Evangelização

Entidades reagem à possível nomeação de pastor na chefia de índios isolados da Funai

Evangélico Ricardo Lopes Dias atua na conversão religiosa de indígenas há mais de duas décadas

Brasil de Fato | São Paulo |
Registro da Terra Indígena Vale do Javari
Registro da Terra Indígena Vale do Javari - Adam Mol/ Funai/ AFP

A possibilidade de nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias para a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai) gerou duras críticas de diversas entidades ligadas à causa indígena. Desde 1997, o pastor atua na evangelização de povos originários na região amazônica. 

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgou nota em que afirma que a nomeação de uma pessoa ligada a atividades de proselitismo religioso para o cargo representa um crime de genocídio e etnocídio. 

“Nossas famílias sofreram historicamente com a atuação de missionários proselitistas -- muitos deles da Missão Novas tribos do Brasil (MNTB) – que fizeram contato forçado com nossos avôs e avós. O contato forçado foi feito através de mentiras, violência e ameaças de morte.”

Em outro trecho, o texto afirma que as práticas evangelizadoras foram responsáveis por forçar culturas inteiras a abandonar sistemas socioculturais e crenças. 

“Tentaram insistentemente – através de mentiras, ameaças, castigos físicos, entre outros -- nos cooptar para nos submeter às suas idéias e sua forma de pensar o mundo. A atividade proselitista missionária nos causou morte física, morte sociocultural, destruição de nossos territórios físicos e espirituais.”

O grupo faz ainda um alerta sobre a relação de missionários com ruralistas. “Sabemos que hoje existem grupos religiosos proselitistas e evangélicos aliados aos criminosos grupos ruralistas que planejam se apoderar do que resta dos
nossos territórios.”

 “Temos a certeza que a atividade dos missionários proselitistas caminha junto com a destruição de nossos últimos territórios.”

Também por meio de nota, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que representa sete povos, expressou repúdio à possibilidade de nomeação do missionário evangélico. 
    
“Essa é mais uma atuação estúpida e irresponsável do atual presidente do órgão indigenista do Estado Brasileiro que, claramente, vem usando a instituição do Estado Brasileiro para beneficiar setores retrógrados, como o fundamentalismo evangélico e o agronegócio.” 

A entidade ressalta ainda a importância de que seja mantida a isenção institucional e a imparcialidade na atuação da Funai e lembra que Constituição Federal garanta a proteção às etnias.  

“No caso dos índios isolados, são grupos que dependem única e exclusivamente da proteção de sua integridade física e territorial do Estado Brasileiro (…)  A atuação missionária nas aldeias tem sido nociva tanto quanto as doenças, pois causa a desorganização étnica, social e cultural dos povos indígenas. No Javari os missionários nos dividiram em quem era de Deus e quem era do Diabo, isso para os isolados significa a completa extinção.”

Governo de retrocessos 

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifestou repúdio às iniciativas do governo de Jair Bolsonaro em relação aos povos indígenas isolados e de recente contato. Segundo a entidade, as decisões afrontam a Constituição Brasileira 

“O governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abandono à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos (CF Art. 231), para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores.”

Segundo a organização, o governo e os grupos econômicos ligados às políticas que vêm sendo implementadas são responsáveis pelo "potencial e iminente genocídio e etnocídio de povos indígenas no Brasil".

A Defensoria Pública da União cobrou informações que foram requeridas pelo órgão no início de novembro de 2019 sobre a execução da política aos Indígenas Isolados e de Recente contato. O pedido tinha intenção de esclarecer a situação de povos do Vale do Javari. 

As etnias enfrentavam uma onda crescente de violência por parte de invasores que exploravam recursos naturais da região ilegalmente. Frente a atentados, falta de segurança, recursos humanos e materiais, o trabalho de servidores da Funai foi prejudicado.

Após três meses do pedido, o governo ainda não repassou os dados. A Defensoria reforçou o pedido e manifestou preocupação com a possibilidade de mudanças nas políticas públicas de proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.

Para possibilitar a nomeação do pastor, o presidente da Funai mudou o regimento interno do órgão. Anteriormente era obrigatória a indicação  de servidores de carreira para o cargo. Segundo a Defensoria Pública da União, “o risco de uma nomeação que não atenda a critérios técnicos é a morte em massa de indígenas, decorrente de doenças a partir do contato irresponsável ou dos conflitos flagrantes com missões religiosas, madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais.”

No documento divulgado nesta sexta-feira, a Defensoria alerta que a comunidade internacional está atenta às medidas às práticas adotadas pelo governo brasileiro em relação aos povos indígenas. O texto lembra a política do não contato foi adotada pela Funai como linha de atuação desde a década de 1980 e é essencial para garantia da vida desses povos. 

Edição: Rodrigo Chagas