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Blocos políticos saem às ruas e fortalecem tradição do Carnaval de Olinda (PE)

O carnaval é, sim, um espaço de resistência, é um ato político

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O vermelho predomina em vários blocos de Olinda. - Foto: Aurélio Velho
O carnaval é, sim, um espaço de resistência, é um ato político

A tradição do Carnaval de Olinda (PE) também junta brincadeiras que refletem as questões políticas do Brasil. Uma pequena amostra da versão 2020 traz temas como “bruxas contra o patriarcado” e o “Movimento Manguebeat contra o neofascismo”. Tem bloco “de esquerda”, “comunista”, “anárquico”, “bolivariano”, “lulista”, “marxista”... e por aí vai. Em comum, eles levam às ruas mensagens diretas contra a postura do atual governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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“Hoje entendemos que vivemos sob uma presidência ocupada por um cidadão que não esconde os seus arroubos fascistas, que é um cidadão misógino e preconceituoso, que não tem muito apreço pela cultura e pela arte. Entendemos, então, que o carnaval é, sim, um espaço de resistência, é um ato político. O carnaval, aliás, é pura política, porque vamos com os nossos corpos, e nossos corpos são armaduras, são plataformas de expressão”, analisa a jornalista Luciana Veras, mais conhecida como Lule, voluntária do Bloco Eu Acho é Pouco.

Completando 44 carnavais, o tradicional dragão, símbolo máximo  do Eu Acho é Pouco, vai se juntar às bruxas. A arte que está estampada na camisa vermelha e amarela neste ano foi criada pela artista Laerte. 

“Essas bruxas são todas as mulheres cujas ações do patriarcado não conseguiram nem conseguem controlar. São não apenas as bruxas que eram queimadas na inquisição. São também as bruxas de hoje em dia. As mulheres que fazem magia e malabarismo para conseguir sustentar seus filhos. Centenas de milhares que têm filhos cujos pais não estão registrados na certidão de nascimento, porque eles não quiseram registrar essas crianças”, explica Lule.

Ela acrescenta que a proposta do bloco, neste ano, é chamar as pessoas a bradar por coragem e liberdade. 

“O Eu Acho é Pouco sai às ruas com o manto vermelho e amarelo com essa figura da bruxa, chamando todas as pessoas corajosas, encampando esse brado por coragem, que é o que a vida pede da gente - já dizia Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas - e por liberdade”, destaca.

Ursal no Nordeste

Liberdade e coragem também são evocadas pela música “Da Lama ao Caos”, do lendário Chico Science. “Eu me organizando posso desorganizar” é o lema da segunda edição do Bloco da Ursene. 

A homenagem foi idealizada pelos 25 anos do Movimento MangueBeat, num contexto em que, de acordo com a designer e uma das fundadoras do bloco, Nara Vilanova, é preciso reinventar a luta popular no Brasil.

“A gente evoca essa energia revolucionária, meio que da teoria do caos, de que se a gente se juntar, se organizar, a gente pode desorganizar e vencer. Organizar o que a gente quer enquanto política, democracia, povo, justiça social, direitos humanos. Então é muito evocando essa energia que o movimento Manguebeat traz, da gente se reinventar, de ter força, de tirar de onde não tem - ou que acha que não tem, mas está rico, está vivo”, reforça Vilanova.

Para entender o nome do bloco da Ursene, a dica é voltar um pouco no tempo. Mais especificamente em 2018, quando o então candidato à Presidência Cabo Daciolo teorizou sobre o “Plano Ursal”, que seria formulado, segundo ele, pela União das Repúblicas Socialistas Latino-Americanas. 

É jocosamente que a Ursal se transforma em Ursene no carnaval olindense. O plano deste ano é desfilar com a camisa que junta a tradicional La Ursa com um caranguejo, além da foice, o martelo e o mapa do Nordeste, com nove estrelas representando cada um dos estados.   

Apesar das brincadeiras, vale lembrar o contexto de fala feito pelo Cabo Daciolo. O então candidato utilizou uma estratégia de discurso na tentativa de estigmatização das esquerdas. Praticamente a mesma adotada por Jair Bolsonaro que, dentre fake news e ausência de debates, foi eleito.  

Blocão da Democracia 

Para o músico e folião Alex Mono, o atual contexto de censura e repressão também deve ser levado em conta no carnaval. Ele é um dos fundadores do Bloco Sapo Barbudo, que neste ano completa três carnavais e surgiu para protestar a perseguição política sofrida pelo ex-presidente Lula. 

“Tem essa tentativa do conservadorismo, do fascismo, de tentar dirigir a vida das pessoas na questão da sexualidade, da cultura, do pensamento. Então esse carnaval vai ser uma válvula de escape e uma manifestação consciente de que o Brasil quer outra coisa”, ressalta Mono.

Na segunda-feira (24), blocos de esquerda vão se juntar, em Olinda, para a segunda edição do Blocão da Democracia. A iniciativa junta folia e reflexão política nas proximidades do Fortim do Queijo. 

O Bloco do MST, por exemplo, já confirmou presença no Blocão da Democracia. Este será o vigésimo carnaval do bloco que representa o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Os foliões partem da Barraca do MST, tradicional espaço do Carnaval de Olinda. 

Neste ano, o Bloco do MST homenageia a pesquisadora Ana Primavesi, pioneira no estudo da Agroecologia no mundo e na defesa da reforma agrária. Ela faleceu no último mês de janeiro, aos 99 anos, em São Paulo.

 

Edição: Geisa Marques