Paraná

Luta pela terra

Padres e pastores realizam ato inter-religioso em área ameaçada de despejo, no PR

Ação ocorreu nesta quinta-feira (24) pela manhã, na comunidade Ester Fernandes, em Alvorada do Sul, norte do estado

Curitiba (PR) |

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Comunidade Ester Fernandes abriga cerca de 50 famílias
Comunidade Ester Fernandes abriga cerca de 50 famílias - MST-PR

Na manhã desta quinta-feira (24), mais de 400 pessoas se reuniram em um ato inter-religioso em apoio às famílias da comunidade Ester Fernandes, em Alvorada do Sul (PR), onde cerca de 50 famílias estão sob ameaça de despejo. A ação ocorreu no próprio acampamento e foi marcada pela solidariedade e pela fé, com a presença de autoridades religiosas e políticas, além de moradores da comunidade e de municípios da região.

O pastor Carlos Xavier, integrante da Igreja Presbiteriana de Londrina, frisou o problema social causado pela concentração da terra em poucas mãos. “A nossa visão é de que a terra é um dos maiores frutos do Deus da criação, e ela foi dada não para o latifúndio, mas para o homem viver em harmonia com a natureza”.

Na leitura de Xavier, os trabalhadores e trabalhadoras moradores da comunidade Ester Fernandes ocupam a terra não apenas com interesse meramente financeiro, “estão aqui também porque possuem a vocação de viver da própria terra, de ter uma comunhão com a terra e com os irmãos que dela tiram o seu sustento”, enfatizou.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também participou da atividade em solidariedade às famílias. Diego Moreira, da direção estadual do MST, relacionou a situação das famílias ao momento difícil pelo qual o Brasil passa, em que as famílias acampadas estão entre as mais afetadas. “Essa famílias vivem uma situação de muita vulnerabilidade em função das ameaças de despejo, da pressão feita pela Polícia Militar, pela judicialização da reforma agrária”, disse.

No caso do Paraná, sete comunidades camponesas já foram destruídas desde o início da gestão de Ratinho Junior (PSD) à frente do governo estadual. Ao todo, há cerca de 90 ocupações de camponeses. “São famílias que estão há 10, 15, 20 anos produzindo, comunidades que têm escolas, que têm equipamentos públicos instalados, energia elétrica, canalização de água. É uma preocupação muito grande das famílias, desde idosos até as crianças. Todo mundo apreensivo, angustiado com a possibilidade de perder tudo que construiu e tudo que tem”, relata o dirigente do MST.

Para Marlon Cruz Prêmoli, presidente da Câmara de Centenário do Sul, município vizinho a Alvorada do Sul, o despejo contra a comunidade Ester Fernandes seria uma injustiça. “Estou vindo aqui pra dar o apoio. As famílias estão há mais de 10 anos aqui, plantando e colhendo, vivendo dessa terra, uma terra que já foi declarada improdutiva”, defende.

Também estavam presentes no ato a Irmã Ângela, Diocese de Londrina, representando o Arcebispo Dom Geremias Steinmetz; os integrantes da Comissão Pastoral da Terra, João Naves e Isabel Cristina Diniz; o padre João Cararuna, Igreja Católica; o pastor Carlos Klein, da Igreja Presbiteriana de Londrina; a Irmã Gilda, integrante da Pastoral Migrante de Londrina; e o pastor José de Pádua, da Igreja Batista de Centenário do Sul.

A ameaça de despejo imediato começou nesta segunda-feira (21), quando pelo menos 10 carros da Polícia Militar e ônibus contratados pelo grupo Atalla foram até a entrada da fazenda para executar uma ordem de reintegração de posse. O despejo acabou não ocorrendo pela forte chuva que atingiu a região. As famílias acampadas fazem parte da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e vivem na área desde 2008.

Histórico da área

A área, de 692 hectares, é chamada fazenda Palheta e pertence ao grupo Atalla, proprietário da Usina Central do Paraná. A fazenda foi classificada pelo Incra como grande latifúndio improdutivo em 2008, e ocupada pelos agricultores e agricultoras sem terra em janeiro de 2009. A área faz parte de 10,6 mil hectares declarados improdutivos pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em sete imóveis do grupo, localizados em Centenário do Sul, Florestópolis, Porecatu, Jaguapitã, Guaraci, Miraselva e Alvorada do Sul.

Além da improdutividade das terras, o grupo Atalla deve cerca de R$ 650,2 milhões para a União e foi flagrado com trabalhadores em situação análoga à escravidão, a partir de investigação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal. 

O agricultor Samuel Pereira mora no acampamento com a família e relata ter sido uma das pessoas que enfrentou condições desumanas de trabalho em terras dos Atalla. “Eu posso dizer que eu mesmo nasci na terra dos Atalla e posso falar que a gente passou por desigualdade social, passamos até necessidade de pão por atraso de pagamento, serviço escravo. Eu sou uma das testemunhas”. Pereira garante que ele e a família vão resistir. “A gente quer um pedaço de terra pra poder sobreviver”, afirma.

O município de Alvorada do Sul integra a Região Metropolitana de Londrina, norte do Paraná. 

Edição: Lia Bianchini