Inflação

Alta no preço do transporte público gera protestos entre trabalhadores no DF

Aumento também foi verificado em pelo menos cinco capitais de outros estados; em Campo Grande (MS), TCE vetou mudança

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Em Brasília, preços das passagens subiram 10% desde a última segunda-feira (13)
Em Brasília, preços das passagens subiram 10% desde a última segunda-feira (13) - Renato Araújo/Agência Brasília

O ano de 2020 começou com aborrecimento entre os passageiros do transporte público no Distrito Federal (DF), onde as tarifas de ônibus e metrô subiram 10% na última segunda-feira (16), após um decreto publicado pelo então governador em exercício, Paco Britto (Avante).

A medida alterou o preço de linhas circulares internas de ônibus de R$ 2,50 para R$ 2,75 e de R$ 5,00 para R$ 5,50 no caso de viagens longas e de integração. Para ligações curtas e trajetos de metrô, o valor saiu de R$ 3,50 para R$ 3,85.  O último reajuste havia ocorrido em 2017.

“Trinta e cinco centavos as pessoas acham que não é nada, mas acabam sendo muita coisa. No final do mês, dá uma diferença grande, principalmente pra quem tem necessidade de [usar] transporte público. Pra eu me deslocar, tenho que pegar dois ônibus, então, cada vez que pego agora, são R$ 3,85. Acho que não deveria ter esse aumento tão absurdo”, critica a dona de casa Hélia da Rocha, que faz ligações curtas de ônibus cotidianamente.

A novidade do aumento se soma às queixas já usuais de passageiros a respeito da baixa qualidade do sistema. Na rodoviária central da cidade, não faltam reclamações sobre o custo-benefício entre o preço e o serviço ofertado, como afirmou ao Brasil de Fato a vendedora de frutas Ariane Raphaela.

Cada centavo que eles pedem a mais [na passagem] sai do nosso bolso. É do dinheiro das crianças, é o do aluguel.

“Eu pego ônibus pra ir pra Ceasa, pra vir pro Plano Piloto [zona central da capital], pra ir pra casa, e é uma ladainha: ônibus cheio, sem nenhum conforto e o preço lá em cima”, queixa-se.

A vendedora, que tem cinco filhos, conta que o contexto de crise econômica do país potencializa o problema que surge com a ampliação dos preços na capital federal.  

“Pra nossa população mais humilde, deveria ser tudo mais fácil. Eu trabalho na rua porque não tinha opção pra trabalhar em outra coisa. Nós já somos perseguidos porque trabalhamos na rua e o governo, que pode fazer tudo, não dá nada pra gente. Cada centavo que eles pedem a mais [na passagem] sai do nosso bolso. É do dinheiro das crianças, é o do aluguel”, exemplifica Ariane, que, juntamente com o marido, gasta em média R$ 550 por mês para ir ao centro da cidade vender frutas.

O aumento gerou protesto entre opositores políticos do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), que estava de férias quando o decreto foi publicado. Em entrevistas concedidas à imprensa local, o emedebista afirmou que a ampliação das tarifas seria necessária para equilibrar o fluxo de caixa do sistema por conta do aumento no preço dos combustíveis e nos salários de cobradores e motoristas em 2019.

Ele investe no transporte individual e joga a conta pro transporte coletivo, pro trabalhador mais pobre

“O governo não apresentou, conforme a lei preconiza, os estudos técnicos que comprovariam a necessidade desse aumento. É um aumento muito abusivo. Terceiro, que ele não foi submetido à apreciação do Conselho de Mobilidade e Transporte do DF. O governo, então, extrapolou suas atribuições na publicação desse decreto”, critica o deputado distrital Fábio Félix (Psol), que apresentou um projeto de decreto legislativo (PDL) na Câmara Legislativa do DF para suspender a medida.

O governo afirma que a alta nos preços irá promover uma economia de R$ 161 milhões nos cofres públicos, que presta subsídios ao sistema de transporte coletivo. Para a oposição, a gestão investe numa “inversão de prioridades”.   

“No final do ano passado, ele enviou pra Câmara um projeto pra reduzir em 0,5% a alíquota do IPVA. Com isso, o governo deixa de receber R$ 213 milhões. É uma inversão na política de mobilidade também, porque ele investe no transporte individual e joga a conta pro transporte coletivo, pro trabalhador mais pobre”, argumenta Félix.

Nacional

As insatisfações com aumento de tarifa vêm estimulando protestos também em pelo menos cinco capitais onde os preços sofreram variação este mês, como é o caso de Macapá (AP), Boa Vista (RR), Recife (PE), Vitória (ES) e São Paulo (SP).  

Em Pernambuco, a prefeitura da capital elevou, até agora, somente o preço dos bilhetes de metrô, mas antecipou que irá ampliar o das passagens de ônibus em fevereiro, mês em que os preços irão subir também nos trens e barcas do Rio de Janeiro (RJ).

Já no Mato Grosso do Sul, a Prefeitura de Campo Grande ensaiou um aumento, mas teve que suspender a medida após uma liminar do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que apontou irregularidades no contrato firmado entre o município e o consórcio que administra o transporte público. O TCE identificou problemas relacionados, por exemplo, à qualidade da frota e ao horário de atendimento aos passageiros.

 

Protesto em São Paulo contra o aumento da tarifa do transporte (Foto: Nara Lacerda/Brasil de Fato)

São Paulo

Em São Paulo, onde os debates públicos tendem a convulsionar a cada aumento de preço no transporte coletivo, a prefeitura e o governo do estado reajustaram os valores em 2,33%, fazendo com que a tarifa básica saísse de R$ 4,30 para R$ 4,40.

A mudança afeta os 8,8 milhões de passageiros das linhas de ônibus e também os usuários trem e metrô, que somam diariamente cerca de 8,3 milhões. Em meio aos protestos que surgiram por conta do aumento, os trabalhadores se queixam especialmente do peso que os custos com transporte têm atualmente no orçamento das famílias.

Um levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo em janeiro, quando a tarifa ainda não havia subido, mostrou que os passageiros que utilizam ônibus e metrô gastavam um terço do salário mínimo somente com os trajetos entre casa e local de trabalho.

O Movimento Passe Livre (MPL), que defende a adoção de tarifa zero nos transportes públicos para o conjunto da população, sublinha que a subida nos preços tende a gerar maior exclusão de cidadãos em relação aos serviços de transporte.  

“E transporte é também um direito transversal, ou seja, se você não tem direito a ele, na prática, não tem direito à saúde, porque não tem como chegar a um hospital, por exemplo, se você não tem R$ 4,40, ou não tem como chegar à escola”, pontua Gabriela Dantas, militante do movimento em São Paulo.

Diante do contexto de inflação, os opositores da medida adotada pelo município ressaltam ainda os problemas com a qualidade e a capilaridade do serviço local.

“Este ano tem previsto, pela prefeitura, um corte de centenas de linhas de ônibus, então, na prática o que está pra acontecer é que a gente vai pagar mais caro pra [o sistema de transporte] circular menos. A gente vai ter que fazer mais baldeação, passar por mais catracas”, critica Gabriela.  

Edição: Rodrigo Chagas