Eleições 2020

Orlando Silva quer a prefeitura de SP e critica espaço dado aos negros nos partidos

Para deputado federal, Bolsonaro é uma “página triste” em nossa história e só sobrevive se houver polarização

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
"Eu sou daqueles que crê que a política é o caminho necessário para que nós possamos ter justiça", afirma Orlando Silva
"Eu sou daqueles que crê que a política é o caminho necessário para que nós possamos ter justiça", afirma Orlando Silva - Foto: Pedro Stropasolas/Brasil de Fato

Um dos parlamentares mais influentes da política nacional, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) pode ser o primeiro candidato do partido à Prefeitura de São Paulo. O parlamentar se divide, hoje, entre reuniões preparatórias para o pleito e os compromissos com o mandato em Brasília (DF), onde compõe as fileiras da oposição ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido), que classifica como “uma página triste de nossa história”.

Continua após publicidade

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silva criticou o espaço dado aos políticos negros dentro das siglas partidárias. “O problema é o filtro que se dá na eleição. O filtro se dá no espaço dado pelos partidos aos negros e no financiamento oferecido aos candidatos negros. Aí se produz uma grave distorção. É uma sub-representação evidente”, argumenta o comunista.

Para se tornar candidato, o parlamentar precisa vencer as prévias internas do PCdoB -- por enquanto é o único pré-candidato -- e superar o histórico recente da legenda, de compor as chapas petistas no pleito para a capital paulista. “Eu fiz uma consulta à direção nacional do PCdoB. Eu falei assim: ‘Se for para jogar para valer, eu topo. Se for para brincar e ficar só no treino, convoca outro’”, afirma.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Como o senhor, baiano de nascimento, se muda para São Paulo e faz da cidade o seu berço político?

Orlando Silva: São Paulo é a cidade dos mil povos, é a cidade que acolhe tantos e tantos que vêm dos mais distintos lugares do Brasil e do mundo. Tive o privilégio de chegar em São Paulo em 1992, militante do movimento social. Eu era jovem, completei 21 anos de idade no ônibus vindo de Salvador para São Paulo. Tive o privilégio de, nessa fase, ser da União Nacional dos Estudantes, da UNE, às vésperas de um movimento importante, que foi o movimento dos caras pintadas, que explodiu uma mobilização gigantesca da juventude brasileira, que era uma movimentação de contestação do neoliberalismo, da orientação econômica do [presidente à época] Fernando Collor, que, bem parecido com hoje em dia, punha em risco a autonomia das universidades.

A minha chegada aqui foi pela luta social. Depois, eu fui presidente da UNE, e depois da presidência da UNE eu optei por ficar aqui por missão partidária, eu era um dirigente da juventude do nosso partido, e eu tomei a decisão de estudar na Universidade de São Paulo, retomar o curso de ciências sociais. E, a partir daí, fui criando os vínculos, as raízes, casamento aqui, filhos aqui.

O senhor é um dos principais articuladores no Congresso Nacional. Transita de Rodrigo Maia até Marcelo Freixo, transita entre os gabinetes. Como o senhor enxerga o atual cenário político?

Eu fui ministro do Lula, e eu vi como o Lula fazia escolhas e definia prioridades. Eu sou daqueles que crê que a política é o caminho necessário para que nós possamos ter justiça, igualdade de oportunidades, direitos para a nossa gente, um projeto de nação, um projeto de desenvolvimento. Eu tenho fé na política, e a política não se faz sem diálogo. É o básico.

O governo Bolsonaro é um desastre político, econômico e uma tragédia social. Nós não temos nada a comemorar com um governo que retira sistematicamente direitos. Ele está conseguindo de uma só vez destruir o Estado nacional, privatizar empresas importantes para a nação brasileira e para o nosso desenvolvimento. Ele coloca a democracia em risco, com a contestação permanente da participação popular, até mesmo da referências da disputa democrática do Brasil, ele retira direitos como foi na Previdência, agora em uma nova reforma trabalhista. É um governo que em toda linha é uma tragédia, e vive da polarização. Ele só sobreviverá polarizando, mantendo as suas milícias digitais e reais ativas.

Esse partido novo que ele criou é um pouco isso. É a face política desse padrão de agitação, de mobilização permanente dessas milícias digitais e desses ativistas ultra radicais de extrema direita. Terá vida curta, não tenho a menor dúvida, porque não tem nenhum significado histórico. Não tem natureza, não tem sentido de existir. O sentido é apenas ser um instrumento dessa fase do Brasil. Eu tenho convicção que será uma fase curta, tenho convicção que o governo Bolsonaro passará à história como uma página triste. Será apenas uma página triste da nossa história, como diz Chico Buarque, e junto com ele passará esse partido que não tem muito significado.

O senhor defendeu a candidatura do Rodrigo Maia à presidência da Câmara. Estamos terminando o ano. O senhor estava correto na defesa que fez?

Eu tenho convicção que sim. Quando nós elegemos Rodrigo Maia presidente da Câmara, nós não estávamos elegendo nem o líder da oposição nem o líder do governo, estávamos elegendo o presidente de um parlamento brasileiro. Eu conheço Rodrigo Maia, eu sei qual a cabeça econômica dele. Cabeça econômica que eu divirjo, ele tem uma visão liberal da economia, e eu tenho a visão de que o Estado tem que atuar na economia para atender o interesse nacional, e ele tem uma visão mais pró-mercado.

É que, ao meu ver, a disputa central do Brasil hoje diz respeito à sobrevivência da democracia. Eu sou daqueles que crê que a democracia brasileira corre riscos. Quando se ceifou a democracia na história, nunca foi feito em um estalar de dedos. Ela é minada aos poucos, paulatinamente. Quando nós observamos o levante social vivido no Chile, no Equador, recentemente, mesmo na Bolívia, e nós percebemos qual a reação do governo brasileiro, do governo Bolsonaro, que é mandar uma mudança na legislação, no tema relativo à Garantia da Lei e da Ordem, que permite o excludente de ilicitude. Ou seja, qualquer ato praticado por um militar não gerará punibilidade, não gerará responsabilidade. É como se cria as condições para uma forte repressão à uma resistência que seguramente virá, com mais ou menos intensidade, mas ela virá, porque um governo que produz um drama social que nós estamos vivendo não tem jeito.

A população vai até um limite e não suporta mais. E qual a resposta sendo preparada? É fechamento político, restrição do direito de manifestação. Portanto, em um ambiente que você não tem nenhum apreço pela democracia pelo presidente da República, você tem que ter no ambiente do Legislativo algum contraponto. Quando, por exemplo, se tentou fazer uma manobra grosseira contra o presidente Lula, tentando transferir para cá, em Tremembé [presídio no interior de São Paulo], quem levantou a voz em nome do parlamento foi ele próprio, dando o exemplo de que ali estava em jogo a democracia. Quando se ensaiou do Brasil fazer uma ofensiva na Venezuela, que seria um despropósito completo, o próprio presidente da Câmara levantou a voz, porque ali era um erro gravíssimo que o país iria cometer.

Por quê a esquerda não prega a luta antirracista e não tem nas presidências de seus partidos um histórico de presidência negra?

Em 2014, foi a primeira eleição para deputado federal que esse quesito foi inscrito no registro das candidaturas. Isso é uma conquista do Estatuto da Igualdade Racial. E isso é importante para que nós possamos ter, a partir da autodeclaração, saber quem é quem na disputa do ponto de vista étnico-racial. Quando você pega os inscritos apara a disputa de deputado federal, há uma proporção justa entre negros e não negros. O problema é o filtro que se dá na eleição. O filtro se dá no espaço dado pelos partidos aos negros, e no financiamento oferecido aos candidatos negros. Aí se produz uma grave distorção. É uma sub-representação evidente.

Eu considero que parte do problema está nos partidos, que não dão peso a essa causa. E eu posso falar isso sendo presidente de um partido aqui em São Paulo (PCdoB). Fui líder, tive as posições de destaque que tive no ministério, no governo líder de bancada, presidente de comissão. Aqui no estado, nossa deputada é uma mulher negra, e é provável que nós tenhamos em São Paulo, candidato à prefeitura de São Paulo capital, Guarulhos e Campinas -- as três maiores cidades do estado -- um negro e duas negras. O PCdoB tem o que mostrar, mas independente do PCdoB ter o que mostrar, o fato é que os partidos não têm na questão racial um tema relevante. Isso tem como consequência a redução da representatividade da política.

A falta de representatividade tem vários fatores que justificam. Um deles é que a população não se vê na elite política do Brasil. Toda vez que eu subo a tribuna da Câmara dos Deputados, que eu observo aquele plenário, eu poderia estar na França, poderia estar na Grécia, poderia estar em qualquer país europeu, se você observa a composição étnico-racial.

Mas há uma outra face do problema, que eu tenho criticado o movimento negro, é que nós, movimento negro brasileiro, não fomos capazes de produzir bandeiras que nos permitam avançar na superação dessa sub-representação. O movimento de mulheres, por exemplo, já teve a luta por cotas. Hoje, as mulheres fazem a luta por paridade de vagas. O movimento negro brasileiro precisa elaborar bandeiras claras que nos permita avançar na representação política. Não é fácil, mas tem que ser um tema permanente. Como a luta dos negros ainda está nos direitos essenciais, a começar pelo direito à vida, a participação política acaba secundarizada. Mas sem participação política, todos os outros direitos estarão comprometidos.

São Paulo é uma das forças motrizes do discurso de ódio contra a esquerda. Por que o senhor acredita que pode vencer esse movimento na capital paulista em 2020?

Porque é necessário. Nós vamos fazer a luta, vamos travar o combate. Eu estou convencido de que a experiência de governos populares no plano nacional foi muito importante, nós demos muitos passos na conquista de direitos, mas eu também estou convencido de que nós cometemos o erro básico, que foi sair da rua. O campo popular, democrático, progressista, tem que governar com o pé na rua. A nossa candidatura é uma candidatura para falar para o nosso povão. Eu quero falar para a quebrada, para a periferia, quero ganhar a eleição em São Paulo para governar para a periferia, governar para o povo pobre que é quem produz a riqueza da cidade.

Que aqui há uma tensão muito grande, um ambiente adverso à esquerda, há, mas nós não temos alternativa. Temos que ir de peito aberto discutir os temas, e inclusive tendo capacidade de fazer a autocrítica dos erros cometidos pela esquerda, porque não tem problema você fazer a autocrítica, e não sou eu quem vai pedir que o PT faça, eu não posso fazer isso, porque eu participei do governo do Lula, participei do governo da Dilma, fui parte dos acertos e dos erros. Se o PT vai fazer ou não, problema do PT, mas eu acho que quem participou do processo tem responsabilidade também.

O senhor, caso concretize a candidatura, será o primeiro candidato do PCdoB à prefeitura de São Paulo. Normalmente, o PCdoB acaba compondo uma chapa com o PT. O senhor afirma que irá até o final com a sua candidatura?

Eu fiz uma consulta à direção nacional do PCdoB, eu falei assim: "Se for para jogar para valer, eu topo. Se for para brincar e ficar só no treino, convoca outro". Eu não tenho tempo para perder, eu tenho disposição, vontade, garra, para batalhar a construção de uma candidatura forte, competitiva. Se tiver aliados, vamos, se não tiver, vamos também, fazer aliança com movimentos sociais, com os trabalhadores, e vamos adiante. Eu tô apostando nisso, na luta social, na luta popular, na mobilização social, na politização do nosso povo para a construção de um projeto. E foi nesses termos que eu discuti com o PCdoB, que não dá só para a gente treinar. Time que não joga, não forma torcida, e o PCdoB tem que se fortalecer porque tem que enfrentar cláusula de barreira, que ameaça a sua existência, e não há mais coligação. É quase uma imposição aos partidos terem candidatos. O PCdoB retirar a candidatura para apoiar qualquer outro partido, eu diria que será um suicídio, porque vai abrir mão de acumular forças para as tarefas que virão.

O PT pode anunciar o deputado federal Alexandre Padilha, ou o Jilmar Tatto. Janaína Pascoal e Joice Hasselmann podem vir pelo PSL, estão resolvendo questões partidárias. A Joice talvez saia do PSL, talvez fique, depende da movimentação. Bruno Covas deve tentar a reeleição. Como o senhor vê o cenário para essa disputa de 2020?

Nós estamos virando um certo ciclo, da redemocratização até 2018 houve uma disputa PSDB e PT, que se alternavam no poder. Esse ciclo acabou. Mais do que isso, a candidatura e a eleição de Bolsonaro foi um certo processo disruptivo. Uma candidatura que não tinha tempo de TV, que tinha menos recursos, conseguiu usando vários mecanismos legais e outros nem tanto, mas usando alternativas que permitiam romper o ciclo. Então acredito que é natural da mudança de ciclo essa pulverização.

Em 1989, quando houve a primeira eleição para presidente da República, também houve uma pulverização de candidaturas, porque correspondia ao início de um ciclo. Por isso que tenho convicção que será uma eleição pulverizada, teremos vários candidatos na disputa, e o primeiro você vota por opção, o segundo você vota por exclusão.

Orlando Silva pretende ser o primeiro candidato do PCdoB à Prefeitura paulistana (Foto: Pedro Stropasolas/Brasil de Fato)

Conversei com alguns cientistas políticos e eles acreditam que a eleição aqui em São Paulo tratará de temas nacionais, que vão sobrepor os dilemas municipais. Queria saber se o senhor concorda com isso e se o senhor também acha que essa eleição em São Paulo ganha tons de plebiscito em relação ao governo Bolsonaro.

São Paulo é uma cidade complexa. Em 1992, enquanto a juventude estava nas ruas pela ética na política, São Paulo elegeu Paulo Maluf contra Eduardo Suplicy. Marta Suplicy foi eleita em 2000 quando os tucanos governavam com folga o Brasil e o estado de São Paulo. E quando o PT ganhou a eleição, Marta Suplicy perdeu a eleição aqui em São Paulo. No auge do governo Lula, Kassab, relativamente desconhecido, conseguiu se reeleger. A eleição em São Paulo é curiosa. Não necessariamente a configuração nacional repercute diretamente aqui. Mas, por outro lado, seguramente com a polarização que está estabelecida, essa polarização nacional deve dar tons à disputa aqui em São Paulo.

Eu, que serei candidato a prefeito de São Paulo, quero governar a cidade de São Paulo, mas sei que essa cidade é ingovernável sem o governo federal, e sei que sem uma parceria com o governo federal não fica de pé, e Bolsonaro é incapaz de oferecer essa parceria. Então serei candidato a prefeito na cidade de São Paulo no campo anti-Bolsonaro. E vou atuar para construirmos um campo de diálogo de candidaturas diferentes desse campo democrático para que nós possamos manter em diálogo no primeiro turno e, no segundo, impormos uma derrota ao candidato bolsonarista. Não sei qual será o nome de Bolsonaro, mas o nome virá. E não é um nome desprezível. Por isso quero crer que Bolsonaro será um eleitor importante. Nós, no campo anti-Bolsonaro temos que fazer um espaço de diálogo, e quem estiver no segundo turno tem que estar junto para derrotá-lo aqui em São Paulo.

Transporte. Essa pauta guarda uma certa relação com a história recente do município. O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu em eleição que mexeria nos editais, que mexeria no bolso dos empresários. Acabou sucumbindo aos aumentos. O Bruno Covas (PSDB) manteve, na parceria com João Dória (PSDB), essa política dos aumentos anuais, e chegamos agora a R$ 4,30 no valor da passagem. O senhor tem intenção de mexer no bolso dos empresários?

Não só o atual governo manteve a política de subsídios, como deu mais folga aos empresários. O bilhete único era três horas, agora é duas. Isso significa mais folga para os empresários. Eu considero que a gente tinha que fazer uma auditoria para discutir os subsídios do transporte público em São Paulo. É um número fabuloso. São bilhões e bilhões de reais de subsídio todo ano, e eu considero que esse é um nó chave, e uma auditoria vai nos permitir operar uma outra política. É necessário nós revisarmos qualitativamente a gestão do transporte e enfrentar o tema dos subsídios. Qual o número exato dos subsídios? Não sei. Tem que ter? Provavelmente uma parte, mas não R$ 3 bilhões por ano como é repassado às empresas municipais de São Paulo. Eu sei que o lobby é poderosíssimo, eu fui vereador, sei da força que eles têm na Câmara, mas nós temos que abrir o jogo para a população.

O movimento negro se ressente de ver suas pautas serem sempre secundarizadas no âmbito do Executivo. O senhor concorda com essa afirmação? Se sim, o senhor garante que isso no seu governo não ocorrerá?

Eu eleito prefeito de São Paulo, nós teremos um prefeito negro, que tem compromisso com o combate ao racismo. Já tivemos um prefeito negro em São Paulo, mas não tinha nenhum significado para ele a luta antirracista. Não basta ser negro, tem que ter compromisso com a luta antirracista e, para mim, a política do governo tem que ser atravessada pela questão racial.

O fato é que em qualquer pesquisa que você faça, se você coloca o recorte étnico-racial, você vai ver que o pretinho fica sempre para o final. O Brasil tem pouco mais de 500 anos de história, desses, 400 de escravismo. Desses, 300, pelo menos, de escravismo negro, ou de uma abolição nos termos que temos no Brasil.

A história da senzala para a favela é fato, quando a gente fala de renda, empregabilidade, acesso à educação, à participação política, você tem todas as tintas que demonstram que o racismo é estrutural na sociedade brasileira e é também institucional. Por isso temos que ter uma política que atravesse todas as políticas públicas de modo a nós promovermos a igualdade racial. Não há nação ou cidade democrática sem que a população negra também tenha acesos a direitos.

*Colaborou Bruna Caetano

Edição: Vivian Fernandes