Clima

Distrito Federal supera 100 dias sem chuva: "aquecimento local" ou estiagem normal?

Estudiosos discutem as causas da seca deste ano, considerada mais intensa do que o normal para esta época

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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O recorde de seca na região se deu em 1963, logo após a construção de Brasília: 164 dias sem chuva
O recorde de seca na região se deu em 1963, logo após a construção de Brasília: 164 dias sem chuva - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Distrito Federal (DF) ultrapassou a marca de cem dias consecutivos sem chuva. Nesta terça-feira (17), mais precisamente, a capital do país completou 106 dias de secura. A possível explicação para tal fenômeno é razão para divergências entre especialistas de áreas distintas. 

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Longos períodos sem chuva são usuais em Brasília. O recorde se deu em 1963, logo após a construção da cidade, que ficou 164 dias sem precipitação. Em 2018, foram 82 dias. 

Heráclio Alves, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), lembra que o período propriamente chuvoso no DF se inicia em outubro, mas explica que há um fenômeno atmosférico "bem mais intenso que o normal para essa época", que bloqueia e “impede o avanço de sistemas causadores de chuva”: as frentes frias vindas do sul e a umidade oriunda da Amazônia. 

“Isso é resultado tanto do período mais seco, o período de estiagem aqui no Distrito Federal, mas também por conta da influência de uma intensa massa de ar quente e seco que vem atuando sobre o centro-oeste há algumas semanas. Esse sistema impede a formação de nebulosidade”, afirma. Segundo ele, com o final do inverno, a ausência de nuvens também leva à elevação da temperatura. 

"Aquecimento local"

Pesquisador do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o sociólogo estadunidense que atua no cerrado há cinquenta anos Donald Sawyer tem uma visão distinta. Apesar de concordar que “longos períodos de seca” são comuns, ele tem a "impressão de que está pior", no sentido de que a estação sem chuvas cada vez mais recorrentemente tem prazos estendidos.

Em sua opinião, o desmatamento do cerrado -- que já atingiu cerca de metade da cobertura original -- interfere no clima, que deve ser entendido não apenas do ponto de vista da temperatura mas também do regime hidrológico. A menor cobertura vegetal favorece a formação e permanência das massas de ar quente e seco, em um processo que chama de “aquecimento local”. 

“Eu não sou autoridade no assunto, mas tenho hipóteses. Minha visão é heterodoxa. Os especialistas não levam em conta o que estou vendo. O desmatamento do cerrado está influindo nos ciclos hidrológicos. No passado, durante o longo período seco, costumava chover um pouco, alguns dias”, diz.

Sawyer cita memórias de chuvas leves, por exemplo, no mês de agosto, afirmando que, no passado, nos períodos finais da seca, mesmo sem chuvas constantes, havia muito mais nebulosidade. 

O sociólogo entende que o período de precipitações é cada vez mais marcado por “tempestades torrenciais” isoladas, em detrimento de chuvas leves ao longo de todo o dia que ocorriam anteriormente . Em sua opinião, com menos árvores, a água da chuva escoa rapidamente para os rios -- e se dirige ao mar -- ou evapora de forma muito rápida, constituindo as formações de nuvens que levam às chuvas intensas, porém localizadas.

Edição: Rodrigo Chagas