações já sinaliza o fim de um ciclo. 

É por tudo isso que foi dito que, posicionados em uma difícil encruzilhada histórica, nós, representantes de organizações populares, movimentos sociais e partidos políticos participantes do "Fórum Patriótico por um Acordo Nacional Contra a Crise", tornamos público ao povo haitiano e ao mundo inteiro que decidimos firmemente colocar um freio à instabilidade e à crise sem fim. Evitaremos a dissolução de nossa nação e deixaremos para trás, para sempre, o subdesenvolvimento, a miséria e a divisão. Moradores da periferia, camponeses, operários, profissionais, estudantes, sindicatos, partidos e agrupamentos políticos faremos frente ao imperialismo e aos seus cúmplices locais até destruir este sistema de morte.

4. Resoluções

Frente a esta situação de miséria, fome, insegurança, desemprego, desesperança, corrupção e criminalidade que lesa o país, consideramos que este Fórum Patriótico é a oportunidade para unificar organizações e partidos políticos, ter consenso de uma visão sobre a situação do país e oferecer perspectivas de futuro à população para sair deste impasse em que nos encontramos.  Acreditamos que é mediante este instrumento que poderemos firmar as bases para mudar a vida das gerações futuras. 

Estas jornadas de discussão nos levaram a consensos decisivos. Por isso, é necessário:

Continuar a mobilização popular, desenvolvendo em todo o país a melhor estratégia para forçar a deposição imediata de Jovenel Moïse e parlamentares.

Estabelecer um governo de transição, por um período de três anos, para fazer frente às urgências de fome, miséria e o desemprego que atingem mais de 80% da população, e reformar as instituições do Estado em função das necessidades da população.

Organizar, sem demora, uma Conferência Nacional Soberana, ou seja, um Grande Diálogo Nacional para orientar o país em função de nossa história, nossa cultura, nossa identidade e nossas aspirações como povo. 

Processar os responsáveis pelo desfalque aos fundos de Petrocaribe e da CIRH, assim como os responsáveis políticos e materiais dos massacres de La Saline e Carrefour Feuille. Devemos fazer isso sem demora e incondicionalmente.

Retomar nosso direito à autodeterminação e, respeitando as resoluções que saírem desta Conferência Nacional Soberana, elaborar uma nova Constituição a ser validada em um referendo popular.

Criar uma Coordenação Nacional para levar adiante a estratégia de mobilização popular e definir um plano detalhado sobre as características e responsabilidades do próximo governo de transição.

Manter sessões deste Fórum Patriótico e buscar as respostas e os consensos necessários para construir uma direção que expresse unidade na diversidade.

Levar em consideração estas resoluções e criar Coordenações Estaduais, para dar mais força às mobilizações e, assim, orientá-las na luta pela libertação das grandes maiorias populares.
 
Nesse sentido, o Fórum Patriótico decide criar uma Assembleia Geral composta por dois membros de cada uma das organizações que assinam esta declaração e construir também um Comitê de Acompanhamento com onze membros, que dará continuidade às reflexões estratégicas. Estes representantes do Fórum Patriótico serão os responsáveis de integrar novas forças e reforçar e coordenar as ações aqui definidas. 


Papaye, Haiti - 30 de Agosto de 2019

Não abandonaremos a luta!

Mobilização ou morte!

Organização ou morte!

Viva o Haiti! Viva a solidariedade dos povos!

Viva o progresso econômico, social e político para todos os haitianos!

Viva a justiça social!

Fora Jovenel! Fora o PHTK

Edição: Daniela Stefano