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Produção de fumo: tragédia humanitária no Sul do Brasil

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Trabalhador em produção de fumo no sul do Brasil: vômitos, depressão e suicídio
Trabalhador em produção de fumo no sul do Brasil: vômitos, depressão e suicídio - Vitor Shimomura
A região fumageira é a que registra os maiores índices de suicídio do Brasil

Na região Sul do Brasil, os agricultores que plantam fumo são explorados por empresas que impõem a eles um modelo de negócio perverso, desigual e que causa graves problemas sociais e de saúde.

Seis multinacionais controlam a produção de cigarros no mundo. Todas têm operações no Brasil. Para obter tabaco, matéria prima do seu produto, atuam em 619 cidades nos três estados da região Sul brasileira. Fazem do país o maior exportador mundial de fumo. Os lucros das empresas são estratosféricos, principalmente porque os agricultores são, ano após ano, superexplorados por uma estrutura que não leva em consideração a vida dessas pessoas.

Pelas mãos de 150 mil famílias de pequenos produtores em regime de contrato de integração, as “big tobacco” abastecem mercados em praticamente todos os países e movimentam, globalmente, a incomensurável soma de US$ 700 bilhões anuais.

É possível fazer muita coisa com tanto dinheiro, inclusive comprar a realidade: um mundo de agricultores felizes, vivendo no conforto e fazendo do plantio de fumo um modo de vida lucrativo e prazeroso. É o que vende o discurso da indústria fumageira.

No Sul do Brasil, a percepção corrente é o de que não há nada mais rentável do que plantar fumo. É um discurso adesivado ao imaginário popular graças a uma eficiente incidência das multinacionais do tabaco, nas mais variadas frentes. Com recursos econômicos quase infinitos, fazem lobby, advocacy, campanhas midiáticas ou simplesmente compram a opinião de atores relevantes, assim como compram “pesquisas científicas”, assim como compram horários em nada menos do que 73 emissoras de rádio da região Sul do Brasil.

Violência contra o agricultor

Como jornalista, fiquei quase um ano à frente de uma investigação sobre a condição de vida do agricultor vinculado ao plantio de fumo. Os resultados foram apresentados em uma audiência coletiva na última quinta-feira (17), na sede do Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR).

É possível afirmar, com absoluta certeza: plantar fumo está entre as atividades agrícolas mais letais do mundo.

Em um projeto realizado em parceria com o Ministério Público do Trabalho, com a Associação Paranaense de Vítimas Expostas ao Amianto e aos Agrotóxicos (Aprea) e com a Aliança de Controle do Tabagismo (ACT Promoção da Saúde), percorremos cinco mil quilômetros pela região fumageira, nos três estados do Sul. O cenário é trágico. Durante todo o percurso, não encontramos nenhum agricultor usando os equipamentos e proteção obrigatórios, o que resulta em contato direto com agrotóxicos e causa uma série de doenças, dentre elas a depressão.

A região fumageira é a que registra os maiores índices de suicídio do Brasil.

Esse é o cenário que a indústria fumageira quer esconder: adolescentes sofrem vômitos após um dia na lavoura; mulheres sofrem aborto espontâneo causado por contaminação; hospitais de pequenas cidades chegam a registrar quatro tentativas de suicídio por dia; agricultores trabalham 12 horas durante o dia e, à noite, precisam levantar a cada duas horas para colocar lenha nas estufas de secagem de fumo.

Trabalho infantil

Nas crianças, a contaminação pelo agrotóxico é devastadora: redução de QI, autismo e má formação congênita estão entre as consequências. Em algumas cidades, a evasão escolar é altíssima. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 90% dos fumicultores não terminam o ensino fundamental.

Nos principais polos fumageiros, o trabalho infantil é uma realidade não apenas na propriedade da família, mas também à serviço de empreiteiros de mão de obra, que usam adolescentes a partir dos 13 anos na atividade de colheita.

Do ponto de vista da saúde pública, o plantio de fumo é uma tragédia. Do ponto de vista econômico, é uma cultura que não se sustenta se for levado em conta o valor da vida e os custos para as famílias, que perdem seus membros para a depressão e o suicídio.

Seis multinacionais são responsáveis pela tragédia humanitária atualmente em curso no país. São elas que vendem as marcas de cigarro que estão ostensivamente expostas na sua padaria predileta: China National Tobacco Corporation, British American Tobacco (BAT), Philip Morris International, Japan Tobacco International, Imperial Tobacco Group e Altria Group.

Edição: João Paulo Soares