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Os verdadeiros desmatadores da Amazônia não estão na lista do Intercept

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Nenhuma multinacional foi ou será multada pelo desmatamento, mas são elas que financiam todo o processo - Mayke Toscano/Comunicação Estado Mato Grosso/AFP
É preciso tirar os laranjas da frente

The Intercept Brasil publicou, dia 31 de janeiro, a lista dos “maiores destruidores da Amazônia”. Pode ser lida aqui. O trabalho foi feito em parceria com o portal De Olho nos Ruralistas.

Foi uma investigação exaustiva. Durante meses, rastrearam quase 300 mil multas ambientais. A partir do valor das multas, listaram o que foi chamado de 25 maiores destruidores da Amazônia.

A lista é tecnicamente perfeita, mas só mostra um pedaço do problema. Isso porque os grandes desmatadores da Amazônia não estão na Amazônia. Quem leva a multa é o laranja que dá a cara a tapa. Está lá para assumir o ônus e ocultar quem se beneficia com a devastação.

Laranjal da devastação

De acordo com a lista do Intercept, o campeão de multas é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Como o desmatamento foi verificado em terras da União, a multa é aplicada sobre o Incra.

Esse é o primeiro indício de que a lista não tem efetividade para mostrar quem são os reais desmatadores. Quem desmata não é o Incra. Os desmatadores estão ocultos. O Incra é usado como laranja.

Depois do Incra, a lista é dominada por empresas e pessoas ligadas à extração ilegal de madeira, siderurgia de ferro gusa e criação de gado.

Entre os 10 primeiros da lista, quatro são siderúrgicas. Pelo menos outros quatro são fornecedores -- para essas mesmas siderúrgicas -- de carvão de mata nativa retirado ilegalmente.

Na siderúrgica, o carvão é misturado ao minério de ferro e vira ferro gusa. O produto é exportado para os Estados Unidos e vira aço.

O mesmo grupo que fornece carvão ilegal para a siderúrgicas também fornece madeira ilegal para o mercado nacional e internacional de móveis e construção civil.

Essa madeira é roubada de áreas públicas ou de terras indígenas. Madeira esquentada com a ajuda de servidores corruptos ligados a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará, governado por Helder Barbalho (MDB), filho de Jader Barbalho.

O mesmo esquema fornece, às grandes redes de supermercados do país, carne de gado criado em áreas de desmatamento ilegal. Carne que passa, em grande parte, pelas mãos da JBS.

Os reais desmatadores

A retirada de madeira, a produção de carvão e a criação de gado em áreas ilegais precisa de terra, de mata e de espaço. Por isso o Incra leva as multas. O Incra é o grande laranja da devastação da Amazônia.

Na Amazônia, 97% das multas ambientais nunca são pagas. Multar os laranjas faz parte do jogo. O objetivo é ocultar os verdadeiros algozes da floresta. Vamos a eles.

No setor siderúrgico, as quatro mais multadas são: Siderúrgica Norte Brasil S/A; Sidepar Siderúrgica do Pará S.A; Gusa Nordeste S.A; Companhia Siderúrgica do Pará. No laranjal da devastação, essas empresas escondem os verdadeiros algozes do desmatamento.

A primeiro algoz é a Vale S/A, que entra com minério de ferro para ser misturado ao carvão ilegal. Depois, entram grandes siderúrgicas dos Estados Unidos, que compram o gusa, fazem o aço e vendem para Ford, General Motors, Toyota e Nissan, além de fabricantes de aviões e de equipamentos eletrônicos. São essas empresas que financiam o desmatamento da Amazônia.

Nenhuma dessas multinacionais foi ou será multada pelo desmatamento, mas são elas que financiam todo o processo, por intermédio do laranjal do desmatamento.

A indústria automotiva e aeroespacial norte-americana está calcada na devastação da Amazônia, mas os multados são as siderúrgicas de fundo de quintal, instaladas na região de Carajás, que exportam 97% da produção.

No setor de alimentos, a segunda colocada da lista do Intercept é a Agropecuária Santa Bárbara, controlada pelo banco Opportunity. Essa empresa faz o serviço sujo e leva as multas.

Quem não aparece são as marcas de carne, JBS à frente. A JBS e outros frigoríficos instalados na Amazônia estão entre as principais fornecedoras de carne do desmatamento para as grandes redes de supermercados.

Os algozes, aqui, são: Carrefour, Pão de Açúcar e Grupo Big/Walmart.

Irmã Dorothy

Em 2005, a missionária Dorothy Stang foi morta com seis tiros dentro de uma área de terras grilada por Laudelino Delio Fernandes Neto, dono da Agropecuária Vitória Régia, a oitava na lista dos desmatadores do Intercept.

O grupo de Delio Fernandes controla a máfia que esquenta carvão para o laranjal siderúrgico, que fornece para os Estados Unidos e as grandes montadoras de carro.

Delio Fernandes foi um dos homens fortes da chamada Máfia da Sudam, que desviou R$ 132 milhões e em 2002 levou o senador Jader Barbalho, pai do atual governador, à prisão.

Helder Barbalho, filho de Jader Barbalho, segue na ativa como governador.

O grupo de Delio Fernandes, que controlava a máfia da Sudam e controla a máfia do carvão ilegal, segue na ativa. Opera para o setor siderúrgico, laranjal de grandes montadoras norte-americanas.

Dorothy foi morta porque se opunha a tudo isso.

É preciso tirar os laranjas da frente.

Nada vai mudar enquanto os verdadeiros algozes da destruição da Amazônia não forem efetivamente responsabilizados.

Eles não estão na Amazônia. 

Edição: Rodrigo Chagas