Milícia

MPF pede a anulação das terras de fazendeiro acusado de grilagem em Marabá (PA)

Fazenda de Rafael Bemerguy e Elia Tasca fica ao lado da fazenda de Marcos Fachetti Filho, preso no último dia 13

Belém (PA) |

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Mapa elaborado pela SPU indica que quase a totalidade da fazenda Lago Vermelho é área de várzea (em roxo) - MPF

Nesta quinta-feira, 20, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a anulação do título de propriedade da fazenda Lago Vermelho, de Rafael Bemerguy Sefer e Elia Henry Tasca, que invadiram terras da União, localizadas às margens do rio Tocantins.

A propriedade fica ao lado da fazenda Beira Rio, de Marcos Antônio Fachetti Filho, preso sob a acusação de comandar uma milícia rural armada. As fazendas ficam entre os municípios de Marabá e Itupiranga, no Pará. O pai do fazendeiro, Marcos Antônio Fachetti, também é acusado pelos mesmos crimes e teve a prisão decretada, mas está foragido. 

A relação entre os fazendeiros ainda é alvo de investigação pela Polícia Federal (PF), com base nos documentos apreendidos no dia 17 de dezembro de 2019. Na época, a PF cumpriu mandado de prisão preventiva contra os Fachetti, e de busca e apreensão de dados do fazendeiro Rafael Bemerguy Sefer e da empresa Marca Vigilância. 

A Marca Vigilância é uma empresa de segurança privada que comandava a milícia armada à mando dos fazendeiros. Segundo o MPF, foram quatro meses de investigações até que se ajuizasse nesta quinta-feira (20), a ação civil pública na Justiça Federal em Marabá, no sudeste do Pará. A medida judicial pede a nulidade do título irregular, o cancelamento da matrícula do imóvel e a proibição de novos registros, além da retirada dos grileiros da área. 

A Justiça Federal de Marabá, já acatou o pedido do MPF e bloqueou as matrículas da fazenda Beira-Rio, de Marcos Fachetti, pelo mesmo motivo: a maior parte do imóvel está em área de várzea, considerada extensão do rio Tocantins. Logo, é uma terra pública.


Marcos Antônio Fachetti Filho é acusado de comandar uma milícia armada. O pai dele – acusado pelo mesmo crime – está foragido. / MPF

Segundo o procurador da República Alexandre Aparizi, a constatação de que o imóvel tinha irregularidades é fruto de uma investigação iniciada a partir de denúncias de ribeirinhos e assentados, que foram agredidos fisicamente e verbalmente pela segurança contratada pelos fazendeiros. 

"As ameaças especificamente partiram do pai e filho da família Fachetti. Foram ameaças verbais e violências físicas. Alguns ribeirinhos tiveram as suas casas incendiadas, animais mortos. Especificamente uma senhora teve a sua família toda ameaçada. Ela é uma senhora muito corajosa. É baixa, bastante franzina, mas muito corajosa. Eles queimaram o documento emitido pela SPU e queimaram a casa dela também. Ela tava na casa com a filha, o genro e a neta, que é uma criança de colo, na época tinha cinco meses, e eles colocaram uma arma na cabeça da criança e disseram que se eles não saíssem ia ser pior. Ela relatou que nesse dia eles tiveram que dormir ao relento, no meio do mato com medo que os fazendeiros voltassem e pudessem fazer alguma coisa, matar". 

O procurador diz ainda que, assim que o MPF teve conhecimento das denúncias, entrou com uma ação cautelar pedindo que fosse suspenso o contrato que Rafael Bemerguy e a família Fachetti tinham com a empresa Marca Vigilância. "Esse foi o nosso primeiro ato para tentar cessar a violência", resume. 

Morte no Campo

O Pará é um dos estados brasileiros que mais sofre com a questão de grilagem de terras e assassinatos de pessoas do campo. Segundo o último relatório anual de conflitos no campo, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2019, o número de famílias expulsas e despejadas aumentou comparado a 2017.

Somente no Pará, foram registrados 1.016 casos de pistolagem. O estado ocupa a quarta posição com mais registros em relação a esse crime no Brasil ficando atrás, apenas, do Paraná (1.509), Mato Grosso (1.174) e o Maranhão (1.065). 

O fato de Marcos Antônio Fachetti Filho ser acusado de ter expulsado posseiros e praticado violência contra eles determinou a sua prisão preventiva em 08 de novembro de 2019. Na última terça-feira (18), ele teve um pedido de habeas corpus negado pelo Tribunal Federal da 1º Região (TRF1), em Brasília.

A prisão preventiva é garantida no artigo 312 do código penal e cita que ela "poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria". 

Segundo a decisão do desembargador federal Olindo Menezes, o habeas corpus foi negado porque "a situação fática de ameaças a ribeirinhos por interpostas pessoas ou por meio de seguranças privados de escolta armada ainda parece permanecer".

Grilagem de terras

A relação entre grilagem de terras e conflitos no campo é diretamente proporcional, assim como a presença da pistolagem, que também pode ser traduzida como milícia do campo. O procurador da República Alexandre Aparizi explica que a decisão com relação à fazenda Lago Vermelho foi confirmada pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

"Em relação à fazenda Lago Vermelho, nós oficiamos à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) perguntando qual era a situação daquela área, porque inicialmente aquela fazenda também tinha alguns ribeirinhos assentados que tinham a autorização da Secretaria de Patrimônio da União. Na resposta, observamos que a maior parte daquela fazenda era uma área [de várzea] e, tecnicamente, uma área de várzea  é considerada como uma extensão do rio.  Como o rio que margeia aquela fazenda é o rio Tocantins e o rio Tocantins é um rio federal, automaticamente aquilo se torna uma terra da União", explica. 

O procurador faz questão de detalhar que os ribeirinhos estão no local há muito tempo e que as casas queimadas são, na verdade, barracos de lona sustentados por pedaços de madeira. Até agosto de 2019, as ameaças eram feitas por um grupo de milicianos detido pela Delegacia de Conflitos Agrários (Deca), da Polícia Civil de Marabá. Em setembro de 2019, as famílias foram até o MPF relatar os desmandos e dizer que temiam por suas vidas. 

Marcos Antônio Fachetti foi preso em dezembro, mas conseguiu ser solto. Em janeiro, o  MPF pediu à Justiça a reconsideração da revogação da prisão preventiva, uma vez que eles continuam apresentando ameaças para os agricultores e ribeirinhos. A decisão foi acatada no último dia 12 de fevereiro.

Proteção aos ribeirinhos

O procurador da República Alexandre Aparizi pontua que as violações de direitos humanos são graves nesse caso, mas que a ação do MPF conseguiu proteger a vida das pessoas. 

"Os ribeirinhos já estavam nessas terras há algum tempo, há alguns anos quando essa parte da fazenda foi comprada e a violência iniciou, o que torna a agressão ainda maior. A violência foi muito forte. São ribeirinhos que são pessoas pacíficas. O MPF pode agir por conta de tomar conhecimento quando a violência estava acontecendo diferente dos outros casos que a violência já tinha ocorrido. Pudemos tomar algumas atitudes para a violência cessar. A preocupação maior era que a violência cessasse, que ninguém fosse morto ou ferido e depois os fatos começaram a ser apurados". 

A relação entre os fazendeiros também é alvo de investigação pelo MPF, uma vez que além de serem propriedades vizinhas e griladas, os fazendeiros tinham a mesma empresa realizando o serviço de milícia para ambos.

"Elas são fazendas limítrofes e os ribeirinhos narram na época que os seguranças que foram contratados pela empresa Marca, que faziam a segurança da fazenda Beira-Rio, que é a fazenda do Sr.Fachetti, eles também faziam a fazenda do Sr.Rafael Sefer. A empresa Marca pelo que nós pudemos ouvir dos ribeirinhos eles se revezavam, eles faziam a segurança tanto de uma quanto de outra fazenda". 

Segundo o procurador, o que diferenciava era, apenas, o contrato separado.

"Eles tinham alguma relação, mas a profundidade dessa relação, a extensão vai ser apresentada com a perícia que a Polícia Federal está finalizando em relação aos objetos apreendidos, porque não pode ser tanta coincidência contratar a mesma empresa. A empresa era de Belém. Quando a Polícia Rodoviária Federal foi ao pedido do MPF à fazenda e trouxe todos esses seguranças até a PF, algo que chamou a atenção foi que os seguranças tinham sido contratados em uma época bem recente, eles não eram empregados da Marca, eles foram chamados para trabalhar na empresa, cada um era de um interior. A aparência que ocorreu naquele momento é de que foi montado um grupo em Marabá". 

Ambos os fazendeiros se identificam como pecuaristas. Marcos Antônio Fachetti Filho permanece preso e o pai foragido. A decisão sobre a legalidade do título de Rafael Bemerguy Sefer e Elia Henry Tasca espera apreciação da Justiça de Marabá.

Edição: Leandro Melito