Paraná

Luta pela terra

Crianças Sem Terrinha visitam a ALEP e cobram fim dos despejos: “Isso tem que parar”

Ação faz parte do XIII Encontro das Crianças Sem Terrinha, que ocorre entre os dias 16 e 18/10, em Almirante Tamandaré

Curitiba (PR) |
Ana Carolina, de 11 anos, acampada em Centenário do Sul, e Anderson, de Antonina, fizeram a leitura de um manifesto para o auditório lotado
Ana Carolina, de 11 anos, acampada em Centenário do Sul, e Anderson, de Antonina, fizeram a leitura de um manifesto para o auditório lotado - Leandro Taques

“Estamos sabendo que tem muitas ameaças de despejo. Isso tem que parar, porque a nossa vida está lá, a nossa família está lá”. O apelo do pequeno Anderson, acampado em Antonina, e de outras crianças Sem Terrinha emocionou o auditório lotado do Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), na manhã desta quinta-feira (17). Ação faz parte do XIII Encontro das Crianças Sem Terrinha, que reúne cerca de 400 crianças, entre os dias 16 e 18 de outubro.

Cerca de 10 crianças usaram os microfones e a bancada do Plenarinho, tradicionalmente ocupada por deputados, para cobrar do Estado a garantia de direitos básicos, como acesso à cultura, à educação, à terra, à moradia e à saúde. A maior ênfase, no entanto, foi a exigência da permanência na terra e o respeito à integridade física e psíquica (conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente), ameaçados pela onda de despejos que ocorrem no estado.

Guilherme é acampado na comunidade Maila Sabrina, em Ortigueira, e relatou a sensação de medo causada pelas ameaças de despejo: “Tem muito tempo que a gente vive lá. Mas agora tem até passado helicópteros por cima, e nós, crianças, ficamos com medo. Depois que eu fui morar nesse acampamento, a minha vida mudou totalmente. É lá que eu quero viver”.

Neste ano, sete comunidade foram despejadas no Paraná, em diferentes regiões. Cerca de 800 crianças ficaram sem moradia e, na maior parte dos casos, obrigadas a mudar de escola. Assim como o acampamento José Lutzenberger, onde vive Anderson, e o Maila Sabrina, onde Guilherme quer continuar vivendo, mais de 70 comunidades rurais estão ameaçadas de despejo.

Para o auditório lotado, Ana Carolina, de 11 anos, acampada em Centenário do Sul, e Anderson, de Antonina, fizeram a leitura de um manifesto escrito pelos participantes do encontro: 

“Queremos que não tenha mais violência contra os Sem Terra e que o Estado cumpra sua obrigação de garantir a segurança do povo, nós, Sem Terrinha, estamos sentindo que nossas famílias estão sendo discriminadas, ameaçadas e tratadas como “bandidos”, criminalizando nosso direito de luta. E isso deixa nós, Sem Terrinha, com medo, exigimos respeito e o direito de permanecer em nossas terras. Pois nossas famílias produzem alimentos que ajudam alimentar a população da cidade e melhorar a economia do município”, diz um trecho.

O documento foi protocolado e entregue aos deputados do Partido dos Trabalhadores Professor Lemos, Luciana Ragafgin e Tadeu Veneri, e do integrante da Defensoria Pública do Paraná, e do defensor público coordenador do Núcleo da Infância e Juventude (NUDIJ) da Defensoria Pública, Marcelo Lucena Diniz.

O mesmo documento será levado a órgãos do Governo Estadual na manhã de sexta-feira (18), no Palácio das Araucárias.

Exemplo de participação das crianças

“Quando me convidaram pra vir aqui eu pensei “vamos lá de novo discutir as políticas da infância sem nenhuma criança presente. E quando eu cheguei aqui foi uma gratíssima surpresa. Eu não conseguia entrar no plenário de tantas crianças presentes”, relatou o defensor público Marcelo Lucena Diniz. 

Segundo o defensor, neste ano, o tema da Defensoria na área da infância, em âmbito nacional, é justamente “A voz e a vez das crianças”, para que as crianças participem na construção de políticas públicas. A pouca participação é um descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 29 anos.

“É muito importante que a gente tenha essa participação e ouça as crianças de fato nas demandas que elas trazem [...]. Eu de fato fico muito feliz mesmo, porque a gente não vê isso em todos os espaço”, garantiu. 

Além da entrega do manifesto à Alep e ao Governo do Estado, a programação é composta por momentos de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), apresentações artísticas, oficinas, brincadeiras, contação de história e visita ao Zoológico de Curitiba. 

Confira o manifesto na íntegra: 

 XIII ENCONTRO ESTADUAL DOS SEM TERRINHA

“PELO DIREITO DE BRINCAR, LUTAR E CONSTRUIR A REFORMA AGRÁRIA POPULAR!”

MANIFESTO DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA

Somos 400 crianças Sem Terrinhas do MST, e representamos todas as crianças e as famílias Sem Terra dos 70 Acampamentos e 300 Assentamentos do Paraná. Estamos em Curitiba, entre os dias 16 e 18 de outubro de 2019, reunidos no nosso 13º Encontro Estadual das Crianças Sem Terrinha para brincar, debater e lutar pelo nosso direito de viver e estudar no campo.

Nesse estudo coletivo apresentamos muitos problemas em nossas localidades, que dificulta nosso direito de brincar, estudar e lutar.

Nosso grande sonho de Sem Terrinha, é ver a terra repartida e que todas as crianças e suas famílias tenham um lugar para morar, trabalhar e viver.

Por isso exigimos que nenhum acampamento seja despejado, sabemos que existem várias ordens de despejo e que já ocorreu despejos nesse ano, por isso crianças que estudavam conosco não estudam mais. E queremos que essas terras onde estão os acampamentos virem assentamentos.

Queremos que não tenha mais violência contra os Sem Terra e que o Estado cumpra sua obrigação de garantir a segurança do povo, nós Sem Terrinha estamos sentindo que nossas famílias estão sendo discriminadas, ameaçadas e tratadas como “bandidos”, criminalizando nosso direito de luta. E isso deixa nós Sem Terrinha com medo, exigimos respeito e o direito de permanecer em nossas terras. Pois nossas famílias produzem alimentos que ajudam alimentar a população da cidade e melhorar a economia do município.

Em alguns lugares conquistamos a terra, mas ainda, precisamos de melhorias como na saúde, é necessário ter unidades de saúde com médicos, terapias e tratamentos naturais para que a gente não fique muito tempo nas filas e tenha um atendimento de qualidade.

Para melhorar nossa vida no assentamento, também precisamos ter estradas de qualidade para os alimentos que produzimos com nossos familiares chegarem até a cidade. Exigimos condições para produzir alimento saudável para garantir nossa soberania alimentar com cooperação e a agroecologia. O lanche na escola melhorou bastante com os alimentos da agricultura familiar, mas ainda precisa melhorar e todo alimento escolar deve ser saudável e bem preparado.

Para nós Sem Terrinhas continuarmos dando grandes passos na emancipação humana, e para que isso aconteça precisamos de uma educação de qualidade que faça nosso presente de luta e garanta o futuro dos que virão.

E uma escola de qualidade, precisa ter liberdade para acessar o conjunto dos conhecimentos na sociedade, por isso achamos um crime tentarem proibir à escola de discutir as questões da nossa vida.

Nenhuma escola do campo pode ser fechada, porque depois de tanto esforço para construir é uma coisa muito errada deixar fechar. A lei diz que é obrigado colocar escola no campo, este é direito nosso. Estamos aqui para lutar para que o Estado coloque essa lei em prática. As escolas do campo são importantes e muito boas, porque faz com que os Sem Terrinhas que estudam nelas sejam trabalhadores educados e que saibam mais sobre a sociedade.

Já solicitamos junto a Secretaria de Educação a construção e reforma de 19 escolas nos Assentamentos, e pelas nossas informações pouca coisa foi encaminhada.

Necessitamos da construção de muitas escolas no campo com as condições necessárias: com internet, laboratórios de informática, de ciências, de solos, biblioteca, refeitório, quadra poliesportiva, espaço de produção agrícola, ateliê de arte e com água potável. Algumas escolas nossa não poços artesianos e as vezes falta água.

Também sabemos que é necessário professores em condições para assumir as aulas, com maior tempo na escola e que se identifique com educação do campo.

Porém hoje, um dos nossos maiores problemas é as estradas de acesso a escola e o transporte escolar.

Não há linhas do transporte escolar e ônibus suficientes para atender as necessidades, pois ficamos muito tempo no trajeto e muitas vezes chegamos atrasados. A condição das estradas, na maioria dos assentamentos, não permite nossa ida a escola e faz com que em muitos dias percamos aulas, muitas crianças chegam até reprovar, queremos estrada com qualidade, pois em alguns lugares não tem pontes e o ônibus passa dentro do rio quando chove.  Tem criança que vai para a escola a pé, de cavalo ou de bicicleta, corremos vários perigos na ida para a escola, pois o trajeto é muito longe. Tem lugares em que os ônibus andam quase com cem pessoas, superlotados, são estragados, com os pneus velhos. Exigimos que o problema do transporte e das estradas seja resolvido com urgência.

Nos Acampamentos temos as Escolas Itinerantes, sem convênio elas não tem condições de funcionar, pois é ele que permite a contratação de professores e funcionários. É preciso que o Estado garanta a continuidade das escolas nos acampamentos com o convênio, que dê conta da nossa realidade no acampamento e a construção de mais escolas Itinerantes e as condições necessárias para sua qualidade e manutenção como a contratação de professores e funcionários. Queremos do governo menos promessa e mais ações para melhorar nossa qualidade de vida.

Somos Sem Terrinha do MST pelo direito de viver, brincar e estudar no campo e nos colocamos em luta, reafirmando nossa identidade, fazendo a denuncia e reivindicando nossos direitos.

 

Sem Terrinha Movimento: brincar, sorrir, lutar por reforma agrária popular!

Curitiba, 17 de outubro de 2018.

 

Viva o Sem Terrinha na luta por um futuro melhor!

Viva o MST!

Lutar, construir Reforma Agrária Popular!

Edição: Lia Bianchini