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Artigo | O ‘não é só futebol’... é só pelo dinheiro

Brasileirão caminha para espanholização, com times de Rio-São Paulo favorecidos pela Globo, CBF e patrocinadores

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
"Mudar a distribuição da 'verba da televisão" seria a primeira providência"
"Mudar a distribuição da 'verba da televisão" seria a primeira providência" - Reprodução

O futuro é a espanholização do campeonato brasileiro. O campeonato espanhol também conta com 20 clubes, mas apenas dois times, que são os mais badalados e os mais privilegiados, realmente disputam títulos: Real Madri e Barcelona. É o que a Globo, em cumplicidade com a CBF e com o apoio eufórico dos patrocinadores, já programou e está executando com Corinthians e Flamengo há anos.

Uma das alegações da CBF, a mais apelativa, ao instituir o campeonato de pontos corridos, era que proporcionaria maior equilíbrio à disputa, já que os clubes ameaçavam os “poderosos” da Confederação com uma liga nacional, o que os deixaria desempregados. Quem sustentou a CBF no comando e contra a Liga de clubes, além da Globo, foram justamente Flamengo e Corinthians.

Os três mosqueteiros, eram quatro. Pois, é. Se a CBF realmente desejasse "equilíbrio" no Campeonato Brasileiro 2020 e adiante, teria que fazer três mudanças, que na verdade são quatro:

Primeira - Vinte clubes estão no campeonato. A distribuição da tal "verba da televisão" deveria ser o exato oposto de como é feito hoje: clubes recém chegados à série A é que deveriam receber os maiores valores. Um campeonato equilibrado requer equilíbrio de condições financeiras. Os clubes que vêm da série B já chegam perdendo, com times modestos ou fracos e sem chance de ser campeão. Que "equilíbrio" é esse? Mas esse equilíbrio é exatamente o que Globo, CBF e patrocinadores não querem. Flamengo e Corinthians são favorecidos monetariamente todos os anos e, eventualmente, algum outro clube do eixo Rio-São Paulo em ascensão, que fatura um pouco mais por conta de suas disputas naquele ano. Os demais têm que se contentar com o que lhes é oferecido.

Ainda não foram divulgados os valores que os clubes de fato receberam em 2019. Por isso, usamos os valores de 2018 e a projeção feita no início do ano, para 2019.

Cota de transmissão no Brasileirão 2018

1º – R$ 179,6 milhões – Corinthians e Flamengo

3º – R$ 135,5 milhões – Palmeiras e São Paulo

5º – R$ 125,5 milhões – Vasco

6º – R$ 108,8 milhões – Atlético-MG, Cruzeiro, Grêmio e Inter

10º– R$ 87,2 milhões – Botafogo e Fluminense

12º – R$ 86 milhões – Santos

13º – R$ 40 milhões – Bahia e Sport

15º – R$ 22,3 milhões – Demais clubes na Série A

Projeção de cota de transmissão no Brasileirão 2019 (em caso de título)

1º – R$ 327,1 milhões – Flamengo (+82,1%)*

2º – R$ 271,1 milhões – Corinthians (+50,9%)

3º – R$ 173,6 milhões – Palmeiras e São Paul (+28,1%)

5º – R$ 105,5 milhões – Santos (+22,6%)

6º – R$ 103,6 milhões – Vasco (-21,9%)

7º – R$ 100,6 milhões – Atlético-MG, Cruzeiro, Grêmio e Inter (-7,5%)

11º – R$ 75,8 milhões – Botafogo e Fluminense (-13,0%)

13º – R$ 71,4 milhões – Bahia e Sport (+78,5%)

15º – R$ 55,4 milhões – Demais clubes na Série A (+148,4%)

* O faturamento do Flamengo, em 2019, foi muito superior à projeção.

Fonte: Chuteira FC 

A audiência no Rio e em São Paulo é o que realmente interessa à Globo. A audiência de outros estados não tem importância para os patrocinadores, já que esses patrocínios estão todos sediados no sudeste. Ter sempre Corinthians ou Flamengo disputando título dá IBOPE onde realmente interessa (Rio e São Paulo) na hora de captar anunciantes. Nenhum anunciante tem interesse no IBOPE de qualquer outra região do país, é o sudeste que detém toda a verba de mídia e que lança modas ou promove produtos. Então, todos os outros clubes têm razão em priorizar outras competições como a Copa do Brasil e a Libertadores, pois é a alternativa para faturar.

Assim que o Flamengo ganhou o Brasileirão e a Libertadores, começaram a surgir manifestações denunciando esses favorecimentos ao time carioca e ao paulista. A Globo reagiu instruindo seu jornalismo esportivo a repetir a balela: vejam onde um clube que põe suas contas em dia pode chegar! Ou seja, Se o Avaí ou o CSA estivessem com suas contas em dia, seriam campeões brasileiros. Mais que iludir o torcedor, essa mentira escancara a total falta de competência de dirigentes dos dois clubes, pois é uma vergonha que Corinthians e Flamengo não tenham sido campeões de tudo o que disputaram nesses mais de vinte anos usufruindo de tantos favorecimentos. Se fosse torcedor de um deles, estaria raivoso e indignado.

Portanto, mudar a distribuição da "verba da televisão" seria a primeira providência, se a CBF tivesse interesse em um campeonato equilibrado.

Segunda - Tornar a CBF uma entidade realmente “em prol do futebol”. Além da simples preferência, a afinidade com Corinthians e Flamengo mantém o status quo da entidade. Não fossem esses clubes ano a ano sendo privilegiados, já teriam abandonado a CBF e aderido às tentativas de ligas independentes que tentou-se implantar e foram abortadas pela recusa justamente de Flamengo e Corinthians, empurrados pela Globo. Graças a tribunais sempre favoráveis, "jeitinhos" e arranjos, deslizes e faltas perdoadas, entre outros "carinhos" que recebem, Flamengo e Corinthians nunca deixam a concorrência à CBF avançar, garantindo assim o poder e os desmandos aos cartolas da entidade. Uma mão faz a "lavagem" da outra. Entendeu?

Terceira - Punir os apiteiros. Por “apiteiros”, entenda-se o que chamam de “arbitragem”. Arbitragem implica em tomar decisões justas para o momento, em exercer a autoridade de ser idôneo e, sobretudo, em atuar com coragem. Os apiteiros do futebol brasileiro não têm e nem almejam nada disso. Os que não são desonestos, são incompetentes e aí é que está a dificuldade em saber qual é o que, porque ao errar não se tem como saber se foi um “erro de propósito” ou um erro apenas. Assim, o desonesto passa por incompetente e, como a CBF não pune o incompetente, também releva o desonesto. “Apiteiro” não é só aquele que usa o apito, mas também bandeirinhas, VAR e todo e qualquer outro que faça parte da “comissão”.

Falei lá no início que seriam necessárias três mudanças, que na verdade seriam quatro. Pois bem:

Quarta - Para essas três mudanças acontecerem, seria antes preciso que os poderosos da CBF mudassem a si mesmos, que por um milagre deixassem de lado o interesse pessoal e se tornassem honestos, enfim que adquirissem caráter. Mas a gente sabe que isso não acontecerá. Aliás, nenhum dos citados, nem Globo, nem CBF, nem Flamengo e Corinthians, nem patrocinadores iriam abrir mão de seu poder, de seus privilégios e do dinheiro.

Portanto, se alguém tem expectativa de alguma mudança buscando justiça e equilíbrio no campeonato Brasileiro a partir de 2020, que se sente em frente à TV e espere. Vai demorar.


* Óscar Fuchs é jornalista, cartunista e cronista

Edição: Marcelo Ferreira