Legislação penal

Pacote "anticrime" sofre décima derrota em grupo de trabalho na Câmara dos Deputados

Ampliação do excludente de ilicitude do PL 882/2019 foi vencida em votação por nove votos contrários e cinco a favor

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Sociedade civil se mobilizou contra dispositivo que poderia gerar maior letalidade provocada por agentes de segurança
Sociedade civil se mobilizou contra dispositivo que poderia gerar maior letalidade provocada por agentes de segurança - Foto: Reila Maria/Câmara dos Deputados

O grupo de trabalho (GT) que analisa o Projeto de Lei (PL) 882/2019 na Câmara dos Deputados rejeitou, nesta quarta-feira (25), por nove votos a cinco, a expansão das hipóteses do “excludente de ilicitude”, que liberaria de punição agentes de segurança que matassem “em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado”. A medida irá para votação em plenário.  

O PL 882 é uma das propostas que integram o chamado pacote "anticrime”, de autoria de Sérgio Moro, e, por isso, a rejeição impõe mais uma derrota ao ministro no Legislativo. A medida está sendo votada por partes e nove pontos do PL já foram recusados pelo GT, como é o caso da legalização da prisão após segunda instância.

Outras cinco propostas (PL 881, PL 1864, PL 1865, PLPs 38 e 89) do pacote tramitam de forma paralela em comissões legislativas da Câmara ou do Senado.  

Previsto no artigo 23 do Código Penal, o excludente de ilicitude impede a possibilidade de culpabilização de condutas ilegais em algumas circunstâncias, que são o “estado de necessidade”, “a legítima defesa” e o “estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.    

O texto de Moro acrescenta ao artigo um parágrafo segundo o qual o juiz poderá reduzir a pena pela metade ou mesmo deixar de aplicá-la se o excesso resultar do que o PL chama de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Formalizada por Moro, a sugestão dialoga com o discurso de campanha feito pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) no ano passado. O chefe do Executivo tem histórica proximidade com grupos que defendem medidas punitivistas.   

Os deputados que votaram contra a medida apontaram que a mudança tenderia a estimular a prática de abusos policiais, especialmente por conta da subjetividade das expressões incluídas por Moro na lei penal.

“Nós não podemos ter uma norma penal em branco, um tipo penal completamente aberto. Seria um grande risco e a tendência seria aumentar a violência. Penso que é preciso pensar medidas estruturantes para combater a violência, e não medidas que aparentemente são fáceis, simples, mas que terão impactos negativos”, argumenta o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), membro do GT. 

“Foi uma grande vitória da cidadania brasileira. Nós temos um Código Penal que é atual e suficiente para todas as circunstâncias da segurança pública e a mudança proposta poderia liberar geral para aumentar a violência no Brasil”, acrescentou, ao destacar as hipóteses de excludente de ilicitude já previstas no artigo 23.  

Plenário

Autor da emenda que rejeitava a mudança sugerida por Moro, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) disse que a “a proposta foi feita para matar”. Ele destacou a importância do apoio de deputados de siglas de fora do campo da oposição. O GT tem um total de 15 membros. Entre os nove votos contrários, houve os de parlamentares de legendas como PRB, PP e PSDB.  

“Isso não é um grupo que você encontra de forma organizada em outros lugares do Congresso. Eu acho que esses partidos tendem a seguir o que aqui foi aprovado”, projeta o psolista, em referência à votação no plenário, que poderá ocorrer em outubro.

Freixo também destacou que a formação do bloco contrário ao item do excludente de ilicitude já havia se dado, no GT, antes do caso da menina Ágatha Félix, 8, assassinada na última sexta (20) no Rio de Janeiro (RJ). Policiais são acusados de terem cometido o crime e, nos últimos dias, o caso ajudou a alimentar a disputa em torno do PL de Moro.    

Do outro lado do confronto, parlamentares que apoiam Moro sustentam que o episódio não teria relação com o PL. Eles também afirmam que têm outra expectativa sobre a votação em plenário. Para o relator do GT, Capitão Augusto (PL-SP), que preside a chamada “bancada da bala”, a proposta terá maioria na próxima votação.  

Tradicionalmente, o grupo exerce forte pressão na Câmara e no Senado pela aprovação de medidas de caráter punitivista, como é o caso do pacote de Moro. A Frente Parlamentar da Segurança Pública, nome oficial da bancada, tem 305 membros, entre deputados e senadores.  

“Estamos nos esforçando pra aprovar 70% ou talvez até 80% do pacote original apresentado e tentar recuperar os pontos perdidos no plenário”, disse à imprensa.

A medida, no entanto, terá de enfrentar também a rejeição de especialistas e entidades da sociedade civil organizada, que acompanham com atenção a tramitação do pacote. A sessão do GT desta quarta-feira e as ultimas foram marcadas pela presença manifestantes com cartazes contrários ao PL, como é o caso da militante Maria Eduarda Krasny, do Diretório Negro Quilombo, de Brasília (DF).

“É um processo que apenas começou. A gente ainda tem uma vitória a travar dentro do plenário da Câmara e ainda tem a discussão acontecendo no Senado também. Então, foi a primeira vitória de muitas que eu espero. Nós da sociedade civil vamos estar organizados”, disse ao Brasil de Fato.

A apresentação da proposta de Moro provocou, em março, o surgimento da campanha “Pacote Anticrime – uma solução fake”, articulada por dezenas de organizações.

Edição: Rodrigo Chagas