Paraná

LUTA POR MORADIRA

Em Curitiba, moradores são ignorados em acordo sobre regularização de Ocupação

Ministério Público do Paraná e Cohab firmaram acordo para cobrança de terrenos da Ferrovila sem diálogo com moradores

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Ocupação da Ferrovila abriga cerca de quatro mil famílias
Ocupação da Ferrovila abriga cerca de quatro mil famílias - Lia Bianchini

No ano de 1991, o então deputado estadual pelo PDT, Rafael Greca, falava em TV aberta, para o Bom Dia Paraná, que a ocupação da Ferrovila era uma armação eleitoreira de “políticos sem qualquer expressão”. 28 anos depois, o agora prefeito Rafael Greca (DEM) parece continuar ignorando a existência de famílias moradoras da Ferrovila.

Localizada na região entre os bairros Portão e Novo Mundo, a Ferrovila abriga cerca de quatro mil famílias. Desde o início da ocupação, a região passa por disputas judiciais. Ainda na década de 1990, a prefeitura de Curitiba, por meio da Companhia de Habitação Popular (Cohab), firmou Termos de Uso e Concessão do Solo (TUCS) com alguns moradores, que pagariam pelo terreno onde moravam em dezenas de parcelas. Alguns deles chegaram a quitar as parcelas, mas não receberam a escritura do terreno.

Em acórdão registrado em 2007, o Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu irregularidade nos TUCS, afirmando que a Cohab "não é proprietária dos terrenos que cedeu, sob título de "Termos de Concessão de Uso de Solo", já que ela própria disse pertencerem à Companhia de Desenvolvimento de Curitiba - CIC".

Também na década de 2000, moradores da ocupação receberam cartas da Cohab em que reconhecia-se “que tal modalidade de contrato não foi reconhecida pelo STJ” e que o morador não receberia mais carnês de cobrança e estaria “dispensado de realizar novos pagamentos”.

No entanto, um recente acordo entre Cohab e Ministério Público do Paraná (MP) encerrou a anulação dos antigos contratos habitacionais, sem qualquer diálogo ou consulta aos moradores da ocupação. Os moradores foram “avisados” de que as parcelas voltariam ser cobradas por meio de cartas enviadas pela Cohab exigindo a quitação ou negociação da dívida, “sob pena de sofrer as medidas administrativas e judiciais cabíveis para a reintegração da posse do imóvel (‘despejo’)”.

Uma das cartas a que a reportagem teve acesso mostra que a cobrança é de um contrato firmado em 1998, para ser pago em 300 parcelas. Afirma que o morador está inadimplente desde agosto de 2000, totalizando 227 parcelas em atraso, que correspondem a uma dívida no valor atualizado de R$98.197,30. As parcelas atuais chegam em boletos de mais de mil reais. 

Morador desde o início da ocupação da Ferrovila, Ivan Carlos Pinheiro acompanhou todos os impasses judiciais e questiona a forma como MP e Cohab firmaram o recente acordo, ignorando a realidade do local e as condições financeiras dos moradores da região. Trabalhador dos Correios, Ivan conta que recebe um salário base de R$2.170 e que a ocupação é composta, em sua maioria, por trabalhadores de baixa renda.

Ele afirma que é vontade também dos moradores a regularização de seus terrenos, no entanto, nem prefeitura nem a Cohab têm se mostrado abertas ao diálogo com a comunidade. “Eles [Cohab] têm que ver a realidade dos fatos, a condição dos moradores. A gente está à disposição para conversar, chegar num acordo de regularização realmente. Mas nós queremos que entendam nossa realidade, nossa situação”, diz Ivan.

A demanda dos moradores é que seja implantada uma comissão de avaliação dos terrenos (composta não só por profissionais ligados à prefeitura mas também por aqueles ligados à comunidade), que leve em consideração a extensão real de cada unidade de terreno e a situação financeira de cada morador que o ocupa. “Por que não fazem um modelo habitacional popular, que cabe no bolso do morador?”, questiona Ivan. 

Edição: Pedro Carrano