Rio Grande do Sul

MEMÓRIA

Memorial Prestes celebra dois anos de memória e história

Única obra o arquiteto Oscar Niemeyer em Porto Alegre guarda a história, contada através de fotos de Luiz Carlos Prestes

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Celebração traz mostra de maquetes de obras de Niemeyer; ato comemorativo será às 17h do dia 26 de outubro
Celebração traz mostra de maquetes de obras de Niemeyer; ato comemorativo será às 17h do dia 26 de outubro - Foto: Eugenio Hansen, OFS

Quem percorre a Orla do Guaíba, no centro da capital gaúcha, de um lado aprecia o pôr do sol, de outro, pode vislumbrar o parque harmonia e encontrar um prédio envidraçado, redondo, com 700 m2. Ao se entrar no espaço, uma vida se descortina. Na fachada, uma ilustração do homenageado. É o Memorial Luiz Carlos Prestes.

“Junto da entrada, a parede com textos e imagens começa a mostrar aos visitantes os inícios da vida de Prestes, quando, oficial do Exército, era incumbido de acompanhar obras em construção no Rio Grande do Sul – aí surge, já com 26 anos, severo como sempre foi, Prestes a clamar da maneira pouco correta com que os trabalhos estavam sendo desenvolvidos. Não recebendo resposta às denúncias que fazia, foi pouco a pouco sentindo que uma solução burocrática a nada conduzia, mas que os problemas do país tinham de ser resolvidos por meio de uma revolução. E a Coluna Prestes apareceu naturalmente como a única maneira de enfrentar as questões políticas e sociais existentes”, escreveu, em janeiro de 2008, na Folha de São Paulo, Oscar Niemeyer, explicando como, naquele verão, começou a desenhar a sua nova obra, a uma homenagem ao seu amigo, o “cavaleiro da esperança”, Luiz Carlos Prestes.

Foi assim que, poucos dias antes de completar 100 anos, Niemeyer, passou a desenhar a sua primeira, é até o momento, única obra na capital gaúcho. “Como arquiteto, vejo, satisfeito, que meu projeto vai contribuir para manter viva a memória de Luiz Carlos Prestes, um brasileiro que lutou em favor de seu povo, contra a miséria e a desigualdade social que, infelizmente, ainda persistem em nosso país.

A história do Memorial, que no próximo dia 26 completa dois anos, esperou 27 para ser concretizada. Tudo começou em 1990 quando, logo após a morte de Prestes, o então vereador Vieira da Cunha (PDT) apresentou um projeto de lei na Câmara de Vereadores com a proposta de um memorial em sua homenagem e o pedido de doação de um terreno à Prefeitura Municipal. Com um único voto contrário, a proposta foi aprovada. Olívio Dutra (PT), prefeito na época, sancionou o projeto e destinou um terreno na esquina das avenidas Ipiranga e Edvaldo Pereira Paiva para a obra. Olívio e Vieira foram pessoalmente a procura de Niemeyer, que de pronto aceitou a encomenda.

Aniversário do memorial traz maquetes de obras de Niemeyer | Foto: Fabiana Reinholz 

Contudo a falta de verba fez com que levasse mais de duas décadas para sair do papel. A demora fez com que Niemeyer chamasse seu bisneto, Paulo Sérgio Niemeyer, para participar do projeto e assiná-lo com ele. “Essa obra é muito importante porque o Oscar carregou nela toda sua vontade de simbolizar essa memória do socialismo. Ele sempre falou que era muito importante e que, apesar de ser pequena [em proporções] para o tipo de obras que ele fazia, era muito primorosa e ele tinha muito cuidado com ela”, contou Paulo Sérgio ao Sul 21, na matéria que conta a história do memorial até sua inauguração. Infelizmente Niemeyer não pode ver sua obra concluída. A inauguração do espaço viria a acontecer cinco anos após sua morte, em 2012.

Desde antes da sua inauguração o prédio sofreu ataques. O primeiro deles por um projeto apresentado pelo vereador Wambert Di Lorenzo (Pros), que propunha que o Memorial fosse extinto e o edifício fosse usado como Museu do Povo Negro. “Prestes foi um traidor da pátria brasileira, é um absurdo ele ser retratado como um herói”, afirmou na ocasião. Pouco antes da inauguração um pequeno grupo de manifestantes se reuniu em frente do prédio para protestar contra o espaço.

“Sempre tem uma classe do povo gaúcho que, para eles, não interessa ter um espaço que traga a memória, a história, mostrada com fotos, inegáveis do pensamento e da obra de Luiz Carlos Prestes e de Oscar Niemeyer. Recebemos muitos ataques, de algumas pessoas desses segmentos mais violentos, pessoas inflexíveis, que não suportam a opinião diferente da sua”, afirma Goretti Grossi, da direção de arte e cultura do memorial.

Ela conta que, primeiro, foram os ataques ao próprio prédio, e depois começou o ataque de tentar tirar dos prestistas o memorial para entregar a alguém que transformaria o local “em uma loja de vender qualquer coisa”. “Aqui não é um espaço comercial, aqui é um memorial para as pessoas conhecerem um pensamento, uma história, um lugar de encontro, de estudo, de debate”, destaca.

Na época da inauguração o bisneto de Niemeyer afirmou que não existiria nenhuma possibilidade de ver o prédio transformado em outra coisa que não uma homenagem a Prestes. “Você pode questionar, mas o museu foi feito especificamente para o Memorial Prestes. Só no Brasil que existe essa propensão ao desrespeito ao que é a História do país”.

A importância do Memorial para recordar Prestes

Paredes contam a história de Prestes | Foto: Fabiana Reinholz

Fotos circundam as paredes do memorial, registros que contam a trajetória do político, desde a casa dos seus país, sua juventude como militar, passando pela Coluna Prestes, o período em que viveu na antiga União Soviética, as prisões no governo Vargas e durante a Ditadura Militar, e a atuação política dentro do Partido Comunista. Fotos cedidas por Anita Leocácia Benário Prestes, filha de Luiz Carlos e Olga Benário Prestes, morta em uma câmara de gás, durante o nazismo de Hitler, em 23 de abril de 1942. .

O Prestes é uma referência mundial da luta contra o fascismo, da luta pelos Direitos Humanos, da luta pela soberania do Brasil, afirma Goretti. “Neste momento é muito importante a gente conhecer não só a história do Prestes, que é, também, a história da luta da classe trabalhadora brasileira. A gente vê nas fotografias que aqui estão registradas o povo brasileiro na rua comemorando a derrota do fascismo, do nazismo, a gente vê esse povo da periferia, das favelas, das escolas de samba, dos clubes de futebol, esse povo na rua com as suas lideranças políticas lutando e comemorando pela vitória dos avanços da democracia e da igualdade social, da luta pela vida e dos Direitos Humanos”, aponta.

Para Goretti o povo brasileiro que redescobriu Zumbi não faz muito tempo precisa ainda conhecer Luiz Carlos Prestes, que, infelizmente, nos livros de história da escola pública e privada, consta uma ou duas linhas referentes à Coluna Prestes, “uma parte bem pequena diante da grandiosidade do todo que foi a vida e a luta e o pensamento de Prestes”, ressalta.

Conforme lembra Goretti, além do Memorial Prestes, está previsto e já tem o projeto de Oscar Niemeyer mais três memoriais: um homenageando Getúlio Vargas, outro João Goulart, e outro Brizola. Mesmo tendo sido aprovado pelo então prefeito José Fogaça (PMDB) a doação de uma área próxima ao memorial para a construção desses outros projetos, que formariam o Caminho da Soberania, o projeto continua arquivado. Assim como aconteceu com o memorial Prestes, a falta de financiamento impossibilita que eles saiam do papel.

“São projetos belíssimos, todos próximos aqui ao memorial Prestes. Já existe o projeto, já existe o registro, só falta algum governo ter a coragem de fazer a construção. Nós demoramos 26 anos para conseguir erguer esse presente do Niemeyer”, comenta. Os projetos estão registrados em um livro que traz todas as obras de Niemeyer, tanto as que já foram executadas como as que não foram.

Goretti lembra que a Associação Memorial Luís Carlos Prestes cuida, gerencia e administra o local sem verba privada ou pública, e que o espaço é aberto para realização de eventos, debates, exposições, e que todas as atividades são gratuitas. “O memorial está sendo o ninho de unidade de todos que defendem os direitos humanos, a democracia, o direito à vida, a diferença, as divergências. E isso é o pensamento de Luiz Carlos Prestes. Essa é a função do memorial, divulgar mais ainda do que a vida, os valores e pensamentos dele”, conclui.

Atividades para comemorar os dois anos

Além da exposição, terá um ato comemorativo às 17h do dia 26 de outubro | Foto: Fabiana Reinholz 

Com o intuído de celebrar os dois anos desse espaço de memória, além das visitações diárias, o memorial está com uma exposição de maquetes das obras de Niemeyer, feitas por estudantes de várias universidades de arquitetura do Brasil, que ficarão em exposição até o final de novembro. A exposição, que já passou pelo Rio de Janeiro e São Paulo, inaugurada no último dia 11, tem a curadoria do bisneto Paulo Sérgio. De Porto Alegre, seguirá para Brasília.

No dia 26 de outubro, a partir das 17h, haverá o ato em comemoração, intitulado “A Coluna Passou por aqui”, uma iniciativa das sociólogas Carmelina Donato Castro e Mirian Estrella Cardozo, que na ocasião entregarão documentos referentes à Coluna Prestes. Entre os documentos, Carmelina entregará o livro autografado por Prestes, "Marchas e Combates", escrito por Lourenço Moreira Lima, que foi advogado e secretário da Coluna e que, em sua estada na cidade Santa Vitória do Palmar (RS), onde permaneceu para escrever o livro, conheceu e se enamorou de uma santa-vitoriense, Alva Estrella. Mirian, filha de Alva, entregará o diário de recordações da mãe. 

A história desse amor é contada no livro "A Coluna Prestes Passou Por Aqui -  Moreira Lima, um Revolucionário Apaixonado", escrito Roberto Rossi Young, que também terá seu lançamento no dia. O nome do evento é uma alusão ao fato de Moreira Lima ter estado lá para escrever o livro e ter vivido a paixão.

Veja abaixo a programação completa:

Memória e História: Entrega solene do livro " Marchas e Combates" escrito por Lourenço Moreira Lima.

Artes Plásticas: Caio Batista expõe "Estudos sobre os Concheiros"

Literatura: Sessão de autógrafos do livro " A Coluna Prestes passou por Aqui"

Música: Cláudio Sander com El Trio.

Mais detalhes sobre o livro, A Coluna Prestes Passou Por Aqui" -  Moreira Lima, um Revolucionário Apaixonado: O livro traça um breve histórico da marcha da Coluna Prestes pelo Brasil e seu internamento na Bolívia, baseado no que Moreira Lima, o "Bacharel Feroz", escreveu. Esta alcunha se refere ao seu posicionamento como um civil, advogado e autor do diário da Campanha Revolucionária e o ardor e coragem com que participava dos embates da Coluna. Por outro lado, o livro apresenta com ineditismo, o cavalheiro romântico, quando em paz encontrou a jovem que libertou seu lado amoroso e poético.

Constam no livro, na íntegra, todos seus poemas.

Edição: Marcelo Ferreira