Paraíba

História das Palavras

Artigo | Quando DENEGRIR pode ajudar no combate ao racismo

Faz-se necessário e urgente desassociar o termo de seu significado figurado racista

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
"Se DENEGRIR é tornar-se negro, faz-se essencial e no sentido literal que nós nos denegríssemos mais".
"Se DENEGRIR é tornar-se negro, faz-se essencial e no sentido literal que nós nos denegríssemos mais". - Reprodução

Palavras são dinâmicas. Seu sentido e interpretação variam com o contexto e o tempo. E esse tempo guarda a origem e a história destas palavras. Usadas por tanto tempo, nos muitos "Brasis" e forjadas nos moldes sociais dos quais fazem parte, as palavras têm o poder de enaltecer ou agredir o indivíduo, todo um povo, uma cultura, uma nação.

O que dizer de MULAta? Palavra que remete a um ser híbrido que nasce do cruzamento de um homem branco com uma mulher negra ou virce-versa (associada à ideia de mula que é resultado do cruzamento de um jumento com uma égua de espécies diferentes). 

A conotação negativa [dos vocábulos] de "pret@" e "negr@" mostra como as palavras, associadas à etnia de um povo, são usadas para expressar a posição do grupo na sociedade e a condição de inferioridade em que são alocados.

A palavra DENEGRIR, por exemplo, tem uma história longa, marcada pelas chagas do racismo e encoberta atualmente por um desconhecido popular sobre o seu real e nobre significado.  Segundo o Dicionário Online de Português, o verbo denegrir significa EFETIVAMENTE "Fazer ficar mais negro; tornar escuro". Em sentido FIGURADO, significa "Manchar a reputação de; difamar". 

Ainda que se alegue o desconhecimento para o uso inadequado da palavra ( camuflado de sentido FIGURADO) deve-se atentar para o fato de que "se-tornar negro" é entendido como manchar a reputação de alguém. Mais uma clara e absurda faceta do racismo camuflado que ainda sustenta a falácia da democracia racial em nosso País.

Antes que se fale em vitimismo, basta verificar que os termos “embranquecer” ou “alvejar”, por exemplo, não são usadas (mesmo em sentido FIGURADO) como algo negativo. 

O Estatuto da Igualdade Racial ou qualquer outra política afirmativa terá imensa dificuldade de avançar concretamente na destruição do racismo estrutural se as ideais ( manifestadas nas palavras) continuam mantendo a população negra na “senzala”. 

Se DENEGRIR é tornar-se negro, faz-se essencial e no sentido literal que nós nos denegríssemos mais. Porque se as pessoas se tornarem mais negras, nós teremos mais gente reconhecendo sua origem, conhecendo sua condição de opressão, lutando por seus direitos e se amando, pois saberíamos mais da nossa história [e, portanto, da maior necessidade] de resistência e bravura. Porque se as pessoas se tornarem mais negras nós teremos mais gente com empatia mesmo que a cor de sua pele lhe proporcione privilégio. Privilégio este que somente se denegrindo é possível de abrir mão na busca por justiça social.

Porque se as pessoas se tornarem mais negras nós teremos mais gente viva, pois o genocídio do povo negro cessaria. [ou, ao menos, seria mitigado...]  Teríamos mais gente trabalhando com as mesmas funções e salários, bem como mais gente com  acesso à saúde, seguridade social e educação em iguais condições. Teríamos, enfim, humanos sendo vistos como tal independente das máculas que sua história escravocrata talhou em sua pele negra.

Banir a palavra da língua é repetir o que foi feito com a população negra: penalizar as vítimas. Faz-se necessário e urgente desassociar o termo de seu significado FIGURADO racista. Tornar-se negro é um ato revolucionário para quem vive. Entender e praticar o lugar de fala e a representatividade da comunidade negra transforma os grilhões em liberdade. Mergulhar em quem se é salva. Se colocar no lugar do outro nos torna humanos.

Quando alguém desqualificar, depreciar, ofender ou agredir você não pense que fostes denegrido. Corrija seu pensamento, sua fala e a fala dos outros. Mude a si, mude os outros e ajude a mudar o mundo. 

Denegrir o Brasil em seu sentido mais correto e nobre diminuiria o racismo e tornaria esse País da pluralidade também o país da igualdade racial. 

* Professora do IFPB - Campus de Sousa; Gestora Ambiental (IFRN); Mestre em Engenharia Sanitária (UFRN)
 

Edição: Heloisa de Sousa