Ditadura

MPF denuncia ex-comandante do Doi-Codi por morte de militante do PCB em 1976

Legistas que forjaram suicídio de Herzog também são alvo da denúncia por falsidade ideológica

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Neide integrava o setor de agitação e propaganda do Partido Comunista Brasileiro (PCB) quando foi assassinada sob tortura
Neide integrava o setor de agitação e propaganda do Partido Comunista Brasileiro (PCB) quando foi assassinada sob tortura - Foto: Arquivo/Memórias da Ditadura

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-comandante do Destacamento de Operações e Informações (Doi-Codi) do II Exército em São Paulo, Audir dos Santos Maciel e os médicos legistas Harry Shibata e Pérsio José Ribeiro Carneiro pela morte de Neide Alves dos Santos , integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), registrada em 7 de janeiro de 1976.

O ex-comandante do Doi-Codi está sendo denunciado por homicídio qualificado por ter participado da operação que resultou no assassinato de Santos e os médicos legistas por falsidade ideológica por forjarem o laudo necroscópico que apontou como "fruto de suicídio por ateamento de fogo", as extensas queimaduras identificadas no corpo da vítima e omitia as verdadeiras circunstâncias da morte.

"O MPF destaca que não cabe prescrição ou anistia nesse caso, pois a morte de Neide ocorreu em um contexto de ataque generalizado do Estado brasileiro contra a população civil e, por isso, constitui crime contra a humanidade. Além das penas de prisão, o MPF requer que a Justiça Federal ordene o cancelamento de aposentadorias ou outros proventos que os denunciados recebam em decorrência das funções que exerciam durante a ditadura. A Procuradoria pede também que seja determinada a perda de medalhas e condecorações eventualmente entregues a eles pelos serviços que prestaram à repressão política", informou a Procuradoria por meio de nota distribuída à imprensa nesta sexta-feira (24).

Falso suicídio

Harry Shibata, então diretor do Instituto Médico Legal (IML) e Pérsio José Ribeiro Carneiro , foram os mesmos legistas que falsificaram o laudo que apontava o suicídio do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos agentes da repressão em 25 de outubro de 1975. Segundo o MPF, o  mesmo método foi utilizado pouco mais de um ano depois para acobertar o assassinato de Neide.

Segundo o procurador da República Andrey Borges, autor da denúncia, a versão do suposto suicídio foi forjada para justificar o homicídio da vítima e o laudo elaborado para dificultar as apurações das verdadeiras circunstâncias da morte e de seus autores. O documento não esclarece como se espalharam as lesões e qual a origem das queimaduras.

"O teor do laudo necroscópico é apenas uma das evidências de que Neide foi assassinada por agentes da ditadura, cuja responsabilidade eles procuravam omitir. A versão de suicídio não está amparada em inquérito sobre as circunstâncias da morte, que aliás nunca foi instaurado. Contrariando os procedimentos básicos de necrópsia, os profissionais do IML sequer abriram o cadáver nem procuraram detalhar as condições em que as lesões foram provocadas, limitando-se a indicar que o óbito havia sido causado por ´queimaduras generalizadas´", aponta o MPF em nota. 

Segundo os dados oficiais, Neide foi levada já na madrugada do dia 31 ao Hospital Municipal do Tatuapé, na zona leste da cidade, devido às queimaduras que havia sofrido. Os familiares só foram comunicados de que a militante estaria na unidade em estado grave no dia 8 de janeiro, quando ela já havia falecido. Ao chegarem ao hospital, a irmã e o cunhado foram submetidos a um longo interrogatório e só então receberam a notícia da morte. O enterro foi realizado no dia seguinte, ainda sob vigilância de agentes da repressão e sem possibilidade de abertura do caixão.

Neide integrava o setor de agitação e propaganda do Partido Comunista Brasileiro (PCB), legenda contrária à luta armada como método de oposição à ditadura estava desaparecida desde o dia 30 de dezembro de 1975. Naquele ano, já tinha sido presa três vezes, sempre liberada com sinais de tortura por todo o corpo. Moradora do bairro da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, ela era alvo de constante vigilância, assim como sua irmã e o cunhado, que viviam no Rio de Janeiro e com quem Neide mantinha contato frequente. A militante foi uma das 19 vítimas da chamada Operação Radar, coordenada pelo Doi-Codi do II Exército entre 1973 e 1976 para a eliminação de quadros do PCB em todo o país. 

*Com informações do Ministério Público Federal.

Edição: Leandro Melito