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Artigo | Projeto de Lei da prefeitura piora condições de moradia e agricultura no Rio

Proposta apresentada pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB) não leva em conta a agricultura urbana na cidade

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Dona Isabel no Bosque das Caboclas, quintal agroecológico no bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio
Dona Isabel no Bosque das Caboclas, quintal agroecológico no bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio - Sílvia Baptista

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 141, pautado pela prefeitura do Rio de Janeiro, tramita atualmente na Câmara dos Vereadores. Ele busca modificar fundamentos importantes do Plano Diretor e da Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos) sem um debate amplo com a sociedade, principalmente com aqueles diretamente afetados, como moradores das favelas, periferias, agricultores urbanos e movimentos de moradia popular. Cabe frisar a não existência de audiências públicas descentralizadas, buscando incorporar dimensões que sequer foram mencionadas na justificativa do PLC.

Até agora, houve duas audiências na Câmara, sendo que uma delas, do último dia 12 de novembro, foi marcada na mesma data em que o Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social estava sendo discutido na Assembleia Legislativa. Isto mostra a tentativa de desmobilizar para a tramitação de mais um PLC do prefeito Marcelo Crivella (PRB). Nem mesmo o Conselho de Política Urbana da Cidade (Compur) participou da apreciação de tal proposta normativa.

O artigo 1º do PLC vai contra os acordos firmados internacionalmente, como o Pacto de Milão, que inclusive teve seu encontro regional sediado no Rio nesse ano. Não há uma coerência da atual gestão municipal. Ao fomentar a produção imobiliária em todas as regiões da cidade, inclusive, acima da cota 60 (um cálculo feito a partir do nível do mar), a prefeitura não leva em conta a agricultura urbana. De acordo com a Emater-Rio (2019), há mais de 1.505 agricultores urbanos na cidade, isso sem falar dos quintais produtivos não contabilizados. A cidade do Rio de Janeiro é a maior produtora do Estado de banana e acerola, a quarta maior de manga e a quinta de caqui, segundo dados do IBGE de 2017.

Em seu artigo 21º, o Projeto de Lei flexibiliza a permeabilidade exigida pela Luos. A região de expansão do capital do Rio de Janeiro é justamente a zona oeste, com áreas alagadiças e brejos, cujo número de nascentes pode ser diretamente afetado por esse PLC. Essa região já sofre grande fragilidade ambiental (em Vargem Grande, por exemplo, apenas 29% das residências têm cobertura de esgoto), enquanto tem forte presença de agricultura urbana, ameaçada pelo encarecimento dos terrenos com o avanço da especulação imobiliária. Tal cenário já foi demonstrado em estudos que embasaram o Plano Popular das Vargens, documento elaborado por moradores e pesquisadores em 2017.

Quem defende o PLC 141 fala que ele é importante para a geração de renda. Em outras palavras, a produção imobiliária desregulamentada propiciaria empregos através da construção civil. Mas quantos agricultores urbanos cuja renda é proveniente da agricultura seriam diretamente afetados? Até que ponto a flexibilização de parâmetros que afetam nascentes, agrobiodiversidade e modos de vida ligados à agricultura urbana podem ser englobados nesse projeto de “desenvolvimento”?

Os quintais são pilares fundamentais da soberania alimentar. De acordo com a Rede Carioca de Agricultura Urbana, há pelo menos 18 feiras e pontos de comercialização de relação direta entre o produtor e o consumidor na cidade, como a feira de Freguesia, a feira da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a feira da Roça em Vargem Grande, onde acontece uma atividade cultural organizada pela juventude do Projeto Morar e Plantar nas Metrópoles no próximo domingo (24/11).

Diminuir ainda mais um parâmetro já amplamente criticado, como propõe o PLC 141, reforça o estigma de que os trabalhadores de menores rendimentos devem contentar-se com um teto para dormir. Afinal os espaços maiores, com suas “varandas gourmets”, são atributos cada vez mais de outra classe social.

*Caren Freitas é mestra em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Texto escrito em conjunto com a Teia de Comunicação Agroecológica (TECA) e a equipe do Projeto Morar e Plantar na Metrópole, que tem patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro(CAU-RJ).

Edição: Vivian Virissimo