Minas Gerais

Opinião

Artigo | Caiu na rede nem sempre é peixe

Somos capazes de produzir textos e textos nas redes sociais, mas não ousamos conversar com a trabalhadora desempregada

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
A fragmentação das pautas e o uso equivocado do tal “lugar de fala” nos torna frágeis e débeis no combate
A fragmentação das pautas e o uso equivocado do tal “lugar de fala” nos torna frágeis e débeis no combate - Foto: Pixabay

Só um pensamento tem burilado as idéias nos últimos tempos: que nada na história é linear ou para sempre.  Com essa máxima, cultivar a esperança diária tem sido o desafio neste ambiente doentio que é o cenário político brasileiro e as relações sociais a partir deste panorama. Não se passa um dia desde 1º de janeiro de 2019 no qual não sejamos bombardeados com uma notícia de retrocesso.

A perversidade lunática da ultradireita impõe à sociedade brasileira um peso fatigante nas costas. As redes sociais têm sido a expressão do adoecimento social a que estamos sendo submetidos. Falso e verdadeiro, tudo junto e misturado. E isso não está somente no escopo da direita. Infelizmente também nós reproduzimos uma série de falácias e muitas vezes sem checar a veracidade dos assuntos. Todos os dias, via redes sociais, são introduzidos conceitos novos oriundos de um cruzamento do culto ao senso comum e o esvaziamento da ciência (pesquisa).

O senso comum neste período tem sido funcional ao ambiente de cortina de fumaça que essa corja instaurou com o golpe em 2016. Não foram somente os terraplanistas que voltaram. A retomada do fascismo trouxe para a sociedade ideias já superadas em movimentos progressistas, também ao longo do legado de resistência das organizações trabalhadoras. Estamos com dificuldade de avaliar com profundidade essa outra roupagem do sistema capitalista e traçar estratégias eficazes de luta contra esse modo de produzir a vida. E muitas vezes é recorrente cair na armadilha do inimigo.

A fragmentação das pautas e o uso equivocado do tal “lugar de fala” nos torna frágeis e débeis no combate.  Somos capazes de produzir textos e mais textos nas redes sociais, numa verdadeira queda de braço de quem ganha a competição pela resposta dita como mais acertada naquele “post”, mas não ousamos abrir a boca numa estação de ônibus ou metrô, no horário de pico, e conversar com a trabalhadora e trabalhador que estão desempregados e naquela semana desistirão de procurar trabalho e serão convertidos em mais um número frio nas estatísticas da informalidade brasileira.

As redes sociais tornaram-se o novo curral eleitoral moderno e instituíram uma bolha viciosa de padronização de um comportamento geral. Como diz a letra do Gonzaguinha “Deve fazer pelo bem nação tudo aquilo que for ordenado. Para ganhar um fuscão no Juízo final. E diploma de bem-comportado”.

Ao sair das redes reproduzimos esse comportamento virtual no dia a dia. As falas geralmente começam assim “eu fulano, branco, cis, blábláblá ou eu fulana, mulher negra, trans” e assim por diante. As gavetinhas da individualidade. O bagulho é tão tenso que as lutas táticas da diversidade sexual, negritude, agroecologia neste período se transformaram em mercadorias de consumo especializadas. Nesse cenário há até quem acredite na humanização do sistema capitalista...

O início deste texto parte da afirmativa de que a história não é linear. Ufa! Confesso que tenho receio do que estamos apontando como contraponto ao que está colocado pelo nosso inimigo.

Enfim, no aguardo do próximo fake da semana! Até quando?

Andreia Roseno compõe a Rede de Mulheres Negras de Minas Gerais.

Edição: Joana Tavares