Ceará

No sertão cearense, população mantém a luta contra os danos deixados por mineradora

Município de Quiterianópolis, localizado no sertão dos Inhamuns, no Ceará, sofre com os impactos deixados por mineradora

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Em estudo realizado no início deste ano pela Nutec e pela Semace, revelaram contaminação por elementos químicos no Rio Poti.
Em estudo realizado no início deste ano pela Nutec e pela Semace, revelaram contaminação por elementos químicos no Rio Poti. - Fotos: Erivan Silva/MAM

A atividade de extração de minérios traz consigo promessas de avanços sociais e econômicos para os municípios e comunidades que recebem esse tipo de empresa, mas na prática, em muitos casos não é isso que acontece. Prova do descaso desse tipo de atividade é o município de Quiterianópolis, localizado no sertão dos Inhamuns, no Ceará, há 408 km de Fortaleza. Lá possui uma mineradora de extração de ferro chamada Globest Participações Ltda que, no momento, se encontra com suas atividades paradas por questões judiciais e também pela organização e luta da população contra a extração de minérios na região.

A empresa chegou em Quiterianópolis por volta de 2010. Naquele momento, como lembra o casal de agricultores Manoel Luiz do Nascimento e Luiza Sobral do Nascimento, que moram na comunidade de Bandarro, havia várias promessas para o povo como: bons empregos para os moradores da comunidade, posto de saúde, equipe médica e escola, mas segundo Manoel, tudo não passou de promessas. Sua esposa se lembra de como era o tempo antes da implantação da mineradora no local. "Antes era ótimo, não tinha problema com barulho, nem com poeira, nem com a nossa saúde. Hoje tem caso de pessoas com problema nos pulmões e até de gente que faleceu com doença por causa dessa poeira toda que vinha de lá. Os animais e plantas morreram por causa da poeira também. Até manter a casa limpa era complicado. Eles prejudicaram tanto a nossa saúde como o nosso trabalho”.

A professora, Maria Silva de Macedo e os agricultores, Manoel Silva de Macedo, também conhecido como Oscar e Almir Silva de Macedo, são irmãos e moradores de Bandarro. Da frente de sua casa é possível enxergar com mais clareza a estrutura da mineradora, inclusive, a pilha de rejeitos que, atualmente, se encontra com pequenos pedaços de lona que, antes, servirá para cobri-los. Maria informa que depois da chegada da mineradora desenvolveu problemas na tireoide e seu pai alergia na pele. “Na época, eu me lembro que o médico pediu pra gente se mudar daqui por conta dos problemas causados pela poeira da mineração. Eu disse: Ora! Quem tem que sair é a mineradora”, lembra.

Almir informa que se mudou para a comunidade de Bandarro já depois que as atividades de mineração foram paradas e afirma que a terra onde mora é boa para plantar e tirar o sustendo. “Aqui é uma terra fértil, uma riqueza só, o que você plantar aqui dá, viu?! Hoje a gente tem manga, milho, feijão, coco, laranja, limão e banana. E antes, o povo diz que tudo morria por conta da poeira que vinha da mineradora”, diz.

Irregularidades

O Padre de Quiterianópolis, Donizete Bento Maia, informa que, no início deste ano houve uma audiência pública com moradores das comunidades que sofrem com as consequências deixadas pelas atividades de mineração da Globest Participações Ltda, representantes do poder público, movimentos populares e da própria empresa de mineração. Durante o ato, foram apresentadas algumas irregularidades nas atividades desenvolvidas pela empresa.

Em 2011, por exemplo, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) multou em R$64.300 e embargou a empresa. Na ocasião, de acordo com informações divulgadas no site da Semace, uma equipe detectou um desmatamento sem autorização da autarquia em uma área de 17,61 hectares, dos quais 400 m² estavam dentro da Área de Preservação Permanente (APP) de um açude localizado em uma propriedade vizinha à empresa. Essas duas infrações resultaram na emissão de multas nos valores de R$ 5.400 e R$ 5 mil, respectivamente. Ao todo, a mineradora já foi autuada quatorze vezes por crimes ambientais pela Semace e pelo Ibama.

Já este ano, em uma fiscalização do Ibama/CE foi constatado que a disposição e contenção dos rejeitos de minério de ferro não estavam adequadas. De acordo com dados da Fundação Cearense de Meteorologia de Recursos Hídricos do Ceará (Funceme), em 2019, a média de chuva no município foi de 602.3mm. A água da chuva escoou os rejeitos da mineração de ferro para o Rio Poti, por meio de valas abertas pela empresa. O Rio Poti tem sua nascente na Serra dos Cariris Novos, no município de Quiterianópolis, sua trajetória passa por Novo Oriente e vai até Crateús, de lá segue para Teresina, no Piauí e deságua no rio Parnaíba e oceano Atlântico.

Em estudo realizado no início deste ano pela Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec) e pela Semace, revelaram contaminação por elementos químicos tanto no Rio Poti, em Quiterianópolis, como no açude Flor do Campo, em Novo Oriente. O relatório apresentado mostrou a presença de metais como: alumínio, antimônio, arsênio, cromo, fósforo, manganês e níquel.

O pescador, José Ribamar do Nascimento, mora na cidade de Novo Oriente, local por onde passa o açude Flor Campo. É daí que ele tira seu sustento, mas, atualmente, a venda de peixes não está fácil. Ribamar afirma que, por causa dos rejeitos, as vendas caíram porque as pessoas ficaram com medo de consumir os produtos vindos do açude. Como alternativa, para manter a renda, vários pescadores de Novo Oriente decidiram realizar a pesca no açude de Jaburu, no município de Independência, que fica aproximadamente a 40km de distância de onde mora, mas essa iniciativa acabou criando discordância com os moradores de Jaburu. Hoje os pescadores de Novo Oriente buscam alternativas para tirar o sustento.

Luta no território

De acordo com Erivan Silva, da coordenação nacional do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), no estado do Ceará, o MAM se pauta em organizar o povo que está em conflito com a mineração, seja na beira da cava, na ferrovia, na estrada ou no porto, etc.

Em Quiterianópolis o primeiro passo das ações desenvolvidas pelo MAM nas comunidades de Bandarro e Besouro, segundo Erivan, foi escutar o território e compreender o estágio da luta instituída. “Produzimos um documentário intitulado Sertão dos inhamuns: mineração e destruição, com o objetivo de divulgar e dar visibilidade aos impactos socioambientais sofridos pelo território camponês”.

Além disso, foram feitos diversos processos de formação e mobilização com jovens, mulheres e, de forma geral, com as comunidades; reuniões com sindicados, Igreja Católica e Evangélica, Pastorais Sociais e associações, entre outras ações. “Enfim, estamos contribuindo com o processo de resistência do território camponês e construindo perspectivas para que no lugar da mineração possa ser fortalecido a produção camponesa agropecuária como forma de geração de trabalho digno e renda”, finaliza.

Questionado sobre as reinvindicações da população que foram atingidas pela mineração, Erivan explica que é importante que a população tenha certeza que está vivendo em local seguro e sem medo de ser contaminada com metais pesados que possam estar sendo veiculados pela água, pelo solo e pelo ar. “Por isso reivindica que o Estado e a Globest seja os responsáveis pelos impactos socioambientais que causaram danos coletivos como perdas na agricultura e na pecuária, alto índice de doenças respiratórias e dermatológicas, assoreamento e poluição das águas do Rio Poti, entre outros casos de ordem cosmológica que afetam os modos de vida das comunidades”. Reparar ou mitigar tais danos, de acordo com ele, é essencial para o território retomar sua normalidade.

Ele também alerta que o estado tem de fazer a empresa cumprir o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) que até então não foi realizado. De acordo com Erivan, existe uma área de 87 hectares que foi desmatado e se encontra em alto índice de erosão.

As outras reivindicações são: Fazer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a SEMACE, o MPF, a Globest e as comunidades, do qual se possa estabelecer prazos para recuperação dos danos causados e mitigação daqueles que ainda poderão ocorrer. E, que a Prefeitura de Quiterianópolis seja responsabilizada pelo fato de ter sido passiva ou morosa com os impactos que afetam o meio ambiente e a vida das pessoas. Por isso quer saber onde a prefeitura gastou os recursos da Compensação Financeira pela Extração Mineral (CFEM) que, segundo o Agencia Nacional de mineração (ANM), chegou a mais de setecentos mil reais entre 2011 e 2014.

A reportagem do Brasil de Fato CE tentou contato com a empresa Globest Participações Ltda, mas não obteve resposta.

Edição: Monyse Ravena