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Processo Legislativo na era Bolsonaro – quem são os terroristas?

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A aprovação da lei antiterrorismo representou uma severa ameaça às liberdades de reunião e de manifestação do pensamento
A aprovação da lei antiterrorismo representou uma severa ameaça às liberdades de reunião e de manifestação do pensamento - Jefferson Rudy/Agência Senado
Ao pretender tratar manifestação política como terrorismo o fazem por definição

Após as eleições de 7 de outubro passado, Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) definiu a configuração do parlamento brasileiro como o “mais conservador desde a redemocratização".

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Por enquanto, seja em decorrência da ênfase conferida à pauta econômica de reformas, seja por desarticulação, ou ainda como consequência do deslocamento de determinado nicho de poder dirigente do Executivo para o Legislativo, ainda não é possível mensurar se a bancada conservadora tem força para impor uma agenda no campo dos costumes. 

De todo modo, é preciso reconhecer que, na pauta penal, a assim conhecida “bancada da bala” opera uma disputa que está bem acima dos famosos projetos do pacote anticrime de Sergio Moro, e não necessariamente com o apoio do ministro, que, aliás, até aqui não se expôs sobre boa parte dos temas de projetos de lei postos.

Existem hoje, somando Câmara dos Deputados e Senado Federal, 20 projetos de lei tramitando no Congresso Nacional com vistas a alterar a Lei Antiterrorismo e outras que lhe são correlatas, de forma ampla e generalizante e que podem, caso aprovados, representar a autorização legal para a violação de direitos fundamentais e a criminalização de ativistas e movimentos sociais, cerceando o livre direito à manifestação.

A Lei 13.260/2016, chamada de Antiterrorismo, foi sancionada em março de 2016 durante o governo Dilma sob protestos dos movimentos sociais, pesquisadores, professores e intelectuais ligados ao tema da segurança pública e do Direito Penal. A aprovação da norma representou um enorme retrocesso político-criminal e uma severa ameaça às liberdades de reunião e de manifestação do pensamento, além do aumento desproporcional de penas previstas em lei a condutas mal definidas. Criou-se uma via aberta à criminalização arbitrária.

Os seis vetos feitos pelo governo ao texto aprovado no Congresso atenderam às preocupações adicionais de entidades por agregarem um incalculável risco de criminalização dos movimentos sociais e de cerceamento aos direitos e garantias individuais. Foram retirados dispositivos que caracterizavam “terrorismo contra coisa”, apologia ao terrorismo, “auxílio” a organizações terroristas, aumento de pena em razão de dano ambiental, regime fechado para cumprimento de pena e atribuição ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para coordenação dos trabalhos de combate aos crimes previstos. Os vetos não solucionaram os graves problemas trazidos pela norma, mas funcionaram como redução de danos.

No momento seguinte à sanção da lei já havia movimentação legislativa com vistas a trazer de volta trechos vetados e de endurecer ainda mais a norma no sentido do recrudescimento, ampliando a definição e o rol de atos considerados terroristas.

O processo é típico. O Congresso Nacional frequente e historicamente cria novos tipos penais. Aposta na resposta simbólica com agravamento de penas a despeito de todas as demonstrações científicas de ineficácia e de agravar problemas já gigantescos, como o super encarceramento.

Em três anos de vigência da Lei 13.260/2016 o Brasil não a usou para deter seus temíveis terroristas. Isso pelo fato inexorável de que eles simplesmente não existem. Fato, aliás, repetido à exaustão pelos que se opuseram à necessidade de uma norma conceitual como essa, sustentada por um temor que jamais se justificara em dados. Não existem terroristas no Brasil, o que nos conduz de volta à clareza, também já reforçada, de que a intenção dos que buscam a aplicação da lei e sua amplitude visam, na verdade, intimidar movimentos sociais organizados e esvaziar o pluralismo político. Ao pretender tratar manifestação política como terrorismo não o fazem por confusão, mas por definição. 

A busca da criminalização social já era dada. Atualmente se encontra no rol das intenções da atual conjuntura como política de governo, o que exige reconhecer que derrotar esses projetos de lei é parte inexorável da disputa pela manutenção do exercício de cidadania, dos valores e ideais que sustentam a democracia. 

Rejeitar a solução simples, midiática e falsa representada por esses projetos e outros de mesma natureza, resistindo a uma abordagem conservadora e anti-humanista, e esclarecer a sociedade sobre isso, é demonstração de busca de um caminho que não tolera a ameaça às garantias. 

Faz parte da defesa da dimensão do humano e respeito aos direitos fundamentais. Deve constar, por isso, em qualquer agenda que se pretenda ampla no enfrentamento aos ditames do governo Bolsonaro, pautado pelo autoritarismo militante.

Edição: Daniela Stefano