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Zenóbia, uma mulher indígena na América Latina

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Esse episódio me transportou em um tempo não vivido em que a brava comandante, que deu o nome à organização em que militava dona Zenóbia, passava por angústias semelhantes - Foto: AIZAR RALDES / AFP
Sentia que Bartolina Sisa permanecia viva em Zenóbia

Apesar do céu azul, o dia era frio na zona rural de Chuquiñapi, cidade próxima ao lago Titicaca no noroeste boliviano. Era agosto de 2013, acompanhava Sue Iamamoto em uma entrevista à uma liderança camponesa, que era mais atuante na década de 90, e àquele momento cuidava da sua plantação. O nome dela era Zenóbia, para nós Dona Zenóbia.

O título desta coluna, Zenóbia, uma mulher indígena na América Latina, foi retirado do livro Cartas de Viagem: histórias de caminhos não contados, Belo Horizonte: Ed. Crivo, 2018

Diante de uma paisagem bucólica e tranquila, formada por um lago e plantações em curva de nível, a senhorinha contava histórias de bravura, de uma autêntica guerreira do Movimento Bartolina Sisa frente às políticas neoliberais do passado e os enfrentamentos com o Estado, o qual vitimou muitos de seus companheiros e companheiras.

O mais tocante foi perceber que mesmo com a eleição do presidente Evo, indígena como Dona Zenóbia, a cultura arraigada com a colonialidade do poder e do saber não mudava com uma simples eleição.

Um processo cultural transformador, capaz de expurgar os preconceitos e conceber uma sociedade livre, de fato, é mais longo do que aparenta.

Ao nos contar que apesar de todo o cuidado que tinha com sua produção de alimento ao ir para a cidade oferecê-los para a população, ela era vista com desprezo e seus produtos considerados sujos e inferiores, pois ela era uma indígena aymara camponesa. Ali, Dona Zenóbia chorou.

Esse episódio me transportou em um tempo não vivido em que a brava comandante, que deu o nome à organização em que militava dona Zenóbia, passava por angústias semelhantes.

Bartolina Sisa trabalhava com comércio e a vida itinerante na infância pelos povoados bolivianos permitiu que ela presenciasse a pobreza e a humilhação sofrida por seu povo. Desde então, sua luta e seu espírito rebelde se imortalizaram na Bolívia.

Naquele instante, diante de dona Zenóbia, pude entender qual o real papel de uma pesquisa em contato com uma lutadora do povo oprimida. Saímos dali e tomamos um chá de menta oferecido por ela enquanto esperávamos o transporte para retornar à La Paz.

Naquele momento sentia o frio dos Andes chegando ao fim da tarde e uma fagulha acalentadora daquele chá e, sobretudo, daquele dia.

Fomos embora e na bagagem guardei mais do que fatos vivenciados e anotações. Sentia que Bartolina permanecia viva em Zenóbia. Levei um sentimento que é capaz de dar sentido a uma vida inteira.

Edição: Leandro Melito