Jogo político

Reforma tributária solidária e Fundeb estão entre prioridades da oposição em 2020

Governo deve enfrentar dificuldade com MP da Carteira Verde e Amarela, que aprofunda reforma trabalhista

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Primeiro semestre do ano legislativo tende a ser mais acelerado por conta das eleições municipais em outubro
Primeiro semestre do ano legislativo tende a ser mais acelerado por conta das eleições municipais em outubro - Foto: Saulo Cruz/Câmara dos Deputados

Neste primeiro semestre de 2020, a oposição terá como prioridade no Congresso Nacional a pauta da reforma tributária. Parlamentares ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que a medida tende a centralizar as energias desse campo político já nos primeiros meses do ano legislativo, que começa oficialmente em 3 de fevereiro.

Diferentes medidas para a mudança do sistema tributário tramitam nas duas casas legislativas, com destaque para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110/2019 – que está no Senado e é assinada pelo presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e pela maioria da Casa – e para a PEC 45/2019 – de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), membro do chamado “centrão”, bloco que reúne partidos da direita liberal. Uma outra proposta, de autoria do governo Bolsonaro, deverá ser enviada em breve ao Legislativo, mas ainda não foi detalhada.

Em linhas gerais, as duas PECs em destaque reorganizam o sistema de impostos, unificando tributos indiretos que incidem sobre o consumo. Elas não alteram o caráter regressivo do sistema brasileiro, caracterizado pela cobrança massiva de impostos sobre a classe média e as camadas mais pobres e pela isenção dos mais ricos em determinadas transações financeiras e faixas de renda.

Por conta disso, enquanto a maioria dos parlamentares tenta chegar a um acordo para a elaboração de um texto único, a oposição batalha pela aprovação da emenda substitutiva global nº 178/19 à PEC 45. A medida desonera a classe média e os trabalhadores em geral e impõe cobrança tributária sobre renda e patrimônio dos mais ricos, criando um sistema progressivo.  

“Eles querem votar uma reforma que não mexe na distribuição da carga tributária. Nós queremos votar uma que não apenas simplifique os tributos, o que é necessário, mas que também torne mais justa a distribuição dessa carga”, resume o líder da oposição, Alessandro Molon (Rede-RJ).  

Segundo o deputado, em meio ao contexto nacional de desemprego massivo e crise econômica, as preocupações com a geração de emprego e renda também devem constar na agenda de prioridades da oposição neste semestre.

“É mais no sentido de uma abordagem dos projetos que virão, sejam os do governo ou sejam os nossos. Em todos eles, nosso foco vai ser este: qual o impacto na geração de emprego e renda? Isso enfrenta esse problema? Porque a pauta econômica do governo não toca nisso. Fala-se apenas de recuperar a confiança dos empresários”, critica o líder.

Educação

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da minoria na Câmara, ressalta ainda outros pontos, como a luta contra a Medida Provisória (MP) 914/2019, que altera as regras para eleição e nomeação de reitores das instituições públicas de ensino superior. A pauta é encampada pelo presidente Jair Bolsonaro e parlamentares mais próximos do Planalto.

Também deve entrar no roteiro dos opositores o texto que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que tem 2020 como último ano de vigência. A proposta, que é alvo de uma campanha desde o ano passado, consta em parecer da relatora da PEC 15/2015, deputada Dorinha Rezende (DEM-TO). O texto dela é apoiado pela oposição, que tenta agilizar a tramitação da matéria.

“O Fundeb tem que ser aprovado no primeiro semestre, porque o segundo, como sabemos, é esvaziado. Então, a expectativa é, sem duvida, aprovar logo no primeiro, senão a partir de dezembro deste ano estaremos sem financiamento pra educação básica. Isso seria uma irresponsabilidade inominável”, considera Alice Portugal.  

Ajuste fiscal

Já a revogação do Teto dos Gastos, também constantemente defendida pelos opositores, pode voltar à cena dos debates este ano. A pauta foi oficializada em uma proposta legislativa, mas analistas políticos consideram pouco viável, para a oposição, a aprovação de uma medida dessa natureza em 2020. O motivo é o massivo apoio do centrão – grupo majoritário na Câmara – ao arrocho fiscal, que vigora desde o governo Temer.  

“Esse debate deve estar mais presente em 2021, 2022, por conta da aproximação das eleições [presidenciais]. Não há possibilidade de se resolver esse quadro caótico de maneira substantiva agora. O governo não tem recursos para investir, porque o teto de gastos significa que, para ele melhorar algum orçamento de algum setor importante, ele tem que tirar de outro. Então, é o cobertor de pobre: você cobre a cabeça a descobre os pés”, compara o analista Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Ele pontua, no entanto, que o governo deve enfrentar grandes dificuldades para adiantar a MP 905, conhecida como “MP da Carteira Verde e Amarela”, que aprofunda a reforma trabalhista e por isso conta com forte oposição de parlamentares e sociedade civil organizada.

“Basta você ver a quantidade de emendas que foram apresentadas à medida provisória. Foram 1.930, ao todo, porque há muitos problemas nessa MP, como inconstitucionalidades, excessos. Há um nível de perversidade que beira o absurdo”, avalia Verlaine.

Outras discussões em andamento também tendem a gerar desgaste para a gestão Bolsonaro nos primeiros meses do ano legislativo. Entre elas, estão a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Vazamento de Óleo e a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que contam com articulação não só da oposição, mas também de membros do centrão. Nos bastidores, a leitura é de que esta última pode respingar inclusive nas eleições municipais deste ano, prejudicando os planos de governo de ampliar sua base de apoio pelo país.

Edição: Vivian Fernandes