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Anistia Internacional e indígenas pedem proteção da Amazônia contra grileiros

Instituição apresentou relatório que comprova relação entre pecuária ilegal, desmatamento e conflitos na região

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ato da Anistia Internacional com indígenas entregou um abaixo assinado com 160 mil assinaturas no Palácio do Planalto
Ato da Anistia Internacional com indígenas entregou um abaixo assinado com 160 mil assinaturas no Palácio do Planalto - Cristiane Sampaio

A pauta indígena voltou à cena dos destaques em Brasília nesta terça-feira (26), em um novo protesto popular.

Manifestantes da Anistia Internacional e lideranças de povos tradicionais se reuniram em um ato na frente do Palácio do Planalto para pedir proteção à Amazônia e às comunidades da região. Na ocasião, o grupo apresentou um abaixo-assinado com 160 mil assinaturas que oficializam o pedido.

“É uma mensagem clara, a mesma que estamos trazendo aqui e que diz: ‘Bolsonaro, proteja a floresta e os povos que vivem nela’. Não é uma novidade e não é nada que o presidente não tenha o dever de fazer cumprir”, disse a diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.

Bolsonaro negou encontro

A entidade destacou que fez contato oficial com o Palácio no início do mês para pedir um encontro com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), mas foi informada de que a audiência não seria possível.

De acordo com Werneck, o Planalto indicou que a Anistia poderá tentar uma reunião com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Atualmente, o órgão responsável diretamente pelas populações indígenas é a Funai, que está sob o guarda-chuva administrativo do Ministério da Justiça.

“Nós retornamos o contato com o Palácio pra dizer que estamos tratando de povos indígenas, comunidades tradicionais, e que a esse respeito o Salles não tem nada que possa colaborar ou fazer cumprir. Sem contar que as 160 mil assinaturas que recolhemos são dirigidas a ele [Bolsonaro]. Lamentamos terrivelmente essa indisponibilidade de nos receber, e é a segunda vez. A gente lamenta a dificuldade que o presidente tem de dialogar com o seu povo. Nós não desistimos. Vamos continuar tentando falar diretamente com ele”, frisou Werneck.

“É uma mensagem clara, a mesma que estamos trazendo aqui e que diz: ‘Bolsonaro, proteja a floresta e os povos que vivem nela’. Não é uma novidade e não é nada que o presidente não tenha o dever de fazer cumprir”

O protesto da Anistia Internacional com indígenas é mais um capítulo do conjunto de manifestações que o governo enfrenta no país a respeito do tema, apontado como um dos pontos críticos da gestão Bolsonaro.

Entre outras coisas, este primeiro ano de mandato tem sido marcado pelo aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia, com avanço também das manifestações de violência contra as comunidades tradicionais, com destaque para o racismo.

“Com tudo isso, mesmo com relatórios em mãos, dados oficiais, com pessoas em carne e osso querendo dialogar, o presidente não tem nos recebido. Lamentamos isso. A gente quer dialogar e sentar. A gente gostaria muito de conversar com ele porque é ele quem responde”, disse Giovani Tapura, líder indígena Manoki do Mato Grosso, estado que integra a Amazônia Legal.

Relatório

Durante o protesto, os manifestantes apresentaram o relatório “Cercar e trazer o boi: pecuária bovina ilegal na Amazônia brasileira”, produzido pela Anistia Internacional, que mostra a relação entre a pecuária ilegal, o desmatamento e os conflitos na região.

Para produzir o material, a entidade realizou visitas de campo, entrevistas e analisou dados e imagens de satélite.

De caráter inédito, a pesquisa destaca que a criação ilegal de gado na Amazônia é a principal indutora da grilagem – apropriação irregular de terras – que avança sobre reservas extrativistas e terras indígenas, afetando áreas legalmente protegidas.

O documento denuncia que autoridades estaduais facilitam a atuação de criadores ilegais de gado na floresta tropical amazônica e que o problema se arrasta ao longo do tempo.

 

No brasil, são aproximadamente 172 milhões de cabeças de cabeças de gado, de acordo com o Censo Agropecuário, de 2017 (Foto: Saul Schramm)

O relatório mostra que, entre 1988 e 2014, cerca de dois terços das áreas desmatadas da Amazônia foram queimados e convertidos em pastagens

A área total afetada foi de 500 mil km², que equivale a cinco vezes o tamanho de Portugal.

Imagens de satélite analisadas pelos pesquisadores mostram que, em vários casos, as áreas incendiadas por desmatadores estão próximas da pastagem de bovinos.

“Em alguns casos, os prováveis caminhos que os bovinos percorreram em locais que haviam sido recentemente queimados eram visíveis”, afirma a Anistia.  

O relatório da entidade sublinha também que outros problemas se somam aos pesadelos dos povos tradicionais da Amazônia além da criação ilegal de gado, como é o caso da construção de estradas e da instalação de acampamentos em áreas protegidas. Lideranças indígenas destacam que a questão se conecta ao comportamento do governo Bolsonaro diante do tema.

 

Registro aéreo de área derrubada da floresta amazônica em Porto Velho (RO), um dos municípios campeões de desmatamento, segundo o Inpe (Carl de Souza/AFP)

O cacique André Karipuna, de Rondônia, aponta que, ao afrouxar proteções ambientais e negar os dados que mensuram a devastação da região amazônica, a gestão contribui para a violência contra os povos tradicionais. A situação é considerada crítica, por exemplo, na capital do estado, Porto Velho, onde mais de 40 km de novas estradas foram abertas desde 2017.

 “A gente sente isso na pele na forma de ameaças, grilagem, roubo de madeira, etc. Eu mesmo venho sofrendo ameaças, minha família e meu povo também. Não tenho sossego, não tenho paz. A gente anda muito preocupado com isso e com o que vai ser daqui pra frente, com esse governo atual. Não estamos pedindo novas leis ou algo do tipo. Estamos pedindo ação. A gente quer viver em paz e com sossego”, afirma Karipuna.

Ao final do protesto, os manifestantes protocolaram, no Palácio do Planalto, o abaixo-assinado e o relatório da Anistia Internacional.

Edição: Rodrigo Chagas