Urbanização

Artigo | A intensificação da verticalização é a solução para a orla de Natal (RN)?

Falas do prefeito da cidade causam preocupação, pois são intensos os impactos com adensamento de pessoas no local

Brasil de Fato | Natal (RN) |
Orla de Natal é uma das poucas áreas urbanas que ainda mantém uma relação entre espaços de valor histórico, cultural e natural
Orla de Natal é uma das poucas áreas urbanas que ainda mantém uma relação entre espaços de valor histórico, cultural e natural - Divulgação/Prefeitura do Natal

Durante o processo de revisão do Plano Diretor de Natal, retomado no início de 2019, um dos temas mais discutidos tem sido a verticalização como solução para o desenvolvimento da cidade. Em falas públicas, e em reuniões com setores específicos, o Prefeito da cidade tem defendido que a verticalização é a única forma de promover o desenvolvimento de Natal. Também tem repetido que a orla de Natal é a mais feia dentre aquelas das capitais do Nordeste, e que isso é culpa da falta de prédios altos. Mas qual o real problema da orla de Natal, e quais impactos seriam trazidos pela sua intensa verticalização?
A orla de Natal, na verdade, é uma das mais bonitas do Nordeste, e uma das poucas áreas urbanas que ainda mantém uma relação interessante entre os espaços construídos, incluindo aqueles de valor histórico e cultural, e os espaços naturais, o que a torna peculiar. A garantia da presença dos elementos naturais definidores da orla de Natal, além da praia – como o Morro do Careca, o Parque das Dunas, as falésias no trecho da via costeira – garantem uma paisagem única, e são essas e outras belezas que atraem turistas e encantam os moradores. Além da paisagem particular a orla abriga moradores muito antigos, que sobrevivem a partir da relação com a praia (e com o rio Potengi), o que inclui pescadores, vendedores ambulantes, professores de esportes que acontecem na praia, marisqueiras, rendeiras e muitos outros divididos em comunidades tradicionais, que também são característica própria dessa orla.
O que garante a presença tanto da paisagem existente na orla, quanto das comunidades residentes é o zoneamento especial estabelecido pelos planos diretores da cidade, construído desde a década de 1970. As Zonas Especiais de Interesse Turístico (ZETs) garantem a proteção da paisagem, através do controle de gabarito. E as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) garantem a permanência da população tradicional que vive na orla. As ZETs não impedem a verticalização, elas controlam que essa verticalização se dê de maneira responsável, garantindo visuais para todos os que quiserem apreciar as belezas naturais e construídas. As AEIS não impedem que os moradores melhorem de vida e ampliem suas casas, ou construam empreendimentos para desenvolver suas atividades econômicas, pelo contrário, elas representam áreas da cidade que precisam de atenção e políticas públicas para garantir que populações de baixa renda, e que vivem em áreas sem, ou com pouca, infraestrutura recebam políticas públicas específicas que tragam dignidade para aquela população.
O problema da orla, então, não é a falta de intensa verticalização, mas sim a falta de investimentos públicos, de políticas públicas de desenvolvimento socioeconômico e urbano. Faltam investimentos no calçadão, faltam banheiros públicos, falta regularização fundiária para aquelas comunidades, falta qualificação das moradias, faltam linhas de crédito para as famílias melhorarem de vida. Ou seja, falta a Prefeitura presente na orla. E quais seriam os impactos da verticalização além do que já está previsto hoje pelo zoneamento especial da orla?
Fizemos simulações utilizando ferramenta computacional (software Grasshopper), simulando diversas situações, dentre elas cenários com potenciais construtivos maiores do que aqueles permitidos hoje para a orla e cenários com a liberação de gabarito (altura das edificações), ambos os casos respeitando o que há no Plano Diretor para a cidade. Um forte impacto seria a obstrução da paisagem. As visuais seriam completamente modificadas, permitindo a visualização dos elementos naturais somente por quem estivesse dentro dos prédios. Além disso, haveria o impacto na infraestrutura de saneamento que não suportaria um adensamento populacional para além de sua capacidade já instalada e para a prevista. Os dados das simulações já foram amplamente divulgados. Além desses impactos, a verticalização intensa da orla acarretaria no sombreamento da praia, o que é possível observar na orla de Areia Preta, numa simples visita local a tarde.
Outro grave impacto a ser considerado é o processo de erosão da orla. Uma nova e maior ocupação da orla não pode acontecer sem considerar os estudos relacionados ao processo de erosão.
Por fim, a proteção das comunidades que moram na orla é um fator essencial para seu desenvolvimento. O processo de verticalização promoveria uma valorização econômica desses espaços e, consequentemente, um processo de gentrificação, ou seja, a substituição da população tradicional por outra de maior poder aquisitivo. Não é possível que os moradores atuais da orla, que são de baixa renda, consigam manter-se em uma área com valores elevados. E mesmo se quisessem vender seus imóveis, devido ao tamanho e às condições atuais de habitação e infraestrutura, não conseguiriam comprar outro nos arredores. Isso afetaria diretamente a geração de renda daquelas comunidades, que vivem da praia e de atividades econômicas ligadas ao turismo.
Em resumo, o que vai fazer da orla de Natal mais bonita do que ela é hoje é a qualificação do espaço, a melhoria do calçadão, a infraestrutura urbana para o local, a segurança pública, o espaço para as comunidades comercializarem sua produção, seja artesanal, seja de outros produtos, além, é claro, da provisão de equipamentos comunitários e melhoria das moradias dos atuais moradores dos bairros, trazendo dignidade para aquelas famílias.
*Amíria Brasil é arquiteta, professora universitária e coordenadora adjunta do Fórum Direito à Cidade/Natal.
 

Edição: Isadora Morena