Minas Gerais

Crime da Vale

Com Paraopeba morto, há risco de racionamento de água na Região Metropolitana de BH?

Estação de captação de água também foi destruída por rompimento da barragem no Córrego do Feijão

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Desde o rompimento da barragem no Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale, o rio Paraopeba foi destruído
Desde o rompimento da barragem no Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale, o rio Paraopeba foi destruído - Foto: Reprodução

Apesar das chuvas que andam caindo nas últimas semanas, a situação do abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) segue crítica e ainda há risco de racionamento para 2020. O alerta é feito por especialistas que acompanham o tema e veem, a cada ano um regime pluviométrico menor do que o esperado.

O abastecimento da RMBH é um sistema integrado que depende cerca de 70% do Rio das Velhas e 30% da bacia do Rio Paraopeba. Segundo a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), na semana passada, o nível dos reservatórios do Sistema Paraopeba era de 46,6%. A Companhia afirma que o monitoramento é realizado constantemente e as atualizações são publicadas diariamente no site da empresa.

Bacia atingida

Desde o rompimento da barragem no Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale, o Paraopeba foi destruído e junto com ele, uma estação de captação de água da Copasa, construída a partir de 2015 para resolver a crise hídrica já existente naquela época.

Em Termo de Compromisso assinado em julho deste ano pelo Ministério Público de Minas Gerais, Estado de Minas Gerais, Copasa, Vale e a empresa de auditoria Aecom, a mineradora assumiu custear medidas a serem implementadas para reestabelecer a captação de água do Rio Paraopeba e evitar o racionamento de água. As obras para a nova captação, 2,3 km acima do local contaminado pela lama, começaram atrasadas, foram suspensas por determinação judicial e, segundo a Copasa, foram retomadas no último dia 22. A Vale esclarece que o prazo limite para conclusão da obra é até setembro do ano que vem.

Para Luiz Paulo Siqueira, integrante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), essa medida é mitigadora e não resolverá o problema do abastecimento da região a longo prazo. Ele explica que ao longo do Rio das Velhas, como Itabirito e Ouro Preto, existem cerca de 16 barragens de rejeito que não possuem estabilidade garantida e correm o risco de romper. Seis delas, algumas com nível máximo de alerta, são de propriedade da Vale.

“Mesmo com esse diagnóstico, nem a Vale nem a Copasa, nem qualquer outro órgão do Estado tem realizado medidas preventivas caso as barragens venham a romper, para evitar que esses rejeitos cheguem no Rio das Velhas. Seria um colapso”, denuncia. Na bacia do Paraopeba, além da barragem de mais alto risco Casa de Pedra, localizada dentro da cidade de Congonhas, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) possui outras duas barragens. Em municípios rio acima, outras mineradoras, como a Gerdau e a Ferro+, também possuem barragens de rejeito.

Outras questões

Em setembro deste ano, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) publicou a Portaria de Outorga que autoriza a Copasa a captar 5.000 litros por segundo de água no Rio Paraopeba na nova captação. No entanto, o parecer técnico emitido pelo órgão no dia 2 setembro afirma que não existe disponibilidade hídrica dessa quantidade de água nem a jusante (para baixo) e nem a montante (sentido da nascente) do rio. Ao conceder a outorga, o Igam justifica que há uma excepcionalidade para o abastecimento público.

O engenheiro Mauro da Costa Val, mestre em saneamento e águas naturais, opina que essa outorga não deveria ter sido concedida à Copasa, uma vez que ela pode impactar diretamente a qualidade e a quantidade da água do Rio Paraopeba. “Com esse crime da Vale, se a Copasa voltar a tirar esses 5 mil litros por segundo, o que acontecer é que vai aumentar a concentração de contaminantes rio abaixo. Tem uma massa depositada que, sempre quando chove, é como se tivesse ocorrido um novo rompimento. Se tirar esses 5 mil litros por segundo, vai ter a mesma massa no fundo do rio, mas uma quantidade de água muito menor”, explica.

O parâmetro utilizado para afirmar se há ou não disponibilidade de água é um indicador de uso definido a partir de uma fórmula chamada Q7,10. Pelas normativas ambientais, só é permitido outorgar 30% da vazão do curso d’água. Segundo o parecer técnico do Igam, o cálculo da disponibilidade hídrica no Rio Paraopeba chega a 76% a montante e 54% a jusante, ou seja, muito mais que o permitido. Isso, segundo Mauro sobrecarregaria o aquífero, podendo acarretar em sumiço de nascentes, impactos na biodiversidade e na sociedade, como pequenos usuários que ficariam privados de ter acesso à agua.

A Copasa, em nota, afirma que “desconhece qualquer relatório do Igam com afirmação de que não há água disponível no Rio Paraopeba para a nova captação”. Além disso, sustenta que o modelo previsto para a nova captação mantém a mesma concepção do sistema existente e todas as medidas para redução dos impactos ambientais, tanto na obra quanto na operação do sistema.

O Igam foi procurado, mas não se manifestou até o fechamento desta matéria.

Alternativas

Cleverson Ulisses Vidigal, conselheiro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, conta que em audiência pública realizada em Brumadinho no mês passado – em que estavam presentes representantes do Ministério Público, Copasa, Vale, vereadores e sociedade civil – que foi questionado o modelo de captação utilizado nesse novo ponto do Paraopeba. “Não fomos esclarecidos se realmente precisa construir essa nova captação”, afirma.

Além de considerar que a nova captação continua na mira de possíveis rompimentos de barragens, que contaminaria o rio novamente, Cleverson questiona se não há a possibilidade de tratar a água e continuar utilizando o ponto que que está parado. Para Mauro, outro modelo de captação deveria ser pensado, como, por exemplo, a construção de vários poços distribuídos ao longo da bacia para não sobrecarregar nenhum aquífero. “Elas escolhem a estrutura mais barata. Mas, com isso transferem os impactos negativos para o povo. Livra o dela, mas vai causar impactos no rio, na biodiversidade e na sociedade”, critica.

Soluções

Para evitar de vez uma crise hídrica e resolver o problema do abastecimento de água na RMBH, Luiz Paulo, do MAM, ressalta que é necessário urgentemente demarcar a Serra do Curral, a Serra da Moeda e a Serra do Gandarela como territórios livres de mineração. “Essa região é rica em minério de ferro. No subsolo, o ferro cumpre um papel fundamental de reservatório de água. Esse tipo de rocha tem uma capacidade de absorção muito alta. Se tira o minério, acaba com armazenamento de água. Então, o resultado é secar as nascentes, destruir os mananciais e prejudicar ainda a segurança hídrica da RMBH”, aponta.

A longo prazo, também é necessário “produzir água” nas bacias ao redor da Região Metropolitana. A solução mais inteligente, segundo Mauro, seria revejetar com plantas nativas as nascentes degradadas e implantar pequenas barragens para aumentar a infiltração e diminuir a erosão. No entanto, Cleverson conta que não existe nenhum programa dos órgãos públicos que vá nesse sentido, buscando recompor e compensar o meio ambiente.  “Se os órgãos não agirem com consciência, uma hora a natureza vai cobrar e quando cobrar, vai ser tarde”, alerta.

Edição: Elis Almeida