Diversidade

Influência religiosa pode comprometer atuação dos Conselhos Tutelares

Conselheiro recém-eleito ressalta que a função do órgão é olhar para o cidadão como detentor de direitos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O bairro Bela Vista, onde Danilo Martinelle atua como conselheiro tutelar, é formado pelas regiões do Bixiga e do Morro dos Ingleses
O bairro Bela Vista, onde Danilo Martinelle atua como conselheiro tutelar, é formado pelas regiões do Bixiga e do Morro dos Ingleses - Pedro Stropasolas

Danilo Martinelle é um dos 255 conselheiros tutelares eleitos no mês de outubro em São Paulo. No total, foram escolhidos 30 mil representantes para os quase 6 mil Conselhos Tutelares em funcionamento no Brasil. 

"O conselho tutelar tem a função de garantir o vínculo do núcleo familiar, de garantir a saúde mental da família, de garantir a saúde mental nas escolas, no território”, explica Martinelle.

O órgão foi criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 e é um dos principais espaços de democracia participativa no país.

Ao todo, 145 mil pessoas votaram no último processo eleitoral em 304 pontos da capital paulista-- em 2018, foram 113 mil pessoas que participaram da escolha. Dos 52 distritos, quatro regiões vão passar por novas eleições em dezembro: Pinheiros, Pirituba, Cidade Tiradentes e Grajaú.

De acordo com a lei, eles devem atuar contra a violação dos direitos das crianças e adolescentes. E quando necessário, notificar o Ministério Público e o Poder Judiciário.

Martinelle assumiu a titularidade do Conselho Tutelar do bairro Bela Vista, na capital paulistana, onde vive com o marido e a filha de 6 anos. Ele destaca que o distrito é um símbolo da diversidade que existe no Centro da cidade.

“Eu não posso falar da diversidade se eu não a vivo a diversidade, se eu não vivo o território. Aqui, nesta região de São Paulo, você encontra o mundo. São várias etnias, raças, cores, crenças… Estamos todos aqui", ressalta.

O relato coincide com uma das discussões que permearam o processo eleitoral de 2020: a diversidade e a representatividade nos Conselhos Tutelares.

Isso porque, as igrejas fizeram campanhas massivas para tentar eleger representantes em todo o país. A intenção: influir sobre as decisões políticas no campo da infância e da juventude. Entre os temas que mobilizaram católicos e evangélicos está o controle do ensino sobre sexualidade e gênero nas escolas. 

Pouco antes da eleição, a Igreja Universal do Reino de Deus -- do bispo bilionário Edir Macedo -- fez uma publicação intitulada “Conselho Tutelar: é nosso dever participar”. O texto estimulava os leitores a votarem em "pessoas com valores e princípios e que, acima de tudo, tenham compromisso com Deus".

Em São Paulo, a campanha resultou em postos de trabalho. Embora tenha sido registrado um bom número de candidatos progressistas na lista de eleitos, 34,2% (84) dos representantes escolhidos têm vínculo com igrejas - muitos com a própria Igreja Universal.

 

A função do conselho tutelar não é olhar a religião, não é  olhar a sexualidade, é olhar o cidadão como detentor de direitos.

 

Para Martinelle, a influência de crenças religiosas nos conselhos pode agravar os casos de violação de direitos, como a omissão em situações de homofobia nas escolas. 

“Não é segredo que a homossexualidade, a homoafetividade é considerada pecado em determinadas religiões. Mas, na lei não. Então, nós temos que entender que se a pessoa chegar na mesa de um órgão e encontrar alguém que vai dizer que você está pecando, ele está desrespeitando a constituição. A função do conselho tutelar não é olhar a religião, não é  olhar a sexualidade, é olhar o cidadão como detentor de direitos".

Em São Paulo, os conselheiros tutelares têm atuação autônoma, mas compõem a Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Os eleitos terão quatro anos de mandato (de 2020 a 2024).

 

Edição: Katarine Flor