Dieese

Artigo | Liberação do trabalho aos domingos e feriados é um ataque às famílias

O que pode ser mais antagônico à família tradicional do que essa perversa medida?

Marco Antonio N Pereira * |
Os filhos contarão com pai e mãe em casa uma vez a cada sete domingos se ambos forem operários fabris - Arquivo / Agência Brasil

Há uma importante questão a que não se tem dado a devida atenção, em meio ao cipoal avassalador de medidas do governo Bolsonaro, empenhado em impor uma contrarrevolução de 90 anos em quatro. Trata-se da liberação do trabalho aos domingos e feriados através da Medida Provisória 905, de 11/11/2019.

Por essa MP, “É assegurado a todo empregado um repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos” (art. 67) e “Fica autorizado o trabalho aos domingos e aos feriados” (art. 68).

Art. 68. § 1º “O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo, no mínimo, uma vez no período máximo de quatro semanas para os setores de comércio e serviços e, no mínimo, uma vez no período máximo de sete semanas para o setor industrial".

Leia-se: os patrões nos setores de comércio e serviços só precisarão conceder o repouso semanal remunerado aos domingos uma vez a cada 4 semanas e os patrões no setor industrial, uma vez a cada 7 semanas.

Art. 70. “O trabalho aos domingos e aos feriados será remunerado em dobro, exceto se o empregador determinar outro dia de folga compensatória".

Leia-se: os patrões não precisarão pagar em dobro os domingos e feriados trabalhados, bastando para isso determinar outro dia como descanso semanal remunerado. Imaginemos uma família trabalhadora dita tradicional: pai, mãe e filhos e/ou filhas em idade escolar.

Uma família em que, como a maioria dos brasileiros, os pais ganham pouco, suponhamos, sendo otimistas, que um dos genitores recebe 1,5 salário mínimo (o topo do que recebe a larga maioria da população) e o outro, 1 salário.

Vivem portanto em bairro pobre, com todos os problemas dos bairros de periferia. Na melhor hipótese, os filhos contarão com pai e mãe em casa uma vez a cada quatro domingos, se eles trabalharem no comércio ou nos serviços.

Se ambos forem operários fabris, uma vez a cada sete domingos. A presença de um dos pais será mais amiudada se eles tiverem seu dia de repouso remunerado em domingos diferentes.

Com quem ficarão as crianças em todos os outros domingos? E nos feriados? E como fica a convivência de marido e mulher? Estamos sob um governo que diz defender a “família tradicional”. O que pode ser mais antagônico à família tradicional do que essa perversa medida?

Perdão. O que pode ser mais antagônico a qualquer família, tradicional ou não, mas da classe trabalhadora, do que essa perversa medida?

Além do horror que provoca essa proposta em qualquer pessoa dotada de um mínimo de espírito solidário e de decência ética, ela deixa também clara a verdadeira natureza do governo brasileiro atual: ele odeia os trabalhadores e as trabalhadoras, especialmente os mais pobres.

Pergunto então: por que as entidades sindicais e os movimentos sociais não estão dando destaque a esse ataque frontal às famílias trabalhadoras? Bem explicada, essa questão se torna facilmente compreensível para quem sofrerá as consequências de sua implementação.

Eu próprio sou pai de três filhas e um filho. Tremo só ao imaginar o que seria para elas e ele não contar com a presença dos pais aos domingos e feriados. E somos trabalhadores de classe média, com amplo acesso à cultura e com meios para, em alguma medida, compensarmos parcialmente nossas ausências.

É difícil imaginar o dano para a larga maioria das famílias trabalhadoras brasileiras? É necessário que sindicatos, movimentos populares, entidades democráticas da sociedade civil, a imprensa comprometida com a democracia e os direitos civis, ajam agora e com toda ênfase no sentido de tornar visível e mostrar ser inaceitável essa medida aos olhos dos trabalhadores e trabalhadoras!

*Marco Antonio N Pereira é economista, técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diseese)

Edição: Leandro Melito