Coluna

Presunção de inocência, os votos dos ministros, a Constituição e a "opinião pública"

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Ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello no julgamento sobre prisão em segunda instância
Ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello no julgamento sobre prisão em segunda instância - Carlos Alves Moura/Divulgação STF
Um juiz vota quase se desculpando por cumprir a Constituição

Estive presente em todas as quatro sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou as ações declaratórias de constitucionalidade números 43, 44 e 54, que tratavam da constitucionalidade do Artigo 283, do Código de Processo Penal em face do Artigo 5º, inciso 57, da Constituição Federal de 1988.

Acho oportuno, além de obviamente comemorar a reposição jurisprudencial, que abraça a presunção de inocência como princípio inamovível (que só pode ser removido nos casos previstos em lei), discutir pontos dos votos dos senhores ministros que indicaram questões a serem tratadas em futuros próximos.

Na disputa de narrativas, alguns tópicos chamaram a atenção. Além das estapafúrdias e inexplicáveis “pesquisas” do ministro Luís Roberto Barroso, para quem a autorização para prender em segunda instância diminuiu os números de prisões, o voto de Luiz Fux listou, espantosamente, casos famosos em que os réus tiveram prisão cautelar decretada e permaneceram presos, sem que possam ser afetados pela decisão das ações declaratórias em debate.

Auxiliou a disseminar a desinformação de que “bandidos perigosos” seriam soltos. Por seu turno, o esperado voto, já sabido de antecedência que seria de desempate, do ministro Dias Toffoli trouxe uma série de teses que não podem ser desprezadas.

A parte dispositiva de “dou procedência às ações”, foi antecedida de diversas ponderações e encaminhamentos que buscam mitigar o resultado, como o anúncio de pauta, ainda para este ano, do Recurso Extraordinário nº 1235340, de Santa Catarina, cuja repercussão geral já fora admitida, de relatoria do ministro Luis Roberto Barroso, para possibilitar a execução antecipada da pena no caso de condenação emanada do Tribunal do Júri, o que corresponderia, inclusive, à instância única. Também cuidou o ministro de instar o Poder Legislativo a proceder as alterações nos textos legais, caso assim entenda.

Não se ignora que há um profundo debate apartado acerca da soberania das decisões do Júri. Bem como sobre a compatibilidade desse princípio, não apenas com o da presunção de inocência, mas também, e sobretudo, com o duplo grau de jurisdição. O que chama a atenção é que a pauta apressada parece vir em socorro do sentimento da Corte de dar resposta ao dito “clamor social”, ou opinião pública, no que tange aos crimes violentos e à sensação de impunidade, que ronda a sociedade. Um juiz vota quase se desculpando por cumprir a Constituição.

Por outro lado, provocar o Congresso Nacional para que altere a legislação é fazer a antítese do ativismo judicial, já que, neste caso, o papel de afirmar se dispositivos estão de acordo com o texto constitucional é mesmo do Supremo, não do Parlamento. Além disso, a postura atrai nova altercação sobre o caráter de cláusula pétrea do Artigo 5º, inciso 57, da Constituição Federal.

Não por acaso, imediatamente após a finalização do julgamento, tanto Câmara dos Deputados quanto Senado Federal colocaram nas suas respectivas pautas propostas de emenda à Constituição, que tratam de rever, no texto constitucional, o conteúdo objeto das ações.

Não menos extravagante foi o voto do Ministro Celso de Mello, o decano  do STF, que, a par de fazer a defesa mais contundente do princípio da presunção de inocência durante mais de duas horas, mantendo o entendimento que tem desde 1989, como ele mesmo afirma, dedicou alguns vários minutos do início de sua sustentação ao ataque à corrupção na política, fazendo uma defesa veemente da Operação Lava Jato, que, segundo ele, revelou “uma macrodelinquência na corrupção governamental”. 

Desse modo, o ministro, que possui um apego à legalidade para resguardar direitos, indica se sentir compelido a discursar com o uso da palavra corrupção como conceito padrão para a impunidade de políticos, mencionando, inclusive, o processo conhecido como “mensalão”, a Ação Penal 470, o maior símbolo de catarse nacional antes da Lava Jato, e também objeto de ímpeto de indignação em uma moral seletiva.

Deixou o decano, contudo, de emitir qualquer vírgula acerca do proceder ético que envolve, inclusive, acusações de tentativas de desvios de dinheiro público por membros da força-tarefa da Operação Lava Jato.

O resultado da votação das ações declaratórias de constitucionalidade foi, de fato, muito significante. Recolocou o Supremo como fiel cumpridor do texto constitucional. As consequências das tergiversações dos votos de alguns ministros iremos sentir a partir de agora. 

  

Edição: Camila Maciel