Minas Gerais

EDUCAÇÃO

PPPs dificultam expansão do número de vagas na educação infantil, alerta pesquisador

Modelo não é bom exemplo de eficiência e baixo custo

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Escola Municipal Solar Rubi, em BH, é a primeira escola de ensino fundamental construída por meio de parceria público privada no Brasil
Escola Municipal Solar Rubi, em BH, é a primeira escola de ensino fundamental construída por meio de parceria público privada no Brasil - Leandro Henrique / PBH

Na última semana, o governo federal publicou um decreto que possibilita firmar Parcerias Público-Privadas (PPPs) para construção, reforma e gestão de estabelecimentos de educação infantil nos municípios. Política semelhante já vem sendo implementada em Belo Horizonte, desde a gestão do ex-prefeito Márcio Lacerda.

Apregoado como modelos de gestão de políticas públicas no meio liberal, as PPPs são apontadas por trabalhadores e alguns estudiosos do assunto como uma opção onerosa para os cofres públicos e nada eficaz quando se trata de ampliar a cobertura do serviço.

Esse é o ponto de vista do professor Fábio Garrido, mestre em educação pela UFMG e integrante da direção do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG). Para Garrido, que estudou a experiência das PPPs em Unidades Municipais de Educação Infantil de BH, o modelo subordina a política educacional aos ditames dos negócios e tem grandes impactos na questão pedagógica e na situação dos trabalhadores do setor. Confira a entrevista.

Brasil de Fato: No dia 27 de novembro, Bolsonaro assinou decreto que permite firmar parcerias público-privadas para construir, reformar e gerir creches nos municípios. Em Belo Horizonte, modelo semelhante já tem sido implementado desde a gestão de Márcio Lacerda (PSB). Qual é a novidade do decreto federal?

Fábio Garrido: A novidade é a nacionalização do modelo implementado em Belo Horizonte. Houve mudanças na lei 11079, sobre Parcerias Público-privadas. Antes, projetos teriam, no mínimo, R$ 20 milhões e eles rebaixaram para R$ 10 milhões, possibilitando a participação de pequenos municípios. O decreto inclui essas parcerias no setor de estímulo à formação de PPPs, que formula estudos para os municípios, em um convênio entre a Caixa Econômica Federal e um braço do Banco Mundial.

BdF: Partindo dos casos que você estudou, o que esse tipo de parceria muda na política de educação?

Um fator é o controle das unidades de ensino. Uma empresa privada, tem suas ações negociadas no mercado financeiro e controla as unidades de ensino em função de suas taxas de lucro. Os horários de funcionamento são controlados pela empresa para não gerar gastos adicionais. Então, reuniões fora do dia e horário de aula precisam de autorização prévia da empresa. As possíveis quebras dos materiais nas unidades de ensino são considerados “vandalismo” nos contratos, não estando sujeitas à manutenção pela empresa concessionária. A professora não tem liberdade de colar na parede nem um abecedário que faz parte do processo de ensino-aprendizagem!

BdF: Nesse modelo, empresas de outros setores (construção civil) compõem um consórcio para gerir escolas. Por que essas empresas estão interessadas na educação?

O atrativo é o lucro certo que sai do fundo público para suas empresas. Em BH, a Odebrecht ganhou uma licitação, criou uma empresa e, no momento em que precisou de liquidez para pagar suas dívidas, ela vendeu essa concessionária, a Inova BH, para o fundo de investimentos 3G Capital, que tem como um de seus sócios o empresário Jorge Paulo Lemman, um dos maiores influenciadores da política educacional no Brasil. Ele, inclusive, influenciou para que houvesse financiamento de PPP no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

O lucro deles vem de duas formas. Uma é o pagamento de contraprestações mensais, que é a remuneração pelo serviço prestado. A outra é a projeção de lucros futuros, por meio da qual os empresários recebem, além da remuneração, uma taxa de juros sobre o lucro que eles vão receber no futuro. Isso acaba ocasionando que um estudante no âmbito da PPP custe 60% a mais que os outros estudantes. Então, a Prefeitura de Belo Horizonte não consegue atender a todas as crianças, principalmente de 0 a 3 anos de idade, porque ela tem um custo imenso com a Parceira Público-Privada. No modelo da PPP, cada aluno custa mais a Prefeitura, então, faz uma redução de turno pela metade para ampliar o atendimento, mas de forma precarizada. O que o governo federal propõe é a nacionalização desse modelo. 

BdF: Os defensores das PPPs dizem que esse modelo agrega às políticas públicas a eficiência do setor privado na consecução de metas e resultados e na gestão dos recursos. Pelo o que você está falando, os cofres públicos não economizam, eles gastam mais, e ainda diminuem sua capacidade de ampliar a cobertura do serviço.

Em um primeiro momento, eles conseguem construir muito rapidamente as unidades, mesmo porque há uma grande movimentação da máquina pública com financiamento e garantias. E é interessante para o setor privado construir rápido porque, quanto mais rápido ele construir, mais rápido ele vai obter o que realmente lhe interessa, que é a remuneração pelos serviços.

A obra foi remunerada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) logo após o fim das obras. O empréstimo para construir foi feito pelo BNDES, dinheiro público também. A garantia do empréstimo que a Odebrecht fez com o BNDES foi dada pela PBH Ativos, que transformou os direitos creditícios do município no DRENURBS em garantia. Estamos falando de dinheiro que deveria servir para evitar enchentes em Belo Horizonte.

Então, há uma privatização de um fundo público. A população acha uma maravilha a construção de tantas creches tão rápido, mas esse modelo impede depois a expansão com qualidade da educação infantil e compromete o fundo público durante 35 anos. Então, a criança que entra agora na educação infantil não terá vaga para seu próprio filho, pois no futuro a Prefeitura ainda estará pagando a PPP.

BdF: E como esse arranjo atinge os trabalhadores da educação infantil?

É uma terceirização. Toda terceirização remunera, em média, 30% a menos do que os trabalhadores diretos. Há uma precarização das condições de trabalho e dos salários. Além disso, o servidor público, com direitos, estabilidade e vínculo com a comunidade, vai sendo substituído pelo terceirizado.

Normalmente, os trabalhadores contratados pelo Estado ou pela prefeitura são pessoas que estão na escola há 30 anos, que não se aposentaram. Na PPP, eles são substituídos por trabalhadores muito mais jovens, que aceitam receber menos e não têm nenhum vínculo com a comunidade escolar. Isso desestabiliza a comunidade escolar e, portanto, tem impacto pedagógico.

Tem ainda a submissão do direito à educação à lógica do mercado. Temos um direito universal que se torna uma mercadoria. Quando eles falam de qualidade e eficiência do setor privado, eles dizem que, por ser uma mercadoria, seria melhor. Mas há estudos que mostram, inclusive, que a construção em uma PPP custa 15% a mais. E a tendência, infelizmente, é o fim da universalização, já que o Estado não tem condições de comprar uma mercadoria que dê lucro. Quando você contrata um servidor público ou faz uma obra no âmbito de um contrato normal do Estado, não há ali uma taxa de lucro estabelecida.

Edição: Elis Almeida