Rio Grande do Sul

PRIVATIZAÇÃO

PEC 280 propõe acabar com plebiscito para venda do Banrisul, Corsan e Procergs

Projeto da bancada governista do RS quer tirar direito da população gaúcha decidir futuro das empresas públicas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RSO |
Trabalhadores e sindicatos estão empenhados na defesa das empresas públicas
Trabalhadores e sindicatos estão empenhados na defesa das empresas públicas - Foto: Tatiane Lopes/CVNH

Depois de perder o direito de ser consultada a respeito da venda de três importantes empresas públicas do setor de energia (CEEE, CRM e Sulgás), a população gaúcha corre o risco de novamente ser silenciada sobre o futuro do Estado. Tramita na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) a Proposta de Emenda Constitucional 280 (PEC 280/19), que propõe retirar a obrigatoriedade de plebiscito para a privatização do Banrisul, da Corsan e da Procergs.

De autoria do deputado Sérgio Turra (PP), que compõe a base governista de Eduardo Leite (PSDB), a PEC 280 foi apresentada no dia 10 de setembro, já com a assinatura de 24 parlamentares. O texto pretende revogar os parágrafos 2º e 5º do artigo 22 da Constituição Estadual, que preveem consulta popular para a venda das três estatais. Está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde o dia 15 de outubro, com a relatoria de Elisandro Sabino (PTB), um dos deputados que assinou a proposta. Dos 12 membros da CCJ, são necessários que sete sejam contrários à PEC para que ela não vá ao plenário.

Plebiscito foi conquista dos trabalhadores

Denise da Fetrafi-RS, à frente, e Everton Gimenes, do Sindibancários/RS | Foto: Divulgação Sindibancários 

Conforme explica a diretora da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do RS (Fetrafi-RS), Denise Falkenberg Corrêa, a obrigatoriedade do plebiscito para a venda do Banrisul foi conquistada em 2002, através de uma emenda popular que passou pela aprovação de 2/3 das câmaras de vereadores do RS. “Foi no governo de Brito e FHC que iniciamos nosso périplo pela câmaras e o plebiscito foi aprovado pela ALRS por unanimidade em 2002, justamente porque não podemos ter outras experiências desastrosas como a que tivemos, sem que o povo seja consultado”.

Foi um período de intensa luta dos bancários, em que a sociedade sentia os prejuízos da extinção da Caixa Econômica Estadual. A Corsan foi incluída no momento da votação da PEC em primeiro turno. Já a Procergs passou a necessitar de plebiscito para sua venda em 2004, também por conta da mobilização dos trabalhadores, durante o governo Rigotto.

Para Everton Gimenes, presidente do Sindibancários/RS, o governador está sendo desmascarado, já que ele afirmou durante a campanha eleitoral que não venderia o Banrisul. Em setembro, porém, após suspensão de vendas de ações do banco, ele admitiu que poderá discutir a privatização caso a Assembleia paute o debate. “Sabemos agora que ele mentiu e está terceirizando a tarefa de vender o Banrisul, a Procergs e a Corsan para a Assembleia Legislativa. O autor da PEC é da base do governo e o relator do parecer na CCJ é do partido do vice-governador. Então, tem dedo do governo do Estado na PEC 280, embora o governador tenha investido bastante no ocultamento de suas digitais”, denuncia.

Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Banrisul Público da ALRS, o deputado Zé Nunes (PT) considera “estranho que o governador do diálogo queira acabar com o plebiscito, com a consulta popular, e que não tenha coragem de se posicionar, jogando sua responsabilidade para a ALRS”. O deputado concorda que um projeto com este teor, apresentado por um parlamentar que lidera a bancada de apoio ao governo, é ação concatenada, e critica: “Não se pode negar a democracia participativa à população”.

Banrisul

Sindicalistas e servidores do Banrisul em ato contra a privatização, em Porto Alegre | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

O executivo gaúcho afirma que a privatização das estatais gaúchas é parte de um processo de ajuste das finanças públicas para superar a grave crise financeira. É uma das exigências do governo federal para o RS aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). “Nesta nova legislatura, temos uma visão mais privatista dentro do parlamento gaúcho. O fenômeno Bolsonaro trouxe para os parlamentos deputados que chegam a mentir sobre a importância do Banrisul para a economia gaúcha e se dizem abertamente favoráveis à venda”, critica o diretor do Sindibancários/RS.

Everton recorda que, mesmo com a atual restrição de privatização, o atual governo tentou vender um novo lote de ações do banco, no dia 19 de setembro, seguindo os passos já dados pelo ex-governadores Yeda Crusius e José Ivo Sartori. A venda, porém, foi cancelada. “Ele desistiu porque se trata de um mau negócio. Ele já havia vendido ações em 8 de abril deste ano. O Banrisul é fundamental na vida dos gaúchos. É como um produtor rural vender a vaquinha de leite para pagar dívidas. Que renda ele vai ter para alimentar a família? O Banrisul é público há 91 anos e bate recorde em cima de recorde de lucro”.

No mesmo sentido, a diretora da Fetrafi-RS aponta que a venda do Bansisul não resolve os problemas da crise que assola as finanças do Estado e ainda prejudica os gaúchos. “O Banrisul é uma empresa lucrativa e que bancariza a população gaúcha, é responsável por 30% do crédito do RS e em 103 cidades é única agência bancária presente. 80% dos clientes de pessoa física estão na faixa de três salários mínimos de renda mensal e o pacote de tarifas do Banrisul é o um dos mais baixos”, conta Denise.

O presidente do Sindibancários/RS ressalta a inconstitucionalidade da proposta. Conforme conta, durante a audiência pública da CCJ do dia 15 de outubro, o presidente da comissão, deputado Edson Brum (MDB), disse que votaria contra a PEC 280. “Quando nos reunimos com o Edson Brum no gabinete dele, ele foi além. Disse que a PEC 280 tem um vício de origem. Ela seria inconstitucional porque um projeto de venda de patrimônio público só pode partir do dono do patrimônio, no caso o governo do Estado, ou o governador. Deveria ser um projeto do Executivo”, afirma Everton.

Corsan

Trabalhadores das três categorias estão mobilizados contra a PEC | Foto: Sindppd-RS

O diretor de divulgação Sindiágua/RS, Rogério Ferraz, frisa que os riscos da privatização somente serão percebidos após a venda das empresas. “O Brasil corre hoje, na contramão do mundo. Onde havia privatização do saneamento, hoje está acontecendo a reestatização dos serviços pela pura inoperância do setor privado neste segmento”. Da virada do milênio até hoje, foram registrados 267 casos remunicipalização ou reestatização de sistemas de água e esgoto, aponta mapeamento feito por onze organizações majoritariamente europeias em reportagem da BBC Brasil.

Apesar da PEC 280 propôr o fim do plebiscito para a privatização da Corsan, Rogério chama a atenção para terceirização do saneamento que já está em andamento no RS com o edital de Parceria Público-Privada (PPP) lançado pelo governo do Estado em agosto de 2019. Ele explica que a empresa vencedora vai ter o trabalho de lucrar com os investimentos já realizado com dinheiro público: “Como o investimento necessário para a universalização do esgoto nas nove cidades escolhidas a dedo para a PPP é relativamente baixo, o governo teve que implementar serviços no projeto tocarão a empresa privada, como hidrometração e controle de perdas. Colocou tais serviços ao encargo da PPP para poder chegar num volume mais atrativo de pseudos investimentos privados”.

A PPP promete ampliar o tratamento de esgoto para 87 % em nove cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre, repassando à iniciativa privada esse mercado de saneamento por 35 anos. A empresa vencedora terá que investir R$ 1,85 bilhão, ao passo que receberá R$ 9,5 bilhões durante a vigência do contrato. Um relatório de auditoria realizada na Corsan traz a seguinte conclusão dos Auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre a PPP: “Notadamente, até por ser a região de grande concentração de investimentos, a PPP proposta possui, pois, um caráter mais de operação que propriamente de investimentos”.

“Sabidamente a Corsan atua em muitos municípios em que o investimento financeiro jamais terá retorno. Perfura poços, faz quilômetros de redes para atender meia dúzia de famílias. E isto a iniciativa privada não quer pois o lucro não existe. Passam somente a parte lucrativa do negócio, ficando para o estado e para o cidadão arcar com os custos de onde o serviço dá prejuízo”, critica.

Procergs

Audiência debateu PEC em Pelotas | Foto: Sindppd 

O Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do RS (Sindppd/RS) vem chamando a atenção para a grave agressão à soberania tecnológica nacional com os projetos de privatização das empresas públicas de Tecnologia da Informação (TI). Além da Procergs, no Estado, que corre risco com a PEC 280, o Serpro e a Dataprev estão na mira privatista do governo federal. No âmbito municipal, aponta do sindicato, a direção e a prefeitura de Porto Alegre estão fatiando a empresa para a iniciativa privada, com a terceirização de atividades.

“O governo Eduardo Leite está seguindo a cartilha liberal do seu partido, PSDB, que também está na prefeitura de Porto Alegre (Marchezan Jr.) e apoia o Governo Bolsonaro em nível federal: sucatear as empresas públicas para privatizar as partes mais lucrativas, beneficiando assim a iniciativa privada, e economizar arrochando os salários e retirando direitos dos trabalhadores. Quem sai perdendo somos nós, trabalhadores e a população em geral, que dependem do serviço público e terão que pagar mais caro por estes mesmos serviços na iniciativa privada os quais, em grande parte dos casos, serão de menor qualidade. É a política do Estado mínimo para os trabalhadores, Estado máximo para megaempresários e banqueiros”, aponta a secretária geral do Sindppd/RS, Vera Guasso.

Conforme explica o Sindppd/RS, a Procergs é superavitária e presta inúmeros serviços à população gaúcha. Entre os principais sistemas e sites, aplicativos e serviços online desenvolvidos pela empresa estão os sistemas Tudo Fácil; do DETRAN; da segurança (Polícia Civil, Brigada Militar, cercamento eletrônico e videomonitoramento); da saúde (sistema de agendamento de Consultas pelo SUS) e de Arrecadação da Secretaria da Fazenda. Além disso, é nacionalmente reconhecida pelo serviço prestado em soluções “e-gov”, tendo sido premiada pela criação da NFe (nota fiscal eletrônica). “Só para se ter uma ideia, a Procergs é responsável pelo processamento da NF eletrônica de 14 estados, o que representa 50% do PIB nacional”, frisa Vera.

Defesa da soberania 

Deputado Zé Nunes lidera a Frente em Defesa de um Banrisul Público | Foto: Guerreiro/Agência ALRS

“O atual governo se coloca como democrático, mas até este momento não foi capaz de apresentar nenhuma proposta para o desenvolvimento do Estado. Não escuta a população nem as entidades dos servidores e está atuando para atender aos interesses do mercado”, afirma o deputado Zé Nunes. Ele conta que a Frente Parlamentar em Defesa do Banrisul Público, em parceria com o Sindiágua, o Sindibancários e o Sindppd, está mobilizando trabalhadores em todo o Estado.

“Em Pelotas, foi realizada uma audiência pública para discutir a PEC 280/2019. Um dos encaminhamentos foi a criação de uma comissão regional para organizar um conjunto de ações nos municípios contra a proposta. Em Osório, uma audiência está marcada para o dia 6 de novembro”, conta. Além disso, uma comissão com representantes dos três sindicatos está visitando os deputados que integram a CCJ.

Ainda com data a definir, há a realização de uma audiência pública na ALRS, proposta pela deputada Juliana Brizola (PD), que declarou ser contrária à PEC, que “tem o claro intuito de abrir caminho para a entrega das nossas empresas, sobretudo o Banrisul”. Além disso, moções de apoio à defesa das empresas públicas gaúchas estão sendo apresentadas pelas Câmaras de Vereadores de vários municípios, como em Canoas, Parobé, Nova Hartz e Cachoeira do Sul, e a frente vem num esforço para ampliar o apoio em todo o Estado.

Petição online

O SindBancários liberou, através de sua ferramenta “Dialoga”, uma petição online para os gaúchos enviarem aos parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa Gaúcha. Trata-se de uma plataforma de envio de uma carta para os 12 deputados estaduais que fazem parte da CCJ. Confira a petição: http://dialoga.sindbancarios.org.br/a-populacao-precisa-ser-consultada-sobre-a-venda-do-banrisul/

 

Edição: Marcelo Ferreira