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Em sessão de abertura do ano, Toffoli destaca necessidade de confiança no Judiciário

Declaração tem como pano de fundo polêmica em torno do juiz de garantias, que tende a ser destaque na pauta de 2020

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Defensor do juiz de garantias, Toffoli pode deliberar sobre implantação mais célere do instituto em breve - Nelson Jr./SCO/STF

As atividades do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 tiveram início nesta segunda-feira (3) em meio a um clima de animosidade que se instaurou após a suspensão temporária do “juiz de garantias”. O instrumento foi aprovado no ano passado pelo Congresso Nacional dentro do Pacote Anticrime.

Ao discursar na sessão de abertura dos trabalhos, o presidente da Corte, Dias Toffoli, apontou que o Judiciário deve garantir “previsibilidade” e “confiança” a partir das decisões tomadas pelos ministros.

“Gerar confiança, previsibilidade e segurança jurídica. Esse é o objetivo primordial do Poder Judiciário na atual quadra da história do país, em que se anseia pela retomada do crescimento econômico, do emprego e do desenvolvimento social e sustentável”, afirmou o magistrado.

A declaração do presidente toca indiretamente as controvérsias em torno do tema do juiz de garantias, magistrado que deve responder pela fase de investigação dos processos criminais enquanto o julgamento dos casos fica a cargo de outro juiz. A medida tem o objetivo de garantir maior isenção no trabalho do Judiciário e ganhou fôlego após o escândalo da Vaza Jato.  

Defesa

Entre os defensores da pauta, está a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ao discursar na cerimônia desta segunda-feira, o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, fez menção direta à norma, além de lembrar outras medidas aprovadas no ano passado, como a Lei do Abuso de Autoridade.

Citando um artigo publicado pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski, Santa Cruz afirmou que “essa correção de rumos somente foi possível porque as democracias ocidentais, ao longo dos últimos três séculos, especialmente a partir do advento das revoluções liberais, desenvolveram — embora com as imperfeições próprias das instituições humanas — mecanismos de freios e contrapesos”.

“[Elas] estabeleceram ainda um sistema recursal que permite a revisão das decisões de juízes e tribunais pertencentes a instâncias inferiores por colegiados de grau superior, de maneira a contrastá-las com as normas constitucionais e legais vigentes”, completou o presidente da OAB, que é crítico da Lava Jato e do ex-juiz e ministro da Justiça, Sérgio Moro, autor do pacote.  

Queda de braço

Inserido no texto do Pacote Anticrime a contragosto do autor da medida, o novo instituto é alvo de uma queda de braço entre punitivistas e garantistas.

A implantação da regra entraria em vigor em 23 de janeiro, mas foi adiada por seis meses após uma decisão dada dias antes por Toffoli, sob o argumento de que o Judiciário precisaria de tempo para se adequar estruturalmente à norma. O adiamento havia sido formalmente solicitado pela Associação Nacional dos Membros do MP (Conamp).

Na sequência, o vice-presidente do STF, Luiz Fux, assumiu o comando da Casa durante as últimas semanas e cassou a liminar de Toffoli, decidindo-se pelo adiamento da implantação da medida por tempo indeterminado. Por conta disso, ainda não se sabe quando a novidade entra em vigor.

O plenário do STF deverá se debruçar sobre o assunto, mas não há data prevista para a análise do tema. Os movimentos em defesa do instituto, no entanto, não cessaram. Na última sexta-feira (31), a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou um pedido para suspender a liminar de Fux e, por conta disso, o caso pode ser novamente avaliado por Toffoli. Como o presidente é favorável à implantação da medida, a saga em torno do tema pode ter novos desdobramentos em breve.  

A regra também deverá ser alvo de debates com especialistas e integrantes da sociedade civil organizada, que deverão discutir o tema junto com o STF em duas audiências públicas agendadas para o mês de março. Os encontros foram marcados por Fux, que é relator do caso no Supremo.   

Outras pautas

A agenda de prioridades do STF este ano deve contemplar também outros temas. De acordo com Toffoli, a Corte irá se debruçar sobre questões de natureza tributária, distribuição dos royalties do petróleo, política de preços mínimos para o transporte rodoviário de carga e ainda questões eleitorais. Também entrarão no radar, segundo o presidente, diversas ações referentes a dispositivos da reforma trabalhista, que é duramente questionada na Justiça.

Conjuntura

O vaivém da implementação do juiz de garantias no âmbito do STF tem também como pano de fundo uma disputa de poder envolvendo Toffoli e Fux, que assume a presidência da Corte a partir de setembro deste ano, devendo ficar no cargo até 2022.

A tendência é que o mandato do futuro presidente abra mais espaço para defensores da operação Lava Jato, o que deve modificar a configuração de forças na cúpula do Judiciário. Por conta disso, há, nos bastidores da política, o temor de que Fux demore a colocar em pauta o tema do juiz de garantias, que é visto com maus olhos por entusiastas da Lava Jato.

Outro fator que deve mexer com o jogo de forças do STF é a chegada do próximo ocupante da Casa, que deverá entrar no lugar do atual decano, Celso de Mello, que tem aposentaria prevista para novembro. O substituto será o primeiro nome a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que também deverá indicar um segundo magistrado em julho de 2021, quando é a vez da aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.  

Apontado como um dos principais interessados na próxima vaga, o ministro Sérgio Moro concorre com outros nomes que estariam sendo visados para o cargo. Entre eles, estão o advogado-geral da União, André Mendonça, e o secretário-geral da Presidência da República, Jorge Oliveira. Com o desgaste decorrente da Vaza Jato e a crise no relacionamento com Bolsonaro, a tendência é que Moro reduza as chances de indicação para o posto.  

 

Edição: Camila Maciel