Direitos Humanos

Oito anos depois, onde estão os principais envolvidos no caso Pinheirinho

Comandante da PM se tornou coach; 1,4 mil de 1,5 mil famílias removidas conseguiram moradia pelo Minha Casa, Minha Vida

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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“De repente, dois helicópteros da Polícia Militar começaram a jogar bombas e a cavalaria entrou por trás", lembra coordenador da ocupação
“De repente, dois helicópteros da Polícia Militar começaram a jogar bombas e a cavalaria entrou por trás", lembra coordenador da ocupação - Foto: Reprodução/CMI

Há oito anos quando a comunidade do Pinheirinho acordou, a Polícia Militar estava na entrada da ocupação disparando contra os moradores. A operação policial para desocupar é considerada a maior da história do Brasil e foi condenada por diversos setores da sociedade, ganhou repercussão nacional e foi classificada como “massacre”.

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“De repente, dois helicópteros da Polícia Militar começaram a jogar bombas e a cavalaria entrou por trás. Pela frente, entrou o batalhão da Tropa de Choque, com arma de verdade”, relembra Valdir Martins, conhecido como Marrom, que era coordenador da ocupação na época da remoção realizada em 27 de janeiro de 2012. “Foi um horror, todo mundo assustado, as pessoas feridas.”

Hoje, Marrom é coordenador do Movimento Urbano Sem Teto (MUST), responsável pela ocupação área do Pinheirinho, e suplente de vereador pelo PT em São José dos Campos. No município, o movimento ainda mantém uma ocupação e outras duas em Jacareí, cidade vizinha.

Das 1,5 mil famílias expulsas do Pinheirinho, 1,4 mil acessaram, em 2016, o programa Minha Casa, Minha Vida e hoje vivem no Residencial Pinheirinho dos Palmares, no bairro Emha 2, na zona sul de São José dos Campos.

O coronel Manoel Messias Mello, hoje aposentado, comandou a operação de reintegração de posse do Pinheirinho. À época, a ação da Polícia Militar foi criticada por diversos setores da sociedade.

No dia 31 de janeiro de 2012, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República afirmou que foram constatadas “diversas violações de direitos humanos”. Um dia antes, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, o então secretário geral da Presidência, Gilberto Carvalho, acusou o governador de São Paulo na época, Geraldo Alckmin (PSDB), de “montar uma praça de guerra” em São José dos Campos.

A truculência policial também chamou a atenção da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, que criticou a operação. “Eu estive no campo de guerra montado pelo governo estadual e pela polícia militar durante dois dias. Vi a violência com meus próprios olhos, sou testemunha do massacre. É a conduta dos próprios governantes que faz a fama do governo e da sua polícia. Isso é internacionalmente conhecido e beira a infâmia qualquer tentativa de intimidação”, afirmou Aristides Cesar Pinto, que presidia a entidade em 2012.

Hoje, Manoel Messias se tornou coach e vende palestras motivacionais em seu site, onde exalta a reintegração comandada por ele. “Liderou inúmeras ações policiais, dentre elas a bem sucedida operação de reintegração de posse do ‘Pinheirinho’ em São José dos Campos, em 2012, onde comandou dois mil policiais militares em um mesmo evento”.

Figura frequente entre os repórteres que se apinhavam no Pinheirinho, o advogado Antônio Donizete Ferreira, o Toninho Ferreira, foi responsável por tornar públicas diversas denúncias de violações dos direitos dos moradores da ocupação.

Em 2018, Toninho, que hoje advoga para o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, foi candidato à governador de São Paulo pelo PSTU. No pleito, que acabou com a eleição do tucano João Doria para o Palácio dos Bandeirantes, o advogado conseguiu 5,1 mil votos, ou 0,08% do total.

Prefeito e governador

O terreno onde estava a ocupação, que tem 1 milhão de m², era avaliado, em 2012, em R$ 12 milhões e devia R$ 16 milhões em impostos ao município. O local está vazio desde a remoção e continua sem cumprir qualquer função social.

O terreno pertence à massa falida da Selecta S.A., que tem como proprietário o investidor e especulador do mercado financeiro Naji Nahas, figura fácil em escândalos de corrupção no Brasil. Seu nome apareceu na Operação Satiagraha em 2004, quando chegou a ser preso. Mais recentemente, o especulador foi alvo de uma investigação do governo americano que o aponta como suspeito de receber propinas para corromper funcionários públicos do Brasil, atendendo à um pedido da Telecom Itália.

O prefeito de São José dos Campos na época era Eduardo Cury, do PSDB. Após a remoção, diante das críticas enfrentadas pela Polícia Militar, classificou a operação como “bastante tranquila”. A insatisfação popular com a operação foi vista nas urnas. Ainda em 2012, Alexandre Blanco, candidato indicado pelo tucano para a prefeitura local, perdeu para o petista Carlinhos Almeida, que levou o PT ao poder no município depois de 16 anos.

Hoje, o engenheiro Eduardo Cury segue no PSDB, é deputado federal e cumpre seu segundo mandato em Brasília. Em 2015, o tucano teve 185 mil votos. Na eleição seguinte, em 2018, viu despencar seu eleitorado e se reelegeu com 94 mil votos.

Governador de São Paulo na época, Geraldo Alckmin (PSDB), também foi bastante criticado pela operação. Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), parlamentares da oposição chegaram a denunciar que o tucano trabalhava para impedir que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigasse possíveis abusos da corporação durante a remoção dos moradores.

Reeleito para o Palácio dos Bandeirantes em 2014, Alckmin viu sua carreira política derreter desde então. Em 2018, se licenciou do cargo de governador para disputar a Presidência da República. O tucano fechou a eleição com apenas 4,7% dos votos, o pior desempenho de seu partido desde a redemocratização.

Hoje, Alckmin é colaborador da TV Gazeta e dá dicas de saúde no programa Todo Seu, apresentado por Ronnie Von. O ex-governador tenta recuperar a força política dentro do partido e não confirma se insistirá na carreira política.

Edição: Leandro Melito