Paraíba

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES

"Eu fui vítima há poucos dias. Muitas mulheres sentem vergonha", diz Edneide Nóbrega

Militante alerta sobre a importância de denunciar casos de agressão e de poder contar com uma rede de apoio e proteção

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, segundo Datafolha.
Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, segundo Datafolha. - Foto: Paulo Pinto / Reprodução

É fato que nas últimas décadas, as mulheres conquistaram inúmeros direitos, no entanto, ainda é alarmante o número de casos de violência contra as mulheres. A partir da promulgação da Lei Maria da Penha no ano de 2006, é obrigatório a inclusão de dados sobre a violência doméstica contra as mulheres nos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança, sendo assim, acaba visibilizando os incontáveis casos em que as mulheres são postas em condições de submissão e desrespeito humano. Desigualdades de gênero podem ser visibilizadas, também, através de dados colhidos a partir da realidade e condessados pelo Instituto Brasileiro de Geografia  e Estatística (IBGE). Segundo este Instituto, em 2018, as mulheres que exercem alguma atividade profissional, dedicam 73% de horas a mais para tarefas domésticas do que os homens, e ainda têm a remuneração salarial inferior a deles. 
Há outros fatores que tornam visíveis o quadro de violência e desigualdades que as mulheres estão inseridas. Pouco acesso a políticas públicas de saúde e segurança, com apenas 7,9% dos municípios possuindo delegacias especializadas no atendimento à mulher, dado da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic). Em 2018, foram 221.238 registros de casos que se enquadram na Lei Maria da Penha, um número assustador mas ainda não é preciso, já que inúmeras mulheres não chegam a fazer denúncias. Na Paraíba, estudo publicado pelo Anuário Brasileiro da Violência 2019 mostrou que as denúncias cresceram 53% no último ano. 
Não é possível dizer que apenas um tipo de mulher pode vir a sofrer violência, nem mesmo afirmar que o fato de sabermos como ela se configura, livra as mulheres de uma possível agressão.

Hoje, vamos contar o relato de Edneide Nóbrega do Rego. Assistente Social, especialista em políticas públicas, atua como educadora popular e é ativista desde os 13 anos de idade, atualmente, pauta bandeiras de lutas pela igualdade de gênero, “defendendo a vida em toda sua plenitude”, como a mesma coloca. 

Edneide Nóbrega do Rego / Arquivo Pessoal.


Em entrevista para o jornal Brasil de Fato, Edneide relata que, apesar de ser militante e feminista, se viu dentro de uma situação de violência por parte de seu ex- companheiro que é da cidade de Areia, no brejo paraibano, e resolveu denunciar.
“Eu fui vítima a poucos dias, a importância de denunciar porque muitas mulheres sentem vergonha, outras sentem medo. Algumas mulheres não denunciam, hoje eu entendo um pouco melhor, outras não tem condições de sair de casa porque a sociedade machista e capitalista não permite que a mulher tenha a mesma autonomia econômica e condição financeira que o homem, nós escutamos também muito o medo das mulheres porque como existe um grande número de mulheres assassinadas, elas têm medo que chegue até o fato de serem assassinadas. E as mulheres da classe média sentem vergonha de ir até uma delegacia denunciar a forma de violência”, disse Edneide. 
Ela pontuou que enquanto mulher militante e ativista dos movimentos sociais sempre foi firme na luta, mas que após ter passado por uma situação de violência com o ex-companheiro, se coloca ainda mais sensível à causa do feminismo, destaca que é extremamente importante que haja denúncias e que a delegacia especializada de atendimento à mulher deve estar de prontidão para atender às vítimas de violências, pois nos finais de semana a delegacia está fechada, o estado deve assegurar esta política de segurança. Ela ainda diz que “existe toda uma rede de proteção, toda uma rede que vai lá e fortalece, por exemplo, eu cheguei na delegacia só. Quando eu cheguei de imediato começaram a chegar às demais companheiras que estão articuladas no território com os GT’s (Grupos de Trabalhos) de mulheres, existem partidos comprometidos com a nossa luta, os sindicatos que trabalham também”. 
Edneide destacou o trabalho desenvolvido por mulheres numa articulação em rede, o que possibilita a promoção de ações de políticas públicas para mulheres vítimas das inúmeras formas de violência pela cultura machista e patriarcal. Edneide também levantou a necessidade de desconstruir a cultura presente na sociedade a cada geração, que alimenta a ideia de que a mulher está numa situação de inferioridade aos homens, essa é uma luta constante na qual o objetivo é tornar a sociedade justa e igualitária. Em seu último trabalho, Edneide desenvolveu dentro de um ano, 42 oficinas, pontuando a importância de falar sobre a violência contra mulher, mostrando a mulher que é a vítima e não deve sentir vergonha, deve denunciar os crimes. 
Além de destacar a importância do atendimento especializado nas delegacias, Edneide, também destaca o papel grandioso desempenhado pelo Centro Estadual de Referência da Mulher Fátima Lopes, situado na cidade de Campina Grande - PB que desde 2012 tem atendido mulheres vítimas de violência, com acompanhamento jurídico e psicológico. 
“Então não é vergonha, tem que denunciar. Hoje eu sou mais forte, eu hoje sou uma mulher mais forte para levantar a bandeira de igualdade e justiça. Eu hoje sou uma mulher mais forte, mais segura e que consigo compreender o sentimento das outras mulheres que são agredidas, eu hoje ministrando uma palestra ou fazendo uma oficina vou entender o sentimento daquela mulher quando falar pra mim que não vai denunciar, vou entender o sentimento de medo, vou entender o sentimento de amor, porque você não deixa de amar. O amor não acaba, ele vai se desconstruindo, você vai tirando, vai arrancando porque você não pode alimentar um sentimento por uma pessoa que ao invés de te proteger, na verdade te violentou. Hoje eu compreendo melhor isso, porque quando eu terminava uma palestra eu ficava me perguntando como é isso, porque as mulheres permanecem”. 
Como orientação e recado para outras mulheres, Edneide, apresenta que primeiramente as mulheres devem denunciar e solicitar de imediato a medida protetiva. Caso haja uma situação de medo e ameaça, a mulher deve ir para a casa de um parente ou pessoa confiável e logo em seguida contatar o Centro Estadual de Referência da Mulher Fátima Lopes, cujas informações sobre o atendimento podem ser obtidas na Rua Pedro I, 558, no bairro São José - Campina Grande (Telefone: 3342 9129), que vai encaminhar a vítima para um local seguro. Destaca também que a saída do lar devido a uma situação de risco não se configura em abandono de lar e que não precisa ter medo de perder os bens materiais e patrimonial. É necessário também se atentar a violência psicológica, que tiram vidas. 
    “Essa história de que não se mete a colher em briga de marido e mulher, isso ajuda que mais mulheres morram. Eu meto, sempre meti e agora nesse processo entendi mais ainda a importância de se meter. Quando você vê uma mulher sendo agredida, denuncie! Você não precisa ser amigo, presenciou, denuncie. Nenhuma mulher a menos e a luta continua, por uma sociedade justa, igualitária, fraterna. Onde todos nós, mulheres e homens possamos caminhar juntos, porque nós não queremos tirar o espaço de ninguém, queremos nosso espaço de direito que nos foi arrancado”. 

Edição: Heloisa de Sousa